sexta-feira, 30 de setembro de 2016

A ARTE DA GUERRA - SUN TZU

65 ensinamentos do livro "A Arte da Guerra", de Sun Tzu - século IV a.C.

O livro A Arte da Guerra de Sun Tzu é um rico e verdadeiro tratado sobre planejamento, estratégia e liderança. Peça a 100 pessoas para nomearem o melhor livro de negócios que já leram, e provavelmente boa parte dirá “A Arte da Guerra”, ou pelo menos citará como referência.

Tudo bem que “melhor” ou “pior” sejam conceitos relativos, mas esse livro de Sun Tzu definitivamente precisa estar na lista de livros de quem deseja aperfeiçoar conhecimentos práticos sobre disciplina, tática, comando, lealdade, gerenciamento de recursos, noções geográficas, enfim, sobre a natureza da guerra e o sucesso militar (ou organizacional).

Sun Tzu foi um general chinês que viveu há mais de 2.500 anos atrás, possivelmente durante o século 6 a.C. Até hoje, seus conselhos inspiram legiões de líderes a motivarem outros ao sucesso, honra e glória em suas diferentes métricas e formas.

A Arte da Guerra é um dos mais antigos tratados de guerra, se não for o mais. Embora as táticas militares e condições sistêmicas tenham mudado desde a época de Sun Tzu, seus ensinamentos teriam influenciado, segundo a Enciclopédia Britânica, alguns generais modernos como Mao Tsé-Tung na batalha contra os japoneses e chineses nacionalistas, e seria possível de imaginar que tenham auxiliado vários outros líderes em guerras recentes.

Considerando a atual conjectura social e geopolítica, podemos dizer que, hoje, esse livro é destinado a substanciar uma guerra específica: a das empresas no mundo dos negócios. Assim, o livro serve como manual tanto para estrategistas militares quanto para economistas e administradores.

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A Arte da Guerra é composto por 13 capítulos, cada um deles concentrado num aspecto diferente da guerra. É um livro absurdamente inteligente, poético, útil e que gera efeitos práticos reais se forem de fato aplicados.

No livro, Sun Tzu parte da premissa de que é melhor vencer a guerra antes mesmo de desembainhar a espada; melhor ainda, despender o inimigo sem precisar fazer nada. Segundo ele, a vitória conquistada penosa e custosamente sempre acompanha um gosto amargo de derrota, mesmo para os próprios vencedores. Daí tiramos uma grande lição: a primeira batalha que devemos travar é contra nós mesmos.

Para fins de recomendação do livro, aqui estão 65 ensinamentos valiosos de Sun Tzu em A Arte da Guerra:

1. A guerra é um assunto de importância vital para o Estado; o reino da vida ou da morte; o caminho para a sobrevivência ou a ruína. É indispensável estudá-la profundamente.

2. Informação é crucial. Nunca vá para a batalha sem saber o que pode estar contra você.

3. Aquele que conhece o inimigo e a si mesmo lutará cem batalhas sem perder; para aquele que não conhece o inimigo, mas conhece a si mesmo, as chances para a vitória ou derrota serão iguais; aquele que não conhece nem o inimigo e nem a si próprio será derrotado em todas as batalhas.

4. Um líder lidera pelo exemplo, não pela força.

5. Trate seus homens como filhos e eles o seguirão aos vales mais escuros. Trate-os como filhos queridos e eles o defenderão com a própria morte.

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6. A invencibilidade está na defesa; a possibilidade de vitória, no ataque. Quem se defende mostra que sua força é inadequada; quem ataca, mostra que ela é abundante.

7. A vitória está reservada àqueles que estão dispostos a pagar o preço.

8. Toda guerra é baseada em decepção. Por isso, quando capaz, finja ser incapaz; quando pronto, finja grande desespero; quando perto, finja estar longe; quando longe, faça acreditar que está próximo.

9. A suprema arte da guerra é derrotar o inimigo sem lutar.

10. Guerreiros vitoriosos vencem primeiro e, em seguida, vão para a guerra, enquanto que guerreiros derrotados vão à guerra em primeiro lugar para depois buscarem a vitória.

11. Existem cinco perigos que podem afetar um general: imprudência, que leva à destruição; covardia, que leva a captura; temperamento precipitado, que pode ser provocado por insultos; senso cego de honra, que é sensível à vergonha; excesso de solicitude para com seus homens, que os expõem a preocupação e angústia.

12. Existem três maneiras de um governante trazer infortúnio à guerra: comandar o exército para avançar ou recuar ignorando o fato que não podem obedecer, e assim denegrir o exército; tentar governar o exército da mesma forma como administra o reino ignorando as condições para obtê-lo, e assim causar inquietação na mente dos soldados; empregar os oficiais do exército sem discriminação ignorando os princípios básicos de adaptação das circunstâncias, e assim abalar a confiança dos soldados.

13. O combatente inteligente olha para o efeito combinado de energia e não necessita de tantos indivíduos assim. Daí sua capacidade de escolher os homens certos e utilizar da mesma energia combinada.

14. Quando os soldados ficam muito encostados em suas lanças, estão fracos por falta de comida. Se aqueles que são enviados para pegar água bebem-na, o exército está sofrendo de sede.

15. Estude cuidadosamente o bem-estar de seus homens, não os sobrecarregue. Concentre sua energia e acumule sua força. Mantenha seu exército continuamente em movimento, elabore planos insondáveis.

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16. Se você for indulgente, mas inábil para validar sua autoridade; bondoso, mas impotente para fazer valer os seus comandos; e incapaz, além disso, de lidar com a desordem, seus soldados podem ser comparados à crianças mimadas e serão inúteis para qualquer finalidade prática.

17. Quando o general é fraco e sem autoridade; quando suas ordens não são claras e coesas; quando não existem regras fixas aos seus oficiais e quando as fileiras de homens são formadas de forma casual e desleixada, a consequência é a total desorganização.

18. Quando os soldados comuns são demasiadamente fortes e os seus oficiais superiores muitos fracos, o resultado é insubordinação. Quando os oficiais superiores são muito fortes e os soldados comuns fracos demais, o resultado é colapso. Quando os oficiais superiores estão com raiva, insubordinados e atendem à batalha contra o inimigo por sua própria conta e risco a partir de um sentimento de ressentimento, antes que o comandante-chefe diga se estão ou não em condições de lutar, o resultado inevitável é ruína.

19. Existem cinco fatores que permitem que se preveja qual dos oponentes sairá vencedor: aquele que sabe quando deve ou não lutar; aquele que sabe como adotar a arte militar apropriada de acordo com a superioridade ou inferioridade de suas forças frente ao inimigo; aquele que sabe como manter seus superiores e subordinados unidos de acordo com suas propostas; aquele que está bem preparado e enfrenta um inimigo desprevenido e aquele que é um general sábio e capaz, em cujas decisões o soberano não interfere.

20. Dos cinco elementos, nenhum é predominante; das quatro estações nenhuma dura para sempre; os dias, uns são longos, outros curtos; a Lua enche e míngua. Também são assim os períodos de uma guerra.

21. A água não tem forma constante. Na guerra também não há condições constantes. Por isso, é divino aquele que obtém uma vitória alterando as suas táticas em conformidade com a situação do inimigo.

22. Se o seu oponente é de temperamento colérico, procure irritá-lo. Finja ser fraco, que ele vai se mostrar arrogante, e vulnerável.

23. Há estradas que não devem ser seguidas, exércitos que não devem ser atacados, cidades que não devem ser sitiadas, posições que não devem ser contestadas e comandos do soberano que não devem ser obedecidos.

24. O estrategista hábil é comparado a uma serpente encontrada nas montanhas. Ataque a cabeça e você será atacado por sua cauda; ataque a cauda e será atacado pela cabeça; ataque o meio e será atacado por ambos.

25. Não basta fazer algo pelo simples bem de algo: certifique-se de que isso o ajude. Se é para a sua vantagem, faça um movimento para frente; se não, fique onde está.

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26. Não devemos fazer alianças com aqueles que estão familiarizados com nossos métodos.

27. Não há mais de cinco notas musicais, mas as combinações destas cinco originam mais melodias do que pode ser ouvido. Não há mais de cinco cores primárias, mas em combinação elas produzem mais cores do que pode ser visto. Há não mais de cinco gostos palatáveis, ainda que suas combinações produzam mais sabores do que pode ser provado.

28. Seremos incapazes de transformar vantagens naturais para uso a menos que façamos uso de guias locais.

29. O governante esclarecido estabelece planos a seguir, e o bom general cultiva seus recursos.

30. Em caso de perturbação no acampamento, a autoridade do general se mostra fraca. Se as faixas e bandeiras são deslocadas, sedição está acontecendo. Quando servos e ajudantes estão com raiva, isso significa que os soldados estão cansados.

31. O general habilidoso conduz seu exército apenas como se estivesse levando um único homem, quer queira quer não, pela mão. Tal general também deve conceder recompensas sem precisar se pronunciar, e emitir ordens sem levar em conta os anteriores acordos.

32. O verdadeiro método, quando se tem homens sob as nossas ordens, consiste em utilizar o avaro e o tolo, o sábio e o corajoso, e em dar a cada um a responsabilidade adequada.

33. A habilidade de alcançar a vitória mudando e adaptando-se de acordo com o inimigo é chamada de genialidade.

34. As oportunidades multiplicam-se à medida que são agarradas.

35. Não estamos preparados para lidar com um exército em marcha a não ser que estejamos familiarizados com a geografia do local; suas montanhas e florestas, armadilhas e precipícios, pântanos e brejos.

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36. Seja sutil. Use seus espiões para cada tipo de negócio. Mas veja, tais espiões não podem ser geridos sem benevolência e frontalidade, pois sem ingenuidade mental não se pode ter certeza da veracidade de seus relatórios.

37. Compare prudentemente o exército inimigo com o seu próprio, de modo que você possa saber onde a força é superabundante e onde é deficiente.

38. Não ataque alguém só por estar magoado. Um general não deve colocar suas tropas em campo apenas para satisfazer seu próprio esplendor.

39. Um bom comandante é benevolente e despreocupado com a fama.

40. A qualidade da decisão é como a rusga de um falcão que lhe permite atacar e destruir sua vítima.

41. No meio do caos há sempre uma oportunidade.

42. Energia é o que tensiona o arco, decisão é o que solta a flecha.

43. Comandar muitos é o mesmo que comandar poucos. Tudo é uma questão de organização.

44. A arte da guerra nos ensina a não confiar na probabilidade de o inimigo não estar vindo, mas sim na nossa própria prontidão para recebê-lo; não sobre a possibilidade de ser atacado, mas sim no fato de que fizemos a nossa posição inatacável.

45. Velocidade é a essência da guerra. Tire proveito do despreparo do seu inimigo, transforme seu caminho em rotas desesperadas e ataque nos sinais de descuido.

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46. Para conhecer o seu inimigo você deve tornar-se seu inimigo.

47. O medo é o verdadeiro e único inimigo.

48. Lembre-se: você é seu próprio general. Então, tome agora a iniciativa, planeje e marche decidido para a vitória.

49. Para cada vitória sofremos uma derrota.

50. A estratégia sem tática é o caminho mais lento para a vitória. Tática sem estratégia é o ruído antes da derrota.

51. A vantagem estratégica desenvolvida por bons guerreiros é como o movimento de uma pedra rolando por uma montanha com 500 metros de altura. A força necessária é insignificante; o resultado, espetacular.

52. Se numericamente és mais fraco, procura a retirada.

53. Um general não deve empreender uma guerra num ataque de ira; nem deve enviar suas tropas num momento de indignação. Entenda que um homem que está enfurecido voltará a ser feliz, e aquele que está indignado voltará a ser honrado, mas um Estado que pereceu nunca poderá ser reavivado, nem um homem que morreu poderá ser ressuscitado.

54. Deixe seus planos serem escuros e impenetráveis ​​como a noite, e quando você se mover, caia como um raio.

55. Quando cercar o inimigo, deixe uma saída para ele, caso contrário, ele lutará até a morte.

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56. Não é preciso ter olhos abertos para ver o sol, nem ter ouvidos afiados para ouvir o trovão. Para ser vitorioso você deve ver o que não está visível.

57. Se quisermos que a glória e o sucesso acompanhem nossas armas, jamais devemos perder de vista os seguintes fatores: a doutrina, o tempo, o espaço, o comando, a disciplina.

58. Se não é vantajoso, nunca envie suas tropas; se não lhe rende ganhos, nunca utilize seus homens; se não é uma situação perigosa, nunca lute uma batalha precipitada.

59. A água escolhe o seu percurso de acordo com o terreno que atravessa. O guerreiro busca a vitória de acordo com o inimigo que enfrenta.

60. Concentre-se nos pontos fortes, reconheça as fraquezas, agarre as oportunidades e proteja-se contra as ameaças.

61. Derrotar o inimigo em cem batalhas não é a excelência suprema; a excelência suprema consiste em vencer o inimigo sem ser preciso lutar.

62. Não há exemplos de uma nação beneficiando-se da guerra prolongada.

63. Só mudando a si mesmo o homem pode mudar o que está a sua volta. Se o pensamento não muda, o que vemos é o que temos visto pelo mundo afora: um Império substituindo ao outro, e um opressor sentando no trono sangrento de outro opressor. Enquanto o homem não muda a si mesmo, o que vemos é apenas escuridão e ranger de dentes.

64. Evitar guerras é muito mais gratificante do que vencer mil batalhas.

65. A vitória é o principal objetivo na guerra, mas o verdadeiro propósito da guerra é a paz.

quinta-feira, 29 de setembro de 2016

Governo Temer corta a verba para as páginas petistas, os chamados “blogs sujos”

Essas páginas, fartamente financiada com dinheiro do contribuinte, serviam e servem ainda como plataformas para espalhar difamações e achincalhes na esgotosfera.


O governo Temer, numa atitude obviamente correta, suspendeu o repasse de dinheiro público a 13 blogs ou sites que, atenção!, não devem ser caracterizados apenas como pró-PT. A coisa é pior. Já chego lá. São eles: Brasil 247, Carta Maior, Conversa Afiada, Diário do Centro do Mundo, Site Jornal GGN (Blog do Luís Nassif), Portal Fórum, Opera Mundi, Brasil Econômico, O Cafezinho, Portal Fórum, Sidney Rezende, Viomundo e Brasil de Fato.
Atenção! De janeiro a dezembro de 2015, informa a Folha, essas páginas haviam recebido do governo e de estatais R$ 5,1 milhões. Entre janeiro e junho de 2016, o valor caiu para R$ 1,54 milhão. Após esse período, a fonte secou. Gente como Luiz Nassif chama isso, ora vejam!, de “censura”. Como? Quer dizer que, se um veículo não recebe verba oficial, está sendo censurado? O que foi feito da boa e velha iniciativa privada?
Censura uma ova! O problema dessas páginas — e isso ficou claro num documento que vazou da Secom, ainda no primeiro governo Dilma — é que não eram usadas apenas para, vá lá, defender pontos de vista do PT e do governo. No mais das vezes, serviam e servem também à difamação daqueles que o partido considera “inimigos”. E isso não exclui ninguém: políticos, juízes, jornalistas, empresários… Enfim: o PT define o alvo, o governo dá (ou dava) a grana, e a turma dispara.
Informa a Folha:
“Na lista estão o Blog do Luís Nassif (R$ 746 mil), o Brasil 247 (R$ 732 mil), o Diário do Centro do Mundo (R$ 194 mil) e o Conversa Afiada (R$ 333 mil), do jornalista Paulo Henrique Amorim. Os valores totais podem ser maiores, pois a Petrobras e a Caixa não forneceram os números divididos por recebedor, apenas o total. O Banco do Brasil, por exemplo, pagou R$ 500 mil ao Blog do Nassif em 2015 e R$ 113 mil de janeiro a maio deste ano. Para o Brasil 247, foram R$ 491 mil no ano passado e mais R$ 120 mil nos cinco primeiros meses de 2016. O Conversa Afiada recebeu R$ 199 mil em 2015 e R$ 44 mil neste ano.”
Essa gente toda tenha a opinião que quiser. Eu tenho. Ocorre que ninguém me pagava antes para atacar os petistas, quando eles eram poder, nem me paga agora para fazer o mesmo, quando são oposição. Ou, então, para defender o governo Temer.
Se sites e blogs querem ser extensões de um partido político, que, então, sejam. Mas não à custa do dinheiro do contribuinte. De resto, no mais das vezes, essas páginas funcionavam, e ainda funcionam — dado que os governos petistas ainda balançam o berço de muitas delas —, como meras plataformas para espalhar difamações e achincalhes na esgotosfera.
E o fazem sem puder, sem limites, sem vergonha.
Há muitos anos este blog denuncia essa prática. Eis a verdade traduzida em números. Ademais, a máquina petista, incluindo os sindicatos, central, ONGs, prefeituras e governos de Estado, é gigantesca. Certamente os blogs sujos sobreviverão, fazendo o “trabalho” de sempre, sem o dinheiro federal. Deve ser uma experiência estranha não precisar nem de leitores.

quarta-feira, 28 de setembro de 2016

Sobre os perigos da leitura - Rubem Alves

Sobre os perigos da leitura

Nos tempos em que eu era professor da UNICAMP fui designado presidente da comissão encarregada da seleção dos candidatos ao doutoramento, o que é um sofrimento. Dizer “esse entra”, “esse não entra” é uma responsabilidade dolorida da qual não se sai sem sentimentos de culpa. Como, em vinte minutos de conversa, decidir sobre a vida de uma pessoa amedrontada? Mas não havia alternativas. Essa era a regra.
Os candidatos amontoavam-se no corredor  recordando o que haviam lido da imensa lista de livros cuja leitura era exigida. Aí tive uma idéia que julguei brilhante.
Combinei com os meus colegas que faríamos a todos os candidatos uma única pergunta, a mesma pergunta. Assim, quando o candidato entrava trêmulo e se esforçando por parecer confiante, eu lhe fazia a pergunta, a mais deliciosa de todas: “Fale-nos sobre aquilo que você gostaria de falar!” Pois é claro! Não nos interessávamos por aquilo que ele havia memorizado dos livros. Muitos idiotas têm boa memória. Interessávamos por aquilo que ele pensava.
Poderia falar sobre o que quisesse, desde que fosse aquilo sobre que gostaria de falar. Procurávamos as idéias que corriam no seu sangue!  Mas a reação dos candidatos não foi a esperada. Foi o oposto. Pânico. Foi como se esse campo, aquilo sobre que eles gostariam de falar, lhes fosse totalmente desconhecido, um vazio imenso. Papaguear os pensamentos dos outros, tudo bem. Para isso eles haviam sido treinados durante toda a sua carreira escolar, a partir da infância. Mas falar sobre os próprios pensamentos – ah! isso não lhes tinha sido ensinado.
Na verdade nunca lhes havia passado pela cabeça que alguém pudesse se interessar por aquilo que estavam pensando. Nunca lhes havia passado pela cabeça que os seus pensamentos pudessem ser importantes. Uma candidata teve um surto e começou a papaguear compulsivamente a teoria de um autor marxista. Acho que ela pensou que aquela pergunta não era para valer.
Não era possível que estivéssemos falando a sério. Deveria  ser uma dessas “pegadinhas” sádicas cujo objetivo e confundir o candidato. Por vias das dúvidas ela optou pelo caminho tradicional e tratou de demonstrar que ela havia lido a bibliografia. Aí eu a interrompi e lhe disse: “ Eu já li esse livro. Eu sei o que está escrito nele. E você está repetindo direitinho. Mas nós não queremos ouvir o que já sabemos. Queremos ouvir o que não sabemos. Queremos que você nos conte o que você está pensando, os pensamentos que a ocupam…” Ela não conseguiu. O excesso de leitura a havia feito esquecer e desaprender a arte de pensar.
Parece que esse processo de destruição do pensamento individual é uma consequência natural das nossas práticas educativas. Quanto mais se é obrigado a ler, menos se pensa. Schopenhauer tomou consciência disso e o disse de maneira muito simples em alguns textos sobre livros e leitura. O que se toma por óbvio e evidente é que o pensamento está diretamente ligado ao número de livros lidos. Tanto assim que se criaram técnicas de leitura dinâmica que permitem que se leia “Grande Sertão – Veredas” em pouco mais de três horas.
Ler dinamicamente, como se sabe, é essencial para se preparar para o vestibular e para fazer os clássicos “fichamentos” exigidos pelos professores. Schopenhauer pensa o contrário: “ É por isso que, no que se refere a nossas leituras, a arte de não ler é sumamente importante.” Isso contraria tudo o que se tem como verdadeiro e é preciso seguir o seu pensamento. Diz ele: “Quando lemos, outra pessoa pensa por nós: só repetimos o seu processo mental.”
Quanto a isso, não há dúvidas: se pensamos os nossos pensamentos enquanto lemos, na verdade não lemos. Nossa atenção não está no texto. Ele continua: “Durante a leitura nossa cabeça é apenas o campo de batalha de pensamentos alheios. Quando esses, finalmente, se retiram, o que resta? Daí se segue que aquele que lê muito e quase o diz inteiro … perde, paulatinamente, a capacidade de pensar por conta própria… Este, no entanto, é o caso de muitos eruditos: leram até ficar estúpidos. Porque a leitura contínua, retomada a todo instante, paralisa o espírito ainda mais que um trabalho manual contínuo…”
Nietzsche pensava o mesmo e chegou a afirmar que, nos seus dias, os eruditos só faziam uma coisa: passar as páginas dos livros. E com isso haviam perdido a capacidade de pensar por si mesmos. “Se não estão virando as páginas de um livro eles não conseguem pensar. Sempre que se dizem pensando eles estão, na realidade, simplesmente respondendo a um estímulo, – o pensamento que leram… Na verdade eles não pensam; eles reagem. (…) Vi isso com meus próprios olhos: pessoas bem dotadas que, aos trinta anos, haviam se arruinado de tanto ler. De manhã cedo, quando o dia nasce, quando tudo está nascendo – ler um livro é simplesmente algo depravado…”
E, no entanto, eu me daria por feliz se as nossas escolas ensinassem uma única coisa: o prazer de ler! Sobre isso falaremos…
*Rubem Alves

A Solidão Amiga - Rubem Alves

A solidão amiga

A noite chegou, o trabalho acabou, é hora de voltar para casa. Lar, doce lar? Mas a casa está escura, a televisão apagada e tudo é silêncio. Ninguém para abrir a porta, ninguém à espera. Você está só. Vem a tristeza da solidão... O que mais você deseja é não estar em solidão...

Mas deixa que eu lhe diga: sua tristeza não vem da solidão. Vem das fantasias que surgem na solidão. Lembro-me de um jovem que amava a solidão: ficar sozinho, ler, ouvir, música... Assim, aos sábados, ele se preparava para uma noite de solidão feliz. Mas bastava que ele se assentasse para que as fantasias surgissem. Cenas. De um lado, amigos em festas felizes, em meio ao falatório, os risos, a cervejinha. Aí a cena se alterava: ele, sozinho naquela sala. Com certeza ninguém estava se lembrando dele. Naquela festa feliz, quem se lembraria dele? E aí a tristeza entrava e ele não mais podia curtir a sua amiga solidão. O remédio era sair, encontrar-se com a turma para encontrar a alegria da festa. Vestia-se, saía, ia para a festa... Mas na festa ele percebia que festas reais não são iguais às festas imaginadas. Era um desencontro, uma impossibilidade de compartilhar as coisas da sua solidão... A noite estava perdida.

Faço-lhe uma sugestão: leia o livro A chama de uma vela, de Bachelard. É um dos livros mais solitários e mais bonitos que jamais li. A chama de uma vela, por oposição às luzes das lâmpadas elétricas, é sempre solitária. A chama de uma vela cria, ao seu redor, um círculo de claridade mansa que se perde nas sombras. Bachelard medita diante da chama solitária de uma vela. Ao seu redor, as sombras e o silêncio. Nenhum falatório bobo ou riso fácil para perturbar a verdade da sua alma. Lendo o livro solitário de Bachelard eu encontrei comunhão. Sempre encontro comunhão quando o leio. As grandes comunhões não acontecem em meio aos risos da festa. Elas acontecem, paradoxalmente, na ausência do outro. Quem ama sabe disso. É precisamente na ausência que a proximidade é maior. Bachelard, ausente: eu o abracei agradecido por ele assim me entender tão bem. Como ele observa, "parece que há em nós cantos sombrios que toleram apenas uma luz bruxoleante. Um coração sensível gosta de valores frágeis". A vela solitária de Bachelard iluminou meus cantos sombrios, fez-me ver os objetos que se escondem quando há mais gente na cena. E ele faz uma pergunta que julgo fundamental e que proponho a você, como motivo de meditação: "Como se comporta a Sua Solidão?" Minha solidão? Há uma solidão que é minha, diferente das solidões dos outros? A solidão se comporta? Se a minha solidão se comporta, ela não é apenas uma realidade bruta e morta. Ela tem vida.

Entre as muitas coisas profundas que Sartre disse, essa é a que mais amo: "Não importa o que fizeram com você. O que importa é o que você faz com aquilo que fizeram com você." Pare. Leia de novo. E pense. Você lamenta essa maldade que a vida está fazendo com você, a solidão. Se Sartre está certo, essa maldade pode ser o lugar onde você vai plantar o seu jardim.

Como é que a sua solidão se comporta? Ou, talvez, dando um giro na pergunta: Como você se comporta com a sua solidão? O que é que você está fazendo com a sua solidão? Quando você a lamenta, você está dizendo que gostaria de se livrar dela, que ela é um sofrimento, uma doença, uma inimiga... Aprenda isso: as coisas são os nomes que lhe damos. Se chamo minha solidão de inimiga, ela será minha inimiga. Mas será possível chamá-la de amiga? Drummond acha que sim: "Por muito tempo achei que a ausência é falta./ E lastimava, ignorante, a falta./ Hoje não a lastimo./ Não há falta na ausência. A ausência é um estar em mim./ E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,/ que rio e danço e invento exclamações alegres,/ porque a ausência, essa ausência assimilada,/ ninguém a rouba mais de mim.!"

Nietzsche também tinha a solidão como sua companheira. Sozinho, doente, tinha enxaquecas terríveis que duravam três dias e o deixavam cego. Ele tirava suas alegrias de longas caminhadas pelas montanhas, da música e de uns poucos livros que ele amava. Eis aí três companheiras maravilhosas! Vejo, frequentemente, pessoas que caminham por razões da saúde. Incapazes de caminhar sozinhas, vão aos pares, aos bandos. E vão falando, falando, sem ver o mundo maravilhoso que as cerca. Falam porque não suportariam caminhar sozinhas. E, por isso mesmo, perdem a maior alegria das caminhadas, que é a alegria de estar em comunhão com a natureza. Elas não vêem as árvores, nem as flores, nem as nuvens e nem sentem o vento. Que troca infeliz! Trocam as vozes do silêncio pelo falatório vulgar. Se estivessem a sós com a natureza, em silêncio, sua solidão tornaria possível que elas ouvissem o que a natureza tem a dizer. O estar juntos não quer dizer comunhão. O estar juntos, frequentemente, é uma forma terrível de solidão, um artifício para evitar o contato conosco mesmos. Sartre chegou ao ponto de dizer que "o inferno é o outro." Sobre isso, quem sabe, conversaremos outro dia... Mas, voltando a Nietzsche, eis o que ele escreveu sobre a sua solidão:

"Ó solidão! Solidão, meu lar!... Tua voz - ela me fala com ternura e felicidade!

Não discutimos, não queixamos e muitas vezes caminhamos juntos através de portas abertas.

Pois onde quer que estás, ali as coisas são abertas e luminosas. E até mesmo as horas caminham com pés saltitantes.

Ali as palavras e os tempos/poemas de todo o ser se abrem diante de mim. Ali todo ser deseja transformar-se em palavra, e toda mudança pede para aprender de mim a falar."

E o Vinícius? Você se lembra do seu poema O operário em construção? Vivia o operário em meio a muita gente, trabalhando, falando. E enquanto ele trabalhava e falava ele nada via, nada compreendia. Mas aconteceu que, "certo dia, à mesa, ao cortar o pão, o operário foi tomado de uma súbita emoção ao constatar assombrado que tudo naquela casa - garrafa, prato, facão - era ele que os fazia, ele, um humilde operário, um operário em construção (...) Ah! Homens de pensamento, não sabereis nunca o quando aquele humilde operário soube naquele momento! Naquela casa vazia que ele mesmo levantara, um mundo novo nascia de que nem sequer suspeitava. O operário emocionado olhou sua própria mão, sua rude mão de operário, e olhando bem para ela teve um segundo a impressão de que não havia no mundo coisa que fosse mais bela. Foi dentro da compreensão desse instante solitário que, tal sua construção, cresceu também o operário. (...) E o operário adquiriu uma nova dimensão: a dimensão da poesia."

Rainer Maria Rilke, um dos poetas mais solitários e densos que conheço, disse o seguinte: "As obras de arte são de uma solidão infinita." É na solidão que elas são geradas. Foi na casa vazia, num momento solitário, que o operário viu o mundo pela primeira vez e se transformou em poeta.

E me lembro também de Cecília Meireles, tão lindamente descrita por Drummond:

"...Não me parecia criatura inquestionavelmente real; e por mais que aferisse os traços positivos de sua presença entre nós, marcada por gestos de cortesia e sociabilidade, restava-me a impressão de que ela não estava onde nós a víamos... Distância, exílio e viagem transpareciam no seu sorriso benevolente? Por onde erraria a verdadeira Cecília..."

Sim, lá estava ela delicadamente entre os outros, participando de um jogo de relações gregárias que a delicadeza a obrigava a jogar. Mas a verdadeira Cecília estava longe, muito longe, num lugar onde ela estava irremediavelmente sozinha.

O primeiro filósofo que li, o dinamarquês Soeren Kiekeggard, um solitário que me faz companhia até hoje, observou que o início da infelicidade humana se encontra na comparação. Experimentei isso em minha própria carne. Foi quando eu, menino caipira de uma cidadezinha do interior de Minas, me mudei para o Rio de Janeiro, que conheci a infelicidade. Comparei-me com eles: cariocas, espertos, bem falantes, ricos. Eu diferente, sotaque ridículo, gaguejando de vergonha, pobre: entre eles eu não passava de um patinho feio que os outros se compraziam em bicar. Nunca fui convidado a ir à casa de qualquer um deles. Nunca convidei nenhum deles a ir à minha casa. Eu não me atreveria. Conheci, então, a solidão. A solidão de ser diferente. E sofri muito. E nem sequer me atrevi a compartilhar com meus pais esse meu sofrimento. Seria inútil. Eles não compreenderiam. E mesmo que compreendessem, eles nada podiam fazer. Assim, tive de sofrer a minha solidão duas vezes sozinho. Mas foi nela que se formou aquele que sou hoje. As caminhadas pelo deserto me fizeram forte. Aprendi a cuidar de mim mesmo. E aprendi a buscar as coisas que, para mim, solitário, faziam sentido. Como, por exemplo, a música clássica, a beleza que torna alegre a minha solidão...

A sua infelicidade com a solidão: não se deriva ela, em parte, das comparações? Você compara a cena de você, só, na casa vazia, com a cena (fantasiada ) dos outros, em celebrações cheias de risos... Essa comparação é destrutiva porque nasce da inveja. Sofra a dor real da solidão porque a solidão dói. Dói uma dor da qual pode nascer a beleza. Mas não sofra a dor da comparação. Ela não é verdadeira.

Mas essa conversa não acabou: vou falar depois sobre os companheiros que fazem minha solidão feliz.

Rubem Alves

quinta-feira, 22 de setembro de 2016

Editorial do Estadão: O fim da farra na Petrobras

Espera-se que a direção da estatal deixe claro que a época da administração companheira, responsável por permitir a pilhagem da empresa, acabou de vez

O desastre administrativo da Petrobrás permitiu ao País constatar o mal que faz submeter a gestão das estatais à patota sindical. Felizmente, a nova direção da empresa tomou coragem para retomar o caminho do profissionalismo, ao propor um pacote trabalhista que, na prática, visa a encerrar esse período nefasto em que os servidores da petroleira se tornaram uma casta de privilegiados às expensas do contribuinte.
Conforme noticiou o Estado, a proposta inclui redução de jornada de trabalho e de salário, congelamento do piso salarial e corte de horas extras, do auxílio-alimentação e do subsídio para compra de remédios por funcionários, tudo como parte do ajuste nas depauperadas finanças da estatal e da recuperação de sua capacidade de investimento.
Como era previsível, a proposta encontrou forte resistência dos sindicalistas, cuja presença em diversos cargos de direção, por obra e graça da trevosa era lulopetista, é um dos elementos que explicam por que a estatal chegou ao estágio de degradação em que se encontra. Dizendo-se defensora da empresa contra o “imperialismo” e contra o “neoliberalismo”, a companheirada esmerou-se em criar e ampliar mimos para os funcionários, como se esses servidores fossem de uma categoria especial apenas pelo fato de trabalharem na estatal que “traz em sua bandeira verde e amarela a paixão e o orgulho do povo brasileiro”, como qualificou a Federação Única dos Petroleiros (FUP). Ser empregado da Petrobrás, segundo essa turma, não é exercer uma simples ocupação remunerada; é abraçar a nobre missão de proteger a soberania nacional.
Essa patranha foi utilizada na tentativa de justificar barbaridades. Assim, por exemplo, os funcionários que deixaram de trabalhar nas plataformas de petróleo e passaram a despachar nos escritórios no centro do Rio de Janeiro não perderam o extra que recebiam a título de periculosidade – esse dinheiro foi convertido em bônus, graças a um acordo dos sindicatos com os gerentes de recursos humanos e de relações sindicais, não por acaso ex-dirigentes da FUP. Suspeita-se que tal acordo – que, na prática, anula o adicional de periculosidade – tenha sido deliberadamente malfeito pelos gerentes-sindicalistas com o objetivo de deixar brechas para contestações judiciais e uma enxurrada de indenizações, das quais os sindicatos abocanham uma parte.
Vantagens inexplicáveis como essa, que não são encontradas em nenhuma empresa do setor privado, se multiplicam na Petrobrás. Os funcionários dispõem de generosa assistência médica e de ampla participação nos lucros – que foi paga mesmo quando a empresa começou a registrar prejuízo bilionário. Além disso, prevalece o sistema em que funcionários são promovidos apenas em razão do tempo de casa.
É claro que, ao estimular essa esbórnia trabalhista, a tigrada só pensa em arregimentar, entre os felizes e agradecidos empregados da Petrobrás, os contribuintes que sustentarão a máquina sindical. É um círculo vicioso que precisa ser rompido sem hesitação, mesmo diante do desgastante confronto com os sindicatos.
A reação começou entre os próprios funcionários da Petrobrás, cansados do aparelhamento promovido pelo PT, que, entre outros estragos, abriu um rombo no fundo de pensão da estatal. Na mais recente eleição para representante dos funcionários no Conselho de Administração da Petrobrás, saiu vencedora a chapa constituída por engenheiros sem qualquer ligação partidária ou sindical. Até então, essa vaga era ocupada por gente da FUP e da Federação Nacional dos Petroleiros (FNP).
Agora, a nova direção da Petrobrás quer avançar ainda mais no desmonte dessa estrutura perniciosa, restabelecendo a racionalidade no trato com seus funcionários. O melhor sinal de que a Petrobrás está no caminho certo é a reação irada dos sindicatos, que prometeram uma “resposta dura” ao pacote. Espera-se que a direção da estatal deixe claro que a época da administração companheira, responsável por permitir a pilhagem da empresa por aqueles que dizem defendê-la, acabou de vez.


Advogado da Lava-Jato fala em condenação de 70 anos para Lula

Para o MPF, a corrupção é qualificada
Para o MPF, a corrupção é qualificada
Diz advogado que atuou no mensalão e atua na Lava-Jato que, caso Sérgio Moro condene Lula por todas as sete imputações de corrupção e lavagem de dinheiro que constam na denúncia do Ministério Público, o juiz deve dar de 50 a 70 anos de prisão para o ex-presidente.

"O homem que se vende recebe sempre mais do que vale."
*Barão de Itararé


terça-feira, 20 de setembro de 2016

Lula e Macunaíma

Ninguém questiona o fato de o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ser um craque na arte de se comunicar. E, sempre que se vê acuado, ele recorre a esse talento. No entanto, o que se viu na quinta-feira 15, quando Lula chamou a imprensa e um punhado de amigos para se defender das contundentes acusações feitas pelo Ministério Público, foi a atuação de um craque em final de carreira, jogando para uma torcida cada vez menor. Seus dribles são tão repetitivos e previsíveis que já não iludem nenhum zagueiro. Assim como a corrupção manchou para sempre a história do retirante que virou metalúrgico e depois presidente, a persistência no discurso de vítima das elites, nos ataques aos que possuem diplomas de cursos superiores e na tão falsa quanto surrada tese do nós contra eles, faz ruir o mito. O líder que sobre um palanque arrematava multidões e aglutinava em torno de si a esperança de um País melhor e mais ético, hoje é uma caricatura de si mesmo. Na semana passada, ao discursar para uma plateia privada e dócil, Lula era o retrato de Macunaíma, o personagem criado por Mário de Andrade para simbolizar um herói sem caráter, sempre disposto a levar vantagem e a contar histórias que valorizassem seus feitos.
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Foto: Dario Oliveira/Agência O Globo
Lula discursou durante uma hora e oito minutos. Nada disse sobre o propinoduto que saqueou o Brasil e do qual é acusado de comandar e repetiu a tese de que é vítima de perseguição porque em seu governo teria promovido a inclusão social. Lorota! Tentou criar o clima para uma estúpida e fantasiosa cruzada contra o juiz Sérgio Moro e os procuradores da força tarefa da Lava Jato. Gente menor, segundo ele, porque, em vez de disputarem votos, “se formam em uma faculdade, fazem um concurso público e estão com emprego garantido o resto da vida”. A seguir, o ex-presidente conseguiu aprimorar ainda mais o espírito de Macunaíma. Se comparou a Jesus Cristo e a Tiradentes. E, sem nenhum constrangimento, afirmou: “A profissão mais honesta é a do político. Sabe por quê? Porque todo ano, por mais ladrão que ele seja, ele tem que ir para a rua encarar o povo e pedir voto”. Ou seja, não importa se o político tem ou não caráter, se o político tem ou não compromisso com o dinheiro público, se o político é ou não corrupto. Se o desvio de recursos públicos vai ou não tirar os remédios dos postos de saúde. O importante, segundo o ex-presidente, é que o político tenha votos. Pior do que ouvir isso é constatar que há, ainda, quem seja capaz de aplaudir fala tão patética.
Mas, mostrando que realmente lhe resta qualquer pudor, o ex-presidente tratou os profissionais da Lava Jato como analfabetos políticos” e acabou justificando o Mensalão e o Petrolão. “Vocês sabem que muita gente que tem diploma universitário, que fez concurso, é analfabeto político”, afirmou. “O cara não entende do mundo da política. Não tem noção do que é um partido ser eleito com 50 deputados e tem que montar maioria”. Ou seja, tão lícito quanto costurar alianças políticas em torno de um programa que busque convergências é a compra do apoio parlamentar, baseado em distribuição de propinas para diferentes legendas. Desta vez, o craque em final de carreira fez gol contra.
*Mário Simas Filho


sábado, 17 de setembro de 2016

Valentina de Botas: O país se transforma depois de sentir na carne a desgraça do petismo

À acelerada decrepitude física de Lula parece corresponder o acirramento da alma ególatra cujo dono continua se vendo acima da lei.

Descalça na deslumbrante Mesquita Azul, na Turquia, como cristã que sou, eu reconhecia que aquele santuário não pertence só aos muçulmanos; como realização humana, pertence à civilização. Além de mercados públicos ou feiras, quando viajo sempre visito lugares santos (de templos, sinagogas e mesquitas pela Ásia e África a lindas catedrais como a da Sé e igrejinhas de missionários evangélicos no interior do nordeste). Diante do sagrado, choro sempre. Silencioso, copioso e sereno, meu pranto é gratidão e alegria reverente por simplesmente estar viva; também comoção por aqueles cujo repertório pessoal (de valores, desesperança, experiências, etc.) os impede entender a vida, na insuficiência constitutiva dela, como a oportunidade fugaz de, veja só, viver. Agastada pelas dificuldades cotidianas, me esqueço às vezes de olhar a vida assim, um esquecimento que impossibilita tudo.
Dilma jamais supôs que seria cassada, Cunha nunca acreditou que seria cassado, Lula sequer cogitou que seria pego. Mas sua excelência, o povo, se meteu na história e o fato é que a mulherzinha foi cassada, Cunha foi cassado e Lula, que já não se sentia muito bem, piorou antes que a súcia terminasse de comemorar o fim de Cunha não porque o ex-deputado é um escroque, mas porque é um escroque dissidente. No duelo entre a mulherzinha e o ex-deputado, o Brasil ganhou porque os dois delinquentes romperam a parceria pela qual saquearam o país e voltaram-se um contra o outro. Aos que perderam para o país devastado se arejar, não tenho nada a agradecer; batem o portão fazendo alarde típico dos que se vão tarde sem saber ascender nem decair com dignidade, além dessa ladainha cínica de vítimas perseguidas que se defendem com alguns dos advogados mais caros do país alargando todas as brechas legais inacessíveis à maior parte da população.
Diante do sagrado, o que somos além de nada? Não sei, mas um autor que adoro, o historiador romeno das religiões Mircea Eliade, diz no livro “O sagrado e o profano” que só somos se sairmos do tempo, assim como o sagrado que existe além e aquém do tempo (e por isso é); no tempo – profano por definição –, vamos desaparecendo no terror de existir para desaparecer. Talvez seja na memória ecoando existências que consigamos escapar ao tempo alcançando, mesmo como poeira transitória, certo modo de permanecer. Me achando esvaziada desse nada, tirei da bolsa meu diário de viagem para os apontamentos dispersos neste texto. Queria falar da luz e da cor do dia, das linhas arquitetônicas da Mesquita, das pessoas ali, das feições delas, reações, roupas e idiomas. Na estupidez de eliminar minhas referências, já que me pretendia preenchida do Outro/do sagrado, como se fosse possível compreender isso sem que algo em mim o compreendesse… cara, que viagem!
Mas meta-se a escrever em primeira pessoa e você vai ver só aonde isso te leva: lá dentro da história, porque a sintaxe puxa você, ela se atraca aos teus silêncios, vai abrindo coisas dentro da tua alma e você só vai se tocar de que disse realidades adormecidas quando a paz de pequenas e cotidianas hecatombes adiadas ou consumadas atravessar a tua percepção como a luz num vitral. Anos depois, relendo os apontamentos inconscientemente feitos em primeira pessoa, vi como, achando estar conectada ao sagrado fora de mim, meus registros estavam contaminados das minhas verdades e ficções, estas dando consistência àquelas. Que porcaria: quanto mais você procura fora, mais o fora te devolve a você mesmo. Que maravilha: não vale a pena viajarmos se voltarmos os mesmos; é como se não tivéssemos saído do lugar porque, de fato, não teremos saído do lugar. “Lugar”, por favor, entendido não como ponto geográfico, mas como aquele que delimita um jeito de estar no mundo. “Sair do lugar” é sair de si, dar passagem ao outro, universalizar-se e, então, voltarmos com o que tocamos e nos tocou. Ou seja, transformados. Possibilidade também sem deslocamentos geográficos: sair pelo mundo, sair para dentro de nós mesmos – viagens e viagens – talvez seja esta transformação o que combate o não sentido da vida.
O país se transforma depois de sentir na carne a desgraça do petismo fundado por um metalúrgico que há mais de 30 anos vi subir na carroceria de um caminhão para discursar em favor do povo oprimido nas filas, nas vilas, favelas, erigindo a nefasta figura soteriológica. Dispensável e indesejável ser um salvador, bastaria não ter sido um farsante que, tendo todas as condições como ele teve, modernizasse a nação. Enquanto à acelerada decrepitude física de Lula parece corresponder o acirramento da alma ególatra cujo dono continua se vendo acima da lei, Marcos Valério se transformou: é visível o quebrantamento na viagem interior imposta pela cadeia, o homem apresentou até certa disfunção na fala num depoimento, nesta semana. Isso conquista meu respeito pela dignidade que há na submissão ao que é superior a nós, atitude que sempre nos eleva. Claro que coletivamente o país vive um drama resultante das delinquências de um bando, mas sempre há o indivíduo e a circunstância dele, o olhar dele, a tragédia e a comédia dele – e isso me atrai de forma especial.
Transformação não alcançada pelo ex-deputado cujos planos de chegar à presidência da República se reduziram à expectativa da prisão; ausente na mulherzinha cujas gestão e cassação demoliram os sonhos de hegemonia do PT; inexistente no jeca que substituirá o trono de imperador perpétuo do Brasil pela eventual cadeia por tudo o que fez. Na resposta à coletiva do Ministério Público, cedendo às deformidades da alminha ególatra, Lula atacou FHC só para lembrar que o amor está sujeito a momentos de descuido que lhe podem ser fatais, mas o ódio é incansavelmente zeloso; é fiel na alegria, na tristeza e na proximidade do camburão. A denúncia desta quarta-feira pelo MP Federal e a aclamação do jeca como o chefe da propinocracia o encontram na sepultura política da qual não se erguerá. É nela, mais do que na cadeia, que Lula, transformado no miserável que sempre foi, pagará por seu crime mais grave: tudo o que deixou de fazer pelo país.