segunda-feira, 9 de janeiro de 2017

Presidente Temer e o tráfico de PCC, CV e a terra de Pablo Escobar.



Uma leitura dos massacres de Manaus e Roraima, por Carlos Wagner, repórter, para os Jornalistas Livres.
Por Jornalistas Livres 7 de janeiro de 2017

O governo do presidente Michel Temer (PMDB) ou não tem a confiança dos serviços de inteligência do Brasil – Forças Armadas, Polícia Federal (PF) e polícias militares – e, portanto, não está recebendo as informações corretas sobre a lógica que move a guerra das facções nas penitenciárias, ou não tem gente especializada para entender os dados que está recebendo.

Esta é a leitura que se faz das declarações feitas por Temer de que teria sido um “acidente pavoroso” o enfrentamento entre o Primeiro Comando da Capital (PCC), de São Paulo, e a facção Famílias do Norte (FDN), braço do Comando Vermelho (CV), do Rio de Janeiro, que resultou no massacre de 56 presos no Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj) de Manaus (AM).

Também esta é a impressão que se tem da declaração feita, dias depois do massacre de Manaus, pelo ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, referindo-se à morte de 33 presos na Penitenciária Agrícola de Monte Cristo (PAMC), em Boa Vista (RR):

– Não é aparentemente uma retaliação do PCC em relação à Família do Norte.
Os serviços de inteligência brasileiros sabem o que está acontecendo. Eles têm tradição e perfilam-se entre os melhores do mundo. Os dois últimos eventos que aconteceram no país – Copa do Mundo e as Olímpíadas – beneficiaram-nos com equipamentos, treinamentos e alianças com serviços de inteligência do mundo inteiro. O volume de informações que recebem diariamente sobre o que ocorre dentro dos presídios é enorme.

Em cada Estado da União existe um sistema de coleta de informes dos servidores penitenciários que abastecem com informações preciosas todo o sistema de inteligência brasileiro. Mais ainda: a maioria dos telefones celulares que estão nas mãos dos presos é grampeada pela polícia.

Há um fato que Temer e o ministro Moraes conhecem: o momento do sistema de segurança do Brasil é inédito devido ao atraso, ou parcelamento, dos salários de policiais e agentes penitenciários em vários Estados, como por exemplo no Rio de Janeiro, terra do CV e um dos maiores mercados consumidores de cocaína e maconha do país.
As drogas entram pelas fronteiras do Paraguai, da Bolívia e da Colômbia – o maior e mais bem estruturado fornecedor de cocaína do mundo.

A principal rota de entrada da droga colombiana no Brasil, o segundo mercado consumidor do mundo, é através de Boa Vista e Manaus, cidades estratégicas na geografia do tráfico.
O que está acontecendo atualmente na Colômbia foi o combustível para as matanças em Manaus e Boa Vista envolvendo o PCC, o CV e seu aliado FDN. É o que indicam fontes nos serviços de inteligência e também informações obtidas com pessoas que moram nas fronteiras, por onde, nas últimas três décadas, pelo menos de dois em dois anos circulo fazendo reportagens e escrevendo livros.

Os confrontos de Manaus e Boa Vista aconteceram porque o PCC e o CV estão envolvidos em uma corrida para ocupar o lugar no tráfico de cocaína das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), que será desmantelada por conta da evolução do acordo de paz com governo colombiano. Hoje, todo produtor de cocaína e todo atacadista – aquele que vende a droga em grande quantidade – pagam pedágio para as Farc.

Em um primeiro momento, o desmantelamento das Farc trará o caos, porque seus soldados perderão a proteção da organização. Hoje, no mundo do crime, ninguém ataca alguém protegido pelas Farc porque sabe que o poder de resposta é imediato e arrasador. Se a organização deixar de existir, será cada um por si. É neste momento que os brasileiros entram em cena, ocupando o vazio deixado pela Farc. Isso será feito recrutando ex-combatentes ou simplesmente substituindo-os por outros.

As chances de as facções brasileiras serem aceitas pelos cartéis da Colômbia são boas porque elas representam o segundo maior mercado consumidor de cocaína do mundo. Isso diminuiria sensivelmente um dos maiores riscos do tráfico, que é o transporte da droga.

A aliança do CV com a FDN lhe dá certa vantagem sobre o PCC nesta corrida. A FDN nasceu nos final dos anos 90 nas gangues de rua de Manaus e se consolidou nos presídios. Em 2015, a PF realizou a Operação Muralha contra a facção e apreendeu um software onde havia lista de participantes, manuais de normas de conduta e como havia sido feita aliança com o CV. Antes da aliança, a FDN tinha nas mãos as rotas da cocaína da Colômbia. Agora tem acesso a um dos grandes mercados de drogas, que é o Rio de Janeiro, casa da CV. Ao seu lado, o PCC tem a vantagem de ser mais organizado que o CV e deter o maior mercado consumidor de drogas da América do Sul: São Paulo.

Se houver confronto com os colombianos pelo espólio das Farc, tanto o PCC quanto o CV têm estrutura e experiência de combate nas fronteiras, para onde, nos anos 90, levaram a guerra aos grupos de traficantes regionais. Uma das batalhas que ganhou notoriedade foi travada por Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar, contra o seu protetor João Morel, líder de uma bem estruturada quadrilha em Capitán Bado, cidade paraguaia dividida por uma rua empoeirada de Coronel Sapucaia, pequeno município no Oeste do Mato Grosso do Sul.

Nos anos 60, Morel se instalou na região e começou com o contrabando de café e depois estruturou o tráfico de maconha, cocaína e armas. Fugindo da polícia no Rio de Janeiro, Beira-Mar foi acolhido e protegido por Morel. Beira-Mar fez uma aliança com as Farc – trocando cocaína por remédios, munição e armas – e começou a fazer sombra para seu antigo protetor. Em janeiro de 2001, os dois se desentenderam e Beira-Mar mandou executar os dois filhos de Morel, Ramón e Mauro. Uma semana depois, mandou matar o próprio Morel. Três meses depois, Beira-Mar foi preso pelo Exército da Colômbia, aliado à Agência Anti-Drogas dos Estados Unidos (DEA), na selva colombiana. Atualmente, cumpre pena de 120 anos no Brasil.

Nas fronteiras, o PCC e o CV não lutam por território o tempo todo. Eles também fazem alianças estratégias para defender interesses comuns. Um ruidoso caso que aconteceu no ano passado é apontado como exemplo: a execução do Rei da Fronteira, o brasileiro Jorge Rafaat, condenado por tráfico de drogas no Brasil, que vivia em Juan Pedro Caballero, cidade paraguaia separada por uma avenida da brasileira Ponta Porã, no oeste do Mato Grosso do Sul. A morte foi cinematográfica e o motivo da execução teria sido porque Rafaat decidiu aumentar o preço da maconha e da cocaína que vendia ao PCC e ao CV.

Portanto, não é descartada uma aliança entre as duas facções para entrar na Colômbia, a terra de Pablo Escobar, poderoso traficante morto nos anos 90. Se acontecer a aliança, o CV massacra o FDN como Beira-Mar fez com Morel.

* Carlos Wagner, 66 anos, formado pela Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul é autor de 17 livros, entre eles “País Bandido”. Foi repórter especial do jornal “Zero Hora” de 1983 a 2014. Atualmente, mantém o blog “Histórias Mal Contadas”, (carloswagner.jor.br)

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