quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

Ranking de Competitividade dos Estados: para comparar e cobrar

O novo ranking dos estados mais competitivos do Brasil, aperfeiçoado com a ampliação dos indicadores analisados, mostra o potencial de crescimento e permite a avaliação dos gestores públicos. Os eleitores ganham assim uma ferramenta poderosa para aferir o seu governador

Quais estados brasileiros oferecem as melhores condições para fazer negócios? Quem são os administradores públicos capazes de melhorar, de fato, as condições de vida da população? Buscar respostas objetivas a tais questões é o propósito do Ranking de Competitividade dos Estados, elaborado pelo Centro de Liderança Pública (CLP), em parceria com a consultoria Tendências e com a Economist Intelligence Unit (EIU), a divisão de pesquisas e análises do mesmo grupo que edita a revista inglesaThe Economist. No topo da lista, como em edições anteriores, aparece São Paulo. O estado, em relação ao restante do país, destaca-se pela oferta e pela qualidade de serviços públicos e privados, além da boa infraestrutura. Estados menores, entretanto, obtiveram boas colocações, deixando para trás grandes centros econômicos. São exemplos disso Paraná e Santa Catarina. Ambos alcançaram avaliações positivas em indicadores como solidez das finanças públicas e capacidade de investimento do governo, além de boas condições de desenvolvimento social de seus habitantes. Possuem predicados, portanto, para atrair novos negócios. Não é à toa que alguns dos mais destacados investimentos feitos nos últimos anos ocorreram nessas regiões. O dinheiro busca tranquilidade e certezas.
Ranking dos estados - 2015
(VEJA.com/VEJA)
Fazer rankings pode à primeira vista parecer uma empreitada banal, destinada somente a satisfazer a curiosidade. A comparação, entretanto, quando feita de forma metódica e criteriosa, fornece informações relevantes para avaliar países, estados ou cidades. Para os eleitores, trata-se de uma maneira de aferir a administração pública. Do ponto de vista dos empreendedores, serve de indicativo das potencialidades econômicas de cada região. "O objetivo da lista é gerar um saudável incômodo nos agentes públicos, para que não se acomodem e busquem melhorar os seus resultados", afirma Adriano Pitoli, diretor da área de análise setorial da Tendências e coordenador técnico do estudo. O ranking foi construído com base apenas em informações públicas, divulgadas por fontes oficiais e de referência, e ponderado de acordo com critérios do grupo de pesquisa. Transformar todos os índices em uma só métrica, com intervalo de 0 a 100 pontos, é algo que o estudo fazia desde 2011, quando sua primeira edição foi divulgada. Neste ano a metodologia foi aperfeiçoada. A coleta e a análise dos dados nacionais passaram a ser responsabilidade da consultoria Tendências, enquanto a EIU ficou com a tarefa de prover números de outros países, para fazer comparações internacionais. Até o ano passado, eram analisados 26 indicadores em oito categorias. A análise agora leva em consideração 64 indicadores, em dez pilares: infraestrutura, sustentabilidade social, segurança pública, educação, solidez fiscal, eficiência da máquina pública, capital humano, sustentabilidade ambiental, potencial de mercado e inovação.
Os resultados gerais revelam que a competitividade ainda está concentrada nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste. Contudo a avaliação dos resultados revela surpresas. Em infraestrutura, a Paraíba apareceu no terceiro lugar, à frente de Santa Catarina e Rio de Janeiro. A cobertura da rede elétrica e a qualidade do serviço são destaque tanto no estado paraibano quanto no Ceará e no Maranhão. Roraima e Acre ocupam a quarta e a quinta posições no ranking de segurança pública, com resultados acima da média nacional no número de homicídios em relação à população. Os dados estão disponíveis no site www.rankingdecompetitividade.org.br. Os exemplos mostram que a riqueza (ou a falta dela) não é necessariamente determinante para a boa qualidade do serviço. "Desejamos revelar bons administradores capazes de entregar resultados em diferentes áreas apesar do orçamento limitado", afirma Pitoli.
Os bons e os maus exemplos - 2015
(VEJA.com/VEJA)
Com a mudança metodológica, não é possível comparar os resultados deste ano com os de edições passadas, para avaliar a evolução de cada estado. Mas alguns dados dão algumas pistas sobre o que ocorreu. Maranhão, Mato Grosso do Sul e Paraíba foram os que mais cresceram economicamente nos últimos anos. Nos estados nordestinos, entretanto, não houve avanço expressivo em áreas como saúde e educação. Dos três estados, somente Mato Grosso do Sul se des­tacou no índice que avalia a capacidade de investimento. O desafio, portanto, não é só enriquecer, mas gerir esses recursos de forma eficiente. Pelo estudo fica evidente que mesmo os estados mais bem avaliados estão distantes de países desenvolvidos. Em quase todos os 22 indicadores em que há dados equivalentes, como os de qualidade de rodovias, desigualdade de renda, saneamento e qualificação dos trabalhadores, a média brasileira está longe da obtida pelas nações avançadas. No indicador de coleta de esgoto, por exemplo, o Espírito Santo, o melhor estado brasileiro, não se compara ao México, país com o pior resultado da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). No ranking geral, em uma escala de 0 a 100, o Brasil como um todo teria uma nota 37. Levando-se em conta que o melhor desempenho (o de São Paulo) alcançou 90 pontos e o pior (o de Alagoas), 25, a média brasileira seria de 49.
​​Existe um longo percurso, portanto, a percorrer. "Os indicadores podem parecer positivos para alguns estados, mas, quando olhamos para a perspectiva global, percebe-se que há espaço para incentivar a inovação e alcançar índices superiores", afirma Luana Tavares, diretora executiva do CLP. O desafio aumentará em 2016, com os políticos focados em ações de curto prazo. A recessão profunda, que derrubou as receitas de estados com a cobrança de impostos, é uma agravante. Diz Luana: "Apesar disso, a competitividade tem de ser uma prioridade. Nenhum estado vai prosperar se não encontrar novas formas de desenvolvimento. Sem esse esforço de todas as unidades da federação, o país não terá sustentabilidade estrutural para crescer".

quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

Revista britânica "Economist" prevê um 2016 desastroso para o Brasil

Publicação escolheu a crise no país como tema de sua primeira capa do ano que vem


"Queda do Brasil" é o título da primeira reportagem de capa da revista britânica The Economist em 2016(The Economist/Reprodução)
A foto de uma presidente Dilma Rousseff cabisbaixa e o título "Queda do Brasil" ajudam a compor a primeira capa da revista britânica The Economist de 2016. Na reportagem, a publicação faz um retrospecto das crises econômicas e política que assolam o país e prevê um ano desastroso.
Em vez de um clima de festa que era esperado para o começo do ano, com a proximidade das Olimpíadas, a revista diz que o país encara um "desastre político e econômico". O texto faz menção à perda do grau de investimento pela agência de classificação de risco Fitch e a posterior saída do governo no ministro da Fazenda, Joaquim Levy.
A revista ainda lembra que a previsão é que a economia do país caia entre 2,5% e 3% em 2016 -- não muito diferente do que é esperado para 2015. "Mesmo a Rússia, rica em petróleo, que enfrentou diversas sanções, deve crescer mais", acrescentou.
Na esfera política, a Economist cita o descrédito do governo devido aos desdobramentos da Operação Lava Jato, que tem a Petrobras como principal alvo. Além disso, fala das acusações de que Dilma tentou esconder o tamanho do déficit fiscal do país e o processo de impeachment contra a presidente.
Como a letra "B" dos BRICS, grupo de países emergentes, o Brasil, cita a revista, "supostamente deveria estar na vanguarda do crescimento". No entanto, em vez disso, acrescenta, "enfrenta uma turbulência politica e, talvez, um retorno à inflação galopante". "Somente escolhas difíceis podem colocar o país de volta nos eixos, mas, por enquanto, a presidente Dilma não parece ter estômago para isso", diz.
Economist ainda afirma que a deterioração econômica do país -- e de outros emergentes -- se deve, em parte, à queda dos preço das commodities. "Mas Dilma e o PT pioraram ainda mais a situação", diz. Durante o seu primeiro mandato, de 2011 a 2014, a reportagem lembra que Dilma gastou de forma imprudente e concedeu incentivos fiscais a setores improdutivos. Com isso, o déficit fiscal saltou de 2% do PIB em 2010 para 10% em 2015.
A revista ainda dá um voto de confiança ao novo ministro da Fazenda, Nelson Barbosa. Diz que seu poder de decisão é maior novo cargo, já que tem apoio político do PT. Além disso, tem poder de barganha, porque Dilma "não se dar ao luxo de perder mais um ministro da Fazenda". Segundo o texto,o teste inicial será se Barbosa convencerá o Congresso a aprovar medidas de alta de impostos.
"A esperança é que o Brasil, que alcançou, a duras penas, a estabilidade econômica e política, não se perca em uma má gestão crônica e bagunçada", diz a revista, no último parágrafo.

Sem risco de dar certo” e outras cinco notas de Carlos Brickmann

Publicado na Coluna de Carlos Brickmann

Como na esplêndida saga de Asterix, todo o futuro político do país está sujeito às investigações da Operação Lava Jato. Todo o futuro político do país? Não: um grupo formado por irredutíveis aliados da corrupção ainda resiste aos investigadores. E, como agora, com boas chances de êxito: o truque é secar a verba da Lava Jato. Transportar o japonês, botar o jatinho para voar, alojar e alimentar os presos, tudo é caro. O investimento é rentável, não só pelo combate à corrupção, mas por recuperar dinheiro gatunado. Até novembro, só as delações premiadas tinham rendido R$ 2,5 bilhões ao Tesouro ─ e ainda há muito roubo a repatriar.
Corte-se a verba e a investigação sofre. Para 2016, o governo, com apoio do Congresso ─ onde há tantos investigados ─ cortou R$ 133 milhões do dinheiro previsto para a Federal. Enquanto os recursos caem, a inflação eleva as despesas.
A quem recorrer? Bem, a Polícia Federal é funcionalmente ligada ao Ministério da Justiça, ocupado por José Eduardo Cardozo. Foi para ele que 37 delegados da Federal enviaram uma carta pedindo “menos discursos e mais ações efetivas do Ministério da Justiça”, para impedir que a Polícia Federal “seja alvo de um processo de sucateamento em razão do cumprimento de sua competência constitucional: combater o crime organizado, os crimes decorrentes dos desmandos políticos e econômicos e a corrupção”. Pedir ao governo que não atrapalhe quem o investiga é como solicitar ao sr. lobo que ajude a proteger os cordeiros.
Se até o Mar Vermelho se abriu, como mostrou a Record, por que não outro milagre?
Sem risco… 
Falta dinheiro no Rio para cuidar dos doentes (e, em onze hospitais, até para permitir que sejam admitidos, mesmo para deixá-los no chão dos corredores). O salário dos professores da rede estadual está atrasado; nas escolas falta merenda.
Mas não falta quem aproveite a confusão para cuidar do seu. De gente que já ganha melhor (http://www.chumbogordo.com.br/4155-a-justica-da-justica/) até empresas cujos pedidos financeiros são bem vistos pelo governo do Estado. Neste finzinho de ano, todo mundo meio desatento, o governador Luiz Fernando Pezão, do PMDB, concedeu subsídio de R$ 39 milhões à Supervia, empresa do grupo Odebrecht que explora os trens urbanos, para ajudá-la a pagar a conta de eletricidade. Explicação: o aumento nas tarifas foi superior ao previsto e afetou o lucro da empresa. É verdade: desta empresa e de todas as outras (e de todos os consumidores,inclusive o caro leitor).
Por que só a Supervia é beneficiada?
…de dar certo
Falta dinheiro no Rio para o 13º, e o governador sugeriu (não foi de brincadeira) que os funcionários peçam no banco um empréstimo pessoal. Promete que, no vencimento, o governo paga tudo. O pagamento será feito pelo Saci.
A pagadora oficial, a Mula-Sem-Cabeça, não pode ajudar. Está ocupada em Brasília.
Sem risco de dar… 
O Tribunal de Justiça da Bahia informou oficialmente que não vai pagar seus funcionários neste mês “por falta de repasse de verbas” do Executivo. De acordo com a nota, o TJ baiano tomou medidas “austeras e eficazes” para reduzir suas despesas. Se é nota oficial, do próprio Tribunal, só pode ser verdade. Mas é verdade que havia algum ainda, que foi usado para pagar as férias dos juízes aposentados. Como? Se são aposentados, como têm férias? Têm ─ e duas por ano, em julho e em dezembro, juntamente com os magistrados na ativa.
Não se espante: como dizia um eminente político baiano, Octavio Mangabeira, governador do Estado, “pense num absurdo. Na Bahia tem precedente”.
Sem risco de…
Insatisfeito com os partidos que existem por aí? Pois há um grupo, liderado pela ex-ministra e ex-prefeita de São Paulo Luiza Erundina, que estuda a formação de um novo partido, o Raiz, que mistura um pouco da Rede, um pouco do discurso dilmês de Dilma e uma boa pitada de exotismo próprio. O setor de Comunicação do grupo, por exemplo, chama-se “Polinização”. A Organização, “Colmeia”. Na Articulação, ao lado de Luiza Erundina, está Célio Turino, que foi porta-voz da Rede de Marina Silva. Segundo disse Turino ao Estadão, a estrutura do Raiz e da Rede é idêntica. Explicou, em dilmês dos mais castiços: “Teremos uma forma circular e horizontal de funcionamento”.
…dar certo
Um pouco sobre o Raiz ─ Movimento Cidadanista, de acordo com ele mesmo: “Bem vindx a Teia Digital da Raiz ─ Movimento Cidadanista” (o “x” é para indicar que pode ser bem vindo ou bem vinda). “Este grupo se destina a discussões e colaborações entre os membros a fim de estabelecer parâmetros e critérios para fundar um partido-movimento alinhado com o manifesto da Carta Cidadanista”.
Fala-se de uma Teia Plenária Nacional realizada em 5 de setembro e indica-se o caminho para quem quiser participar do movimento: deve-se preencher o formulário do cadastro, clicando em http://www.raiz.org.br/cadastro-para-colaborador-e-filiado/. Colmeia, polinização, teia, isso lembra Marina. E, lembrando Dilma, além do discurso há o nome do movimento: Raiz.
Eles também saúdam a raiz-mandioca.

segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

A cabeça de Moro, capítulo III: De 2013 até hoje

O mundo discreto do Juiz Sergio Fernando Moro começou a virar pelo avesso em 11 de julho de 2013, quando ele, instalado em seu gabinete em Curitiba, autorizou a polícia federal a fazer “escuta telefônica e telemática” contra um obscuro doleiro


Sérgio Moro durante evento realizado pela revista The Economist no Hotel Grand Hyatt em São Paulo
Moro acha que, em geral, os magistrados não gostam de colegas que falam demais fora dos autos. Mas, nem por isso, ele fala apenas nos autos. Já se envolveu em movimento contra a corrupção no Paraná e, recentemente, propôs um projeto de lei prevendo a execução da pena após confirmação da sentença em segunda instância.(Vanessa Carvalho/Folhapress)
Moro chegou ao terceiro momento da carreira naquela quinta-feira, 11 de julho de 2013, em que autorizou a escuta contra o doleiro Alberto Yousseff. Dali em diante, apesar do desmembramento das denúncias na Lava-Jato, suas sentenças ficaram bem mais extensas - em média, 31 páginas, contra doze anteriormente - e sua indignação cresceu. As sentenças viraram como que tribunas. Passaram a distribuir recados e explicações sobre as controvérsias mais agudas a respeito de sua atuação: delação premiada, prisão preventiva, artigo publicado em jornal ou até mesmo um discurso que fez ao receber um prêmio do jornal O Globo. A defesa de um réu deturpara seu discurso ao afirmar que, ao falar, havia antecipado seu voto. Na sentença, de agosto passado, Moro se dá ao trabalho de corrigir: "Explicitamente, afirmei na ocasião que julgaria segundo a lei e as provas do processo, resguardando o direito dos acusados".
Além da delação premiada, o aspecto mais controvertido de sua atuação é, sem dúvida, a decretação de prisões preventivas. Advogados acusam-no de carcereiro. Até dois ministros do Supremo Tribunal Federal, Celso de Mello e Marco Aurélio Mello, chegaram a escrever artigos em que condenam a sucessão de prisões preventivas. Moro se defende, sentença após sentença, usando o copia e cola de um trecho em que diz o seguinte: "Se a corrupção é sistêmica e profunda, impõe-se a prisão preventiva para debelá-la, sob pena de agravamento progressivo do quadro criminoso". O fato é que o ano termina com o grosso de suas prisões preventivas ratificado nas instâncias superiores da Justiça.
As mais poderosas bancas de advogados têm lutado com fervor e verve contra Moro. No país da impunidade, os advogados chegam a falar de "ciclo de punitivismo". Acusam-no de ser parcial. De fazer "pedaladas jurídicas". De prender suspeitos para arrancar delações. De odiar os advogados, ele que é casado com uma advogada. Com ironia, um deles diz que os julgamentos de Moro têm uma base jurídica toda própria, o "Código de Processo Penal de Curitiba". Mas, apesar das críticas, de cada 100 recursos impetrados por advogados de acusados na Lava-­Jato contra decisões de Moro, 97 têm sido derrotados. É um placar brutal.
Aos que o acusam de concentrar culpas nos empreiteiros, aliviando a barra dos agentes públicos, Moro rebate lembrando as preventivas que decretou contra ex-diretores da Petrobras e ex-deputados. No mesmo contexto, ao falar do papel do Estado na economia, sustenta: "A responsabilização de agentes públicos ou privados culpados por corrupção favorece tanto o Estado como o mercado, sem nenhuma distinção".
A responsabilidade dos empresários, diz Moro, está demonstrada "com muita singeleza". No caso da Mendes Júnior, por exemplo, a empreiteira alegou que não corrompeu ninguém e só pagou propina porque foi extorquida. Moro não deixou passar: "Quem é extorquido procura a polícia, e não o mundo das sombras". Lembrou que, mesmo depois da saída da Petrobras do agente público que estaria extorquindo, a empresa continuou pagando-lhe as parcelas que faltavam da propina. De novo, Moro cravou: "Quem é vítima de extorsão não honra compromissos de pagamento com o algoz". Por fim, transcreveu trecho do interrogatório do empresário Julio Camargo, que fez delação premiada. Indagado por que nenhum empreiteiro denunciou a extorsão, Camargo respondeu:
- Ah, doutor, porque na verdade o mercado em geral estava contente, satisfeito com aquilo que estava acontecendo. (...) Então, vai denunciar para quê?
Foi essa a explicação que Moro considerou ter sido dada "com muita singeleza".
Apesar das frequentes menções de Moro à Operação Mãos Limpas, faxina anticorrupção da Itália nos anos 90, a fonte mais farta de sua inspiração jurídica é a Justiça americana. Nela, admira sobretudo a eficácia: julga, condena e prende. Ou absolve. Sem delongas, preliminares infindáveis, cascatas de recursos. Nas palestras, Moro gosta de lembrar que nos EUA de 80% a 90% dos casos penais terminam em acordo. O acusado, ciente de que há prova pujante contra si, assume que é culpado em troca de pena menor. Isso evita o custo do processo e dá agilidade à Justiça.
Foi na Justiça americana que Moro buscou um instituto que, na Lava-Jato, pode acabar colocando gente graúda na cadeia: a "cegueira deliberada". No direito americano, a doutrina, conhecida por willful blindness, foi criada pela Suprema Corte. Refere-se a quem se comporta como um avestruz, enterrando a cabeça para, propositadamente, não enxergar um crime - e dele tirar algum proveito. Em setembro passado, Moro condenou réus da Lava-Jato que concordaram em fazer transações financeiras em nome de empreiteiras da Petrobras, tendo preferido não conhecer a origem do dinheiro. Como a doutrina da "cegueira deliberada" é uma inovação no direito brasileiro, advogados de defesa protestaram ruidosamente. Em outubro, Moro condenou o assessor de um deputado que emprestou sua conta bancária ao parlamentar. Entendeu que o funcionário escolhera fechar os olhos à evidência de que o deputado estava metido em roubalheiras, dado que ninguém pede a conta bancária de outros apenas para mudar de rotina.
Nos casos de lavagem de dinheiro, Moro já calçou várias condenações numa decisão tomada em 2001 pela corte de apelações dos estados da Geórgia, Flórida e Alabama. Nela, os juízes americanos condenaram o réu por lavagem de dinheiro diante da prova de que seu cliente era um narcotraficante. Entenderam que essa prova era suficiente para concluir que as transações do réu com seu cliente envolviam bens contaminados pelo crime. A Justiça espanhola também tomou decisões semelhantes. Moro bebeu na fonte americana e na espanhola. Fica claro que ele se empenha na condenação do réu quando está convencido da culpa. Nem sempre consegue, como admitiu recentemente: "Já absolvi pessoas que no meu íntimo considerava culpadas".
Moro acha que, em geral, os magistrados não gostam de colegas que falam demais fora dos autos. Chamam esse desvio de comportamento de "gilmarismo", numa referência ao falante ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal. Mas, nem por isso, Moro fala apenas nos autos. Já se envolveu em movimento contra a corrupção no Paraná e, recentemente, propôs um projeto de lei, em tramitação no Senado, prevendo a execução da pena após confirmação da sentença em segunda instância. Hoje, o condenado só começa a cumprir pena depois que a sentença percorreu todas as instâncias possíveis, o que quase sempre leva anos. Com isso, Moro acha que o Brasil poderá evitar que a Lava-­Jato resulte na frustração da Operação Mãos Limpas na Itália, que derrubou as duas principais legendas, a Democracia Cristã e o Partido Socialista, mas acabou abrindo lugar à ascensão de um fanfarrão como Silvio Berlusconi, graduado nas mesmas negociatas que a faxina pretendeu varrer. Isso aconteceu, na opinião de Moro, porque a Itália, entre outras coisas, não reformou seu sistema processual, que, como o brasileiro, admite recursos a perder de vista.
Outra modalidade do ativismo de Moro é pregar para não convertidos. Em agosto, ele fez palestra no Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, o IBCCrim, entidade que condena fortemente os métodos de Moro. O juiz falou, colheu uns bons aplausos e ainda rendeu uma piada de aliados: "Eles são do IBCCrim, o Moro é do IBCCrau". Mas, mesmo nos autos, Moro não deixa de promover aquilo em que acredita. Em agosto de 2008, até despachou cópia de sua sentença para uma CPI que, em Brasília, discutia interceptações telefônicas. Como a sentença tratava do mesmo assunto, Moro queria fazer sua visão chegar aos parlamentares, como, aliás, deveria ser prática de todos os juízes. Moro defende a ideia de que a duração de um grampo telefônico não deve ser previamente delimitada por lei. Na sentença que enviou para Brasília, dizia que autorizara a interceptação telefônica de criminosos durante um ano inteiro e o trabalho rendera ótimos frutos: doze apreensões de drogas e armas, além de provas do crime.
Em sua tese de pós-graduação, convertida em livro em 2004, Moro não esconde que é mais favorável ao ativismo judicial do que à autocontenção. Tem predileção pelos juízes que usam sua interpretação da Constituição para "exercer relevante papel no rompimento de inércias incompatíveis com o ideal democrático". Por isso, é um admirador do juiz Earl Warren, que considera "o maior presidente da Suprema Corte americana do século XX". Ou seja: Moro prefere os juízes que se comportam como defensores ativos dos princípios da democracia. Que agem imbuídos de uma missão. Já escreveu, para espanto de juristas mais conservadores, que faltam à magistratura brasileira "interpretações judiciais criativas". Nos EUA, sua visão do papel do juiz o colocaria ao lado dos magistrados democratas, em franca oposição aos republicanos, que são visceralmente contrários ao ativismo jurídico.
O zelo de Moro pela democracia parece ter sido reforçado na Lava-Jato, mas não surgiu aí. Vem de antes. Em três de seus livros, o juiz mostra-se preocupado com a construção do regime democrático e com o combate ao crime, sobretudo o do colarinho-branco, que interfere no processo eleitoral. Em sentença ainda sobre o caso Banestado, censurou severamente um grupo de empresários que fraudara empréstimos de 7,3 milhões de reais junto ao banco para jogar a dinheirama na campanha eleitoral de 1998. A certa altura, Moro escreveu: "Tal fato é extremamente reprovável, considerando os males causados pela criação e manutenção de esquemas paralelos de doações eleitorais em um regime democrático e que levam à distorção do sistema de eleições livres".
Moro é um juiz atento à corrupção, à ética na vida pública, à qualidade dos homens públicos brasileiros. Impressiona-se, sobretudo, com a incrível resistência dos políticos que enfrentam marés de lama sem abandonar a carreira nem perder o mandato. Em uma de suas sentenças mais longas, de 245 páginas, na qual condenou o ex-tesoureiro do PT João Vaccari, Moro escreveu que considera o enriquecimento ilícito dos agentes públicos um crime menos grave do que a contaminação da política pelo crime. Na decisão em que pediu a prisão preventiva de José Carlos Bumlai, o empresário amigo do ex-presidente Lula, Moro reforçou essa visão: "O mundo da política e o do crime não deveriam jamais se misturar". Nessa sentença, num sinal de que está cada vez mais à vontade em seu ofício e com clareza de objetivos, Moro ainda se permitiu uma ironia. Como Bumlai anda por aí dizendo que fala em nome de Lula, Moro escreveu que a prisão preventiva do empresário pretendia, entre outros motivos, "estancar o potencial de danos à reputação do ex-­presidente". É impossível, já diz o ditado popular, decifrar a cabeça de um juiz. Mas, no caso de Moro, quem esperar moleza certamente vai quebrar a cara.

domingo, 27 de dezembro de 2015

“Os ovos que a galinha vai por” e outras seis notas de Carlos Brickman

Publicado na Coluna de Carlos Brickmann

Há uma famosa maldição que poucas vezes deixou de realizar-se: a de que o país que encontra um tesouro se torna seu escravo e condena-se à irrelevância. A Espanha levou tanta prata da América que se transformou no país mais rico do mundo. Mas, de potência internacional, cujo rei ocupava também o trono do Santo Império Romano, virou saco de pancadas da Holanda e da Inglaterra e, só séculos mais tarde, após a morte do ditador Francisco Franco, voltou a crescer. Portugal, cujos navios descobriram o mundo, ficou sufocado com o ouro brasileiro. Hoje, a maldição tem o nome de Doença Holandesa, Dutch Disease. A alta do preço do gás levou tantos dólares à Holanda que ficou mais fácil importar do que pesquisar, produzir e competir. Empregos e indústria sofreram juntos.
Pior do que se amarrar a um tesouro de verdade é escravizar-se a uma perspectiva de tesouro. Foi o que ocorreu no Brasil com o pré-sal: antes que as novas reservas fossem exploradas, já se distribuíam aos escolhidos os lucros que delas viriam. Contaram com o ovo, digamos, na parte interna da galinha.
Vem daí a crise da saúde no Rio: com base em cálculos inflados pela participação em lucros ainda não realizados, a obter com a venda do petróleo ainda não extraído, apareceram orçamentos frágeis. Bastou que a Arábia Saudita baixasse o preço do petróleo para que o Rio ficasse sem dinheiro para a saúde, para o funcionalismo, para carregar a pesada máquina pública. Enquanto isso, há quem defenda pedaladas fiscais e contabilidade criativa.
O doente é apenas um detalhe.
A vida… 
Como virou moda dizer, pedalada fiscal todo mundo já deu. Pode ser verdade; e explica boa parte dos problemas do país. Quando o orçamento é driblado, o país se torna dependente de acontecimentos continuamente favoráveis. Uma falha ─ a queda do preço do petróleo, a redução no preço do minério de ferro, um novo foco de roubalheira na área estatal ─ e a bicicleta tomba, ferindo os cidadãos.
…como ela é
Final da história: raspando o fundo dos cofres públicos, o Rio conseguiu R$ 297 milhões, que segundo o governador Pezão serão suficientes até o dia 15 de janeiro. E daí em diante? O governo federal criou um comitê de crise.
Pelo jeito, é melhor não ficar doente, nem dar à luz, a partir de 15 de janeiro. Pois ataduras, lençóis, leitos, remédios, equipamentos básicos continuam faltando.
Complementando
Como na clássica marchinha “Cachaça” (“você pensa que cachaça é água”), de Marinósio Trigueiros Filho e Mirabeau, podem faltar arroz, feijão e pão, mas não pode faltar “a danada da cachaça”. No Rio, mostra o jornalista Cláudio Tognolli, cirúrgico ao apontar o problema, as grávidas estão alojadas no chão do corredor do hospital, não há como atender novos pacientes, nem comprar remédios básicos.
Mas em setembro o governo fluminense dobrou a verba para o desfile das escolas de samba no Carnaval de 2016. Além do patrocínio de ditadores africanos a quem os homenageia, há também o dobro de dinheiro público ─ dinheiro de quem gosta ou não de Carnaval. Que, para ir à avenida, ainda paga o ingresso.
Tudo explicado
O senador Acir Gurcacz, do PDT de Roraima, relator da Comissão Mista do Congresso que analisa o relatório do Tribunal de Contas da União sobre as contas da presidente Dilma, quer derrubar o parecer técnico (que as rejeitou) e aprová-las. Diz Gurcacz que as irregularidades (segundo o TCU, R$ 59 bilhões) foram cometidas não só pela presidente, mas também por 14 governadores, logo é melhor aprová-las. Ou seja, os 13 governadores que cumpriram a Lei de Responsabilidade Fiscal não passam de umas bestas quadradas, onde já se viu fazer o que é certo?
Mas Gurcacz tem seus motivos: responde a mais de 200 ações na Justiça, até mesmo por estelionato. Já pagou R$ 209 mil em dinheiro público por ônibus usados que, no mercado, saem por R$ 12 mil. Para ele, o que é irregular?
Visão de futuro
Um respeitado economista, Marcos Lisboa, ex-secretário de Política Econômica (governo Lula) e presidente do Insper, acha que o país se preocupa com o problema errado: quem tem de cuidar da economia é o governo, não apenas o ministro da Fazenda. Como não é isso que está ocorrendo, ele teme, no futuro, sentir saudades de 2015.
Lembrando “Apocalypse Now”, o horror! O horror!
Os mais iguais
O governador de Goiás, Marconi Perillo, PSDB, declarou-se orgulhoso por ter tido a coragem de propor a mudança das normas de aposentadoria do funcionalismo público em Goiás. Não tem sentido, disse o governador, em entrevista no dia 30 de novembro, um funcionário se aposentar com 45 ou 50 anos de idade, e receber a aposentadoria por 40 anos ou mais. “Quem paga isso é o povo”.
Perillo só abre uma exceção para a rígida defesa da austeridade: sua esposa, Valéria Perillo, que há pouco se aposentou, com pouco mais de 50 anos de idade. “Ela trabalha desde os 16 anos”, explicou. “Tinha os requisitos para se aposentar e entrou com o pedido. Isso é muito natural”. Mais natural se ela tivesse trabalhado o tempo todo. Mas, há quase 30 anos, só acompanhou o marido.

A cabeça de Moro, capítulo II: De 2003 até 2012

Do escândalo do Banestado ao julgamento do mensalão, o juiz do Paraná trabalhou para alterar o cenário de impunidade que cercava os crimes do colarinho branco no país

NEM TARDA - Moro, num momento de descontração com seus alunos da faculdade de direito da Universidade Federal do Paraná: sua admiração pela Justiça americana decorre sobretudo da eficácia, pois ali réus são julgados e absolvidos, ou condenados, sem delongas nem preliminares infindáveis
NEM TARDA - Moro, num momento de descontração com seus alunos da faculdade de direito da Universidade Federal do Paraná: sua admiração pela Justiça americana decorre sobretudo da eficácia, pois ali réus são julgados e absolvidos, ou condenados, sem delongas nem preliminares infindáveis (VEJA.com/VEJA)
Em 12 de junho de 2003, Moro assumiu a primeira vara especializada em crimes contra o sistema financeiro e lavagem de dinheiro, em Curitiba. Pela escassa promessa de projeção e farta carga de trabalho, o novo cargo era desprezado por quase todos. Moro não tinha nenhum conhecimento especial sobre o assunto, mas aceitou o desafio. A criação da vara respondia a uma demanda crescente, sobretudo no Paraná. Dos 1 502 processos de lavagem de dinheiro que tramitavam nos três estados do Sul, 803 eram no Paraná, efeito da Tríplice Fronteira e do uso intenso de uma modalidade então muito disseminada de conta, apelidada de CC5, através da qual se podia remeter dinheiro ao exterior. Quando Moro tomou posse, havia apenas um réu definitivamente condenado por lavagem de dinheiro em todo o país. Um só. Estimava-se que empresas de fachada lavavam 10 bilhões de dólares por ano, sem ser incomodadas. Uma farra. Moro, aparentemente um pouco mais descrente da natureza humana do que antes, faria intervenções cirúrgicas para mudar radicalmente a paisagem de impunidade.
Na nova função, Moro continuou atuando no seu primeiro caso de repercussão nacional: o escândalo do Banestado, um gigantesco escoadouro clandestino de dinheiro para o exterior cujos valores superam com folga as petrorroubalheiras. Também trabalhou no caso que desmantelou a quadrilha do traficante Fernandinho Beira-Mar, que encarnava a versão brasileira mais próxima de um Pablo Escobar. No Banestado, Moro aprendeu muito, mas também se decepcionou muito com o prende e solta tão típico da realidade brasileira. Começou aí a amadurecer conceitos e ideias que, mais tarde, se tornariam parte de sua identidade profissional. Diz um advogado paranaense: "Os erros que Moro cometeu no Banestado, ele está evitando na Lava-Jato". A delação premiada, por exemplo, surgiu no caso Banestado. Em 16 de dezembro de 2003, o indefectível Alberto Youssef, o doleiro de todos os escândalos, assinou acordo de delação premiada, quando ainda nem havia lei que regulamentasse o instituto. Em dezembro de 2009, Moro escreveu numa sentença que Youssef era um "notório criminoso" e carecia de "elevada credibilidade", mas já então recomendava que se ouvisse o que tinha a dizer sob pena de que nunca se desvendassem crimes de corrupção. Moro também se tornou um dos poucos juízes brasileiros que já trabalharam num caso em que o delator virou infiltrado, como aparece nos filmes americanos. O acusado num caso de fraudes em um consórcio no Paraná fez o acordo de colaboração, deixou a prisão e recebeu instruções de obter mais informações junto aos criminosos. A infiltração, porém, não rendeu o esperado.
Entusiasta da delação premiada, Moro sempre a defende em suas sentenças fazendo referência ao juiz americano Stephen Trott, autor de um estudo sobre o assunto que o próprio Moro traduziu para o português. O trecho de defesa tem quatro parágrafos. Moro aplica o Ctrl C + Ctrl V, o famoso copia e cola, e reproduz o mesmo trecho, idêntico, sentença após sentença. Leva à risca a condição segundo a qual o conteúdo do testemunho de um delator só vale se for corroborado por prova independente. Em abril de 2010, absolveu dois acusados de evasão de divisas porque o relato do delator era o único elemento contra os réus. Escreveu: "Embora o relato até soe verossímil, não foi produzida a necessária prova de corroboração". Para a turma presa em Curitiba, essa exigência talvez seja uma boa notícia.
A má é que Moro já condenou um réu com base na "teoria do domínio do fato", a mesma que causou tanta controvérsia ao ser usada pelo ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Joaquim Barbosa na condenação de José Dirceu no mensalão. Num caso desimportante de contrabando e falsificação de nota fiscal, Moro condenou o réu a "pena um pouco acima do mínimo legal", converteu-a em serviço à comunidade e explicou a lógica da condenação: "Autor do crime não é apenas o executor material, mas também quem tem domínio sobre o fato delitivo". A diferença, em relação a Joaquim Barbosa, é que no caso de Moro o "domínio do fato delitivo" por parte do réu era inteiramente incontroverso. Em 2012, Moro trabalhou nos bastidores do mensalão, auxiliando a ministra Rosa Weber. Viu, com lupa, as entranhas de uma engrenagem ilegal que, então, parecia gigantesca.
Nessa fase intermediária de sua carreira, suas sentenças foram ficando mais técnicas, mais frias. Criou, ou passou a externar com mais liberdade, uma aversão a tudo o que lhe parece uso abusivo de direitos e garantias. Em outubro de 2008, um réu que se recusara a fazer o teste do bafômetro defendeu-se alegando que tinha o direito de não produzir prova contra si, o mesmo princípio do direito de ficar calado. Moro derrubou a tese. Alegou que o direito ao silêncio se refere apenas à comunicação e, portanto, não protege quem, por exemplo, se nega a fornecer sangue para um exame de DNA. Para Moro, nem a liberdade é um direito ilimitado, pois a prisão é cabível, mesmo antes do julgamento, sempre que há prova irrefutável de que o interesse coletivo ou individual pode ser ofendido. Ele acha que a presunção de inocência é interpretada com excessiva liberalidade pelos magistrados brasileiros. E acredita que o direito a apelar em liberdade contra uma sentença deveria ser uma exceção, e não uma regra, como acontece hoje. O próprio direito à defesa precisa ser exercido dentro de limites razoáveis. Em agosto de 2011, Moro censurou duramente a defesa de um réu que arrolou testemunhas espalhadas por diversas cidades do território nacional, indicando nomes e endereços errados ainda por cima, com o único propósito, suspeitou Moro, de retardar o processo. Em outra ocasião, explicitou na sentença que o direito à defesa não inclui o direito de produzir provas "impossíveis, custosas, protelatórias". Moro também se tornou impaciente com defensores que se concentram em aspectos formais do processo e nunca enfrentam o mérito da acusação. Nas 300 sentenças que VEJA examinou, não há uma única em que Moro tenha aceitado alguma medida com remota aparência de manobra para adiar o processo.
Na vara da lavagem de dinheiro, Moro amadureceu seu entendimento sobre crimes do colarinho-branco, que estudou a fundo e passou a considerar tão ou mais danosos à sociedade que a criminalidade comum das ruas. Embasa sua posição no estudo clássico do sociólogo americano Edwin Sutherland, publicado em 1949, no qual se lê: "Crimes do colarinho-branco violam a confiança e, portanto, criam desconfiança, o que diminui a moral social e produz desorganização social em larga escala. Outros crimes produzem efeitos relativamente menores nas instituições sociais ou nas organizações sociais". Em mais de uma sentença, Moro recorreu ao Ctrl C + Ctrl V do trecho em que define o colarinho-branco. Nele, além de citar Sutherland, queixa-se de que a jurisprudência brasileira "não é rigorosa" e a prisão preventiva, para criminosos de colarinho-branco, deveria ser quase um imperativo.

quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

A cabeça de Moro, capítulo I


Saiba quem é e o que pensa o homem que começou a derrubar o esquema das petrorroubalheiras

O JUIZ SERGIO FERNANDO MORO: seu mundo discreto começou a virar pelo avesso em 11 de julho de 2013, quando ele autorizou a polícia federal a fazer “escuta telefônica e telemática” contra um obscuro doleiro
O JUIZ SERGIO FERNANDO MORO: seu mundo discreto começou a virar pelo avesso em 11 de julho de 2013, quando ele autorizou a polícia federal a fazer “escuta telefônica e telemática” contra um obscuro doleiro(Laílson Santos/VEJA)
De 11 de julho de 2013 para cá, o juiz Sergio Moro tornou-se uma celebridade nacional. Não há semana em que não tenha um convite para falar em algum evento, e a inclusão de seu nome na lista de palestrantes é garantia de casa cheia. Não há lugar público - restaurante, aeroporto, fila de táxi - em que ele não seja aplaudido por populares. Em 2015, sua figura ganhou ainda mais preeminência em função do contraste entre sua distinção pública e as mentiras e pontapés e manobras e bandalheiras gerais que cobriram Brasília de escárnio. Com a notoriedade, Moro teve de abandonar o hábito de ir para o trabalho de bicicleta. Está um pouco mais gordo e, apesar da timidez pétrea, um pouco mais desinibido. Ganhou traquejo no trato com a imprensa, que sempre o cerca nos eventos públicos com flashes e perguntas, e também se habituou ao assédio do público, que o cumula de pedidos de selfies e autógrafos.
A mudança mais relevante, porém, nesses dois anos e meio, é também a mais sutil: Moro tornou-se um juiz mais duro, não na dosimetria das penas, mas na acidez das críticas que agora permeiam suas sentenças, e tornou-se, também, um juiz mais indignado com o cortejo de tramoias que contaminam o processo democrático. As sentenças dos 1 200 processos em que atuou em quase vinte anos de carreira constituem uma longa crônica dessa lenta mutação. Para examinar esse universo, VEJA escalou Susana Camargo, pesquisadora-chefe da revista, para colher o maior número possível de sentenças dadas por Moro de 2000 para cá. Vasculhando-as já em formato digital e não descartadas pela Justiça, Susana reuniu 300 sentenças prolatadas por Moro nos últimos quinze anos. A primeira é de 5 de fevereiro de 2000. A última, de 2 de dezembro passado.
A leitura minuciosa das 300 sentenças mostra que Moro escreve, em média, doze páginas por decisão. Em proporção, condena mais os homens do que as mulheres. Seus críticos propagam que é um juiz tão implacável que, em suas mãos, até Branca de Neve pegaria prisão perpétua, mas Moro, ao contrário, nunca aplica a pena máxima e, de vez em quando, recorre à pena mínima. Normalmente, sentencia os condenados a "penas pouco acima do mínimo mas ainda distantes do máximo", como costuma escrever. Sempre que pode converte a reclusão em prestação de serviço à comunidade. Escreve as sentenças com ordem e clareza, de modo que os condenados possam lê-las e entendê-las. Não usa palavrões como "interpretação teleológica" ou "hermenêutica jurídica" e quase nunca emprega expressões em latim, cujo uso abusivo é tão corriqueiro no juridiquês nacional.
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Da leitura das sentenças, que são sempre escritas pelo próprio Moro, surge um panorama que expõe a complexidade de um juiz que procura combinar rigor e generosidade e atender às necessidades urgentes de um país que se paralisou na impunidade e permitiu que a corrupção atingisse níveis grotescos. Nisso, constata-se que a carreira de Moro divide-se em três grandes etapas, cada qual com seus ensinamentos. A seguir, o que elas dizem sobre a cabeça do magistrado.
Do começo até 2002 - Empossado como juiz em 1996, Moro, então com apenas 24 anos, teve uma passagem rápida por Curitiba e foi trabalhar no interior, em Cascavel, no Paraná, e Joinville, em Santa Catarina. Suas sentenças dessa época mostram um magistrado idealista e inclinado à promoção da justiça social. Deu várias sentenças que lidavam com questões de caráter social. Ao portador do vírus HIV que pretendia aposentar-se como inválido, Moro disse não. À vítima de microcefalia que pleiteava um benefício financeiro maior do governo, Moro disse sim. Nesses anos iniciais, tomou decisões claramente motivadas por sua preocupação em oferecer alguma proteção aos mais vulneráveis. Na vara previdenciária, chegou a ser conhecido como "o juiz dos velhinhos", por sua tendência a julgar a favor deles e contra o INSS. Decidiu que menores órfãos tinham direito a pensão do INSS em caso de morte dos avós. Insurgiu-se contra o critério dos programas de renda do governo que brindavam os pobres com um benefício superior ao concedido aos idosos e portadores de deficiência física, que também eram pobres.
Em sua agenda também entraram casos de fraude do INSS e sonegação do imposto de renda. Nisso, revelou-se um juiz sensível aos rigores do mercado, mas com limites. Quando empresários enrolados descontavam imposto ou contribuições sociais de seus empregados e deixavam de repassar os recursos ao governo, Moro quase sempre os absolvia se as irregularidades decorressem de dificuldades financeiras reais da empresa. Do contrário, aplicava-lhes "penas pouco acima do mínimo mas ainda distantes do máximo" e as substituía por serviços à comunidade. Mas, quando condenou uma companhia telefônica, a Telesc, a reabrir um serviço de atendimento ao público, cujo fechamento prejudicava os moradores mais humildes, fez questão de defender uma tutela moderada sobre a iniciativa privada. Citando o constitucionalista americano Cass Sunstein, democrata que trabalhou no governo Barack Obama, Moro escreveu: "Mercados não devem ser identificados aprioristicamente com a liberdade; eles devem ser avaliados segundo sirvam ou não à liberdade".
Para um juiz acusado pelos adversários de favorecer os tucanos, é interessante notar que Moro assinou sentenças que poderiam ter desmantelado o Plano Real, a obra máxima do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Num caso de junho de 2001, dez servidores públicos pediram a correção da tabela do imposto de renda desde 1996, ano em que o Plano Real congelara os reajustes. Na sentença, Moro contestou o dogma segundo o qual a atividade judicial não pode assumir o lugar dos legisladores, que aprovaram lei proibindo qualquer correção, e atendeu ao pleito dos servidores públicos, condenando a Fazenda Nacional a restituir tudo o que cobrara a mais. Em outro caso, de abril de 2002, o autor da ação judicial contestava a decisão do governo, de 1997, de desindexar o valor das aposentadorias e pedia reajuste pelo IGP. Na sentença, Moro censurou o governo pela adoção de índices sem transparência, afirmou que a preservação do valor real das aposentadorias era uma garantia constitucional e, para fechar o raciocínio, lembrou a "célebre advertência" do juiz John Marshall, presidente da Suprema Corte americana, inscrita numa decisão de 1819: "Não podemos esquecer que é uma Constituição que estamos interpretando". Moro aceitou o reajuste pelo IGP e mandou o governo pagar a diferença. Na época, reindexar a economia e criar gatilhos automáticos de reajustes era tudo o que o governo pretendia evitar. Se as sentenças de Moro tivessem prevalecido nacionalmente, o governo FHC teria tido desfecho bem diferente.
* A segunda e a terceira parte dessa reportagem serão publicadas, respectivamente, sexta e sábado.

terça-feira, 22 de dezembro de 2015

Desemprego entre chefes de família acelera e tem alta de 57% em um ano

Como consequência do problema, mais membros da família passam a procurar trabalho, aumentando a taxa de desemprego geral do Brasil

Jovem sem dinheiro
Mais de meio milhão de chefes de família estavam sem emprego nas principais regiões metropolitanas do país em novembro, segundo o IBGE(iStockphoto/Getty Images/VEJA)
A crise econômica brasileira está deixando milhares de chefes de família sem emprego. No mês de novembro, 548.000 deles estavam desempregados nas seis principais regiões metropolitanas do país, 56,9% mais do que no mesmo mês do ano passado, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Esse número começou a crescer já em janeiro deste ano. Naquele mês, eram 357.000 chefes de família sem emprego em São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife e Salvador. Com o aumento, a taxa de desemprego entre essas pessoas atingiu 4,7% em novembro deste ano.
Essa porcentagem está abaixo da média geral no Brasil, de 7,5%, mas esconde uma das principais consequências desse movimento: outros membros da família que antes não trabalhavam passam a procurar emprego, sem que haja vagas disponíveis para acomodá-los. Por isso, a taxa de desemprego sobe. Além disso, o poder de compra de todos os membros da família diminui, com repercussão sobre setores como comércio e serviços, gerando um círculo vicioso.
Procura - "Isso vai fazer com que outras pessoas tentem recompor essa renda perdida", diz o economista Rafael Bacciotti, da Tendências Consultoria Integrada. Segundo o IBGE, há 1,286 milhão de "outros membros" da família buscando emprego, 52,3% mais que em novembro de 2014.
No site de busca Vagas.com, a procura tem sido crescente. O cadastro de novos currículos atingiu 173 por hora na média do acumulado do ano até setembro, 11,6% mais do que no mesmo período de 2014. Até novembro, a alta acelerou para 17%. As oportunidades, no entanto, encolheram 4% até o mês passado. "Temos percebido que a faixa etária de 25 a 34 anos é a que mais procura, mas o crescimento tem sido maior entre 18 e 24 anos", diz Rafael Urbano, especialista em Inteligência de Negócios da Vagas.com. Entre os jovens, os cadastros avançaram 49% de janeiro a novembro ante igual período de 2014, segundo o site.
A procura de emprego por jovens é o que mais tem dado combustível ao aumento do desemprego em 2015. Antes, o movimento era contrário: os pais tentavam preservar o estudo dos filhos e bancavam seu sustento. Agora, com a renda encolhendo quase 10%, não há como mantê-los longe do batente.
Para o economista Marcel Caparoz, da RC Consultores, a situação ainda pode piorar. "Como essas pessoas são as fontes principais de renda, elas não têm condição de sair do mercado de trabalho. Algumas fazem bicos ou abrem o próprio negócio e não são consideradas desocupadas. Mas a probabilidade de o negócio dar certo em 2016 é baixa", afirma o economista. "É um emprego muito vulnerável. O risco é que essa pessoa vire desempregada e a taxa de desemprego dê um salto". Segundo ele, a taxa de desemprego deve atingir seu pico em 2017, provavelmente em dois dígitos, para só então começar a arrefecer em 2018.
(Com Estadão Conteúdo)

segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

Os inventores da Ditadura do Latinório vão logo aprender que toga não é japona

STF Nelson Jr. STF
A maioria do Supremo Tribunal Federal aproveitou a sessão convocada para deliberar sobre o processo de impeachment para revogar o equilíbrio entre os Poderes. Na cabeça de oito dos 11 bacharéis em Direito indicados pela Presidência da República e aprovados pelo Senado depois de uma sabatina com cara de chá de senhoras, os três Poderes são independentes, mas só o Judiciário não é dependente de outro. Já o Executivo e o Legislativo dependem do que dá na telha do Poder que manda nos dois e não obedece a nenhum.
Declamando criativas interpretações de normas constitucionais, verbetes de dicionário e citações em Latim, o bloco majoritário fez o diabo. Prorrogou por tempo indeterminado a sobrevida da presidente agonizante, redesenhou o Congresso para subordinar a Câmara do renegado Eduardo Cunha ao Senado do patriota Renan Calheiros, rebaixou 513 representantes do povo a capinhas de 81 representantes das 27 unidades federativas e avisou que, sem o endosso dos senadores, decisões dos deputados valem tanto quanto palpites da mulher do cafezinho. Fora o resto.
Não faz tanto tempo assim que os ministros, escolhidos entre os melhores e mais brilhantes, efetivamente compunham o corpo de elite do universo jurídico brasileiro. Também assolado pela Era da Mediocridade, o STF foi ficando parecido com os vizinhos de praça. Com o advento da Era da Canalhice, o critério adotado pela seita lulopetista para preencher vagas no STF completou o estrago. A escolha deve atender aos interesses do Planalto. Ponto.
Só podia dar no que deu. Mesmo disfarçados de turista em dia de visitação pública, certos juízes seriam barrados na portaria da Corte Suprema americana. Lá o esquema de segurança é severo com figuras esquisitas. Os togados falam muito, e falam coisas estranhas. Escrevem demais. e escrevem coisas tão difíceis que nem sobra tempo para pensar, conversar com gente normal, saber o que vai pelo Brasil real, em tudo diferente da Pasárgada onde moram e decidem o que pode e o que não pode, o que é certo e o que é errado.
Um ministro do STF não se aflige com o desemprego em expansão nem com a inflação descontrolada, não sucumbe a surtos de indignação quando confrontado com as cifras da roubalheira e os devastadores efeitos da incompetência. Não chega a perder o sono com a desfaçatez da seita que pariu a maior crise da história republicana. Tudo somado, os superdoutores não sabem que a paciência da plateia acabou.
“Japona não é toga”, lembrou em outubro de 1964 o então presidente do Senado, Auro Moura Andrade, para barrar a investida autoritária de chefes militares dispostos a violentar a Constituição. Com quatro palavras, Auro ensinou que cabia ao Supremo Tribunal Federal, não às Forças Armadas, lidar com questões constitucionais — pela simples e boa razão de que general não é juiz.
É hora de adaptar a frase aos tempos modernos, invertendo a ordem dos substantivos para transformá-la em advertência aos oniscientes de araque. Antes que tentem proclamar a Ditadura do Latinório, eles precisam saber que toga não é japona. A lição será assimilada em poucos segundos se for ministrada pela voz das ruas.

domingo, 20 de dezembro de 2015

Bruna Lombardi no Roda viva

Bruna Lombardi, a entrevistada do Roda Viva desta semana, é tão singularmente bela e talentosa quanto saudavelmente inquieta. Depois de ter sido a garota de capa de todas as revistas importantes, ela seduziu a plateia nacional como atriz de TV, cinema e teatro. Enquanto isso, fazia sucesso como escritora e poeta. No momento, a estrela múltipla prepara o lançamento de um livro, um portal na internet e de um filme feito em parceria com o marido Carlos Alberto Riccelli e o filho Kim, em que participa como roteirista e atriz.
A bancada de entrevistadores reuniu Sonia Racy (colunista do Estadão), Teté Ribeiro (editora da revista Serafina, da Folha), Miguel Barbieri Jr. (crítico de cinema de VEJA São Paulo), Marina Caruso (diretora de redação da revista Marie Claire) e Mariana Timoteo da Costa (repórter do Globo). Ilustrado em tempo real pelo cartunista Paulo Caruso, o programa foi transmitido pela TV Cultura.

“Zero fora, zero” e outras cinco notas de Carlos Brickmann

Levy saiu? Para o país, não há diferença: não se discute o saber, mas o efeito da presença do ministro. Levy, Guido Mantega ou Vagner Love, tanto faz (ou não faz): quem aceita ser ministro de Dilma já sabe mesmo que não vai mandar.
E o rebaixamento da nota do Brasil por mais uma agência internacional? Também não fez diferença: os grandes fundos não ficam parados esperando que a agência retire o grau de investimento. Sacam o dinheiro bem antes. E os juros mais altos que o Brasil terá de pagar? Também já tinham subido: na segunda-feira, o Brasil pagava 4,7% acima do rendimento dos títulos americanos; na terça, foi rebaixado e perdeu o grau de investimento; na quarta, pagava os mesmos 4,7% acima dos títulos americanos.
Para o mercado internacional, que observa a situação do ponto de vista da rentabilidade, sem paixões políticas, o que quer que se faça no Brasil é mais do mesmo. As providências defensivas foram tomadas há tempos pelos investidores internacionais. Eles podem não ter coração, mas têm cabeça, e precisam prestar contas a quem lhes entrega dinheiro para investir.
Quer dizer que não adianta mexer, porque ninguém influente vai dar bola para isso? Também não é assim: se Dilma entregar a economia a alguém respeitado, e deixar claro que não vai interferir no trabalho, a situação pode melhorar (não na hora, mas quando o mercado se convencer de que ela desistiu de inventar moda).
E se, conforme se comentou, Dilma colocasse Jaques Wagner na Fazenda, o problema já não seria estar no fundo do poço, mas sim que iriam jogar terra em cima.

A sábia voz
Após o rebaixamento do status brasileiro, após a despedida do ministro Joaquim Levy, no momento em que se comentava Jaques Wagner para o Ministério da Fazenda, o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, disse que os títulos brasileiros são um excelente negócio.
Como não disse Tonto a Zorro, quando foram cercados pelos índios, “excelente negócio para quem, cara-pálida?”
De Brahma a Budweiser
Que mundo pequeno! E, veja só, tão cheio de coincidências!
1 - A Budweiser, empresa cervejeira pertencente à multinacional InBev (que reúne Brahma, Antarctica, Stella Artois, Skol, Corona, e domina um terço do mercado mundial de cerveja), inicia grande campanha publicitária para promover o futebol americano no Brasil, com amplo uso de propaganda pelo smartphone. A Budweiser, Bud para os íntimos, é a cerveja oficial da Liga Nacional de Futebol Americano, NFL. Hoje, o futebol americano é pouco difundido no Brasil.
2 - O empresário Luís Cláudio Lula da Silva, filho do ex-presidente Lula, é diretor-geral e sócio da empresa Touchdown, que se dedica a promover o futebol americano no Brasil. Luís Cláudio também faz captação de recursos para o Torneio Touchdown, com 16 clubes e sete patrocinadores, o principal do país.
E a coincidência curiosa: o pai do promotor do esporte patrocinado principalmente pela Budweiser é, em certos setores, conhecido pelo apelido Brahma.
Trabalhar cansa 1
Há presos aguardando o julgamento de habeas corpus (que, se concedidos, lhes permitiriam passar o Natal e o Ano Novo com a família). Há gente que aguarda o julgamento de ações cíveis e o pagamento a que forem condenados seus adversários. Há pessoas detidas para interrogatório e o interrogatório não sai. Mas as férias do Judiciário são intocáveis: começaram na sexta e terminam em fevereiro, que ninguém é de ferro. Fica um plantão no Supremo para os casos mais graves, e só. E não se diga que os juízes precisam tirar férias: isso é óbvio, claro que precisam. Mas por que tirá-las todos ao mesmo tempo?
Numa grande empresa multinacional, todos os funcionários tiram férias, e a empresa não para por causa disso. As férias são escalonadas e todos se beneficiam.
Trabalhar cansa 2
O Senado entrou de férias no final da sessão de quinta-feira. Deveria haver sessões na segunda e na terça (às quais, é certo, o comparecimento seria mínimo), nas o presidente do Senado, Renan Calheiros, explicou que a Casa não poderia funcionar, porque “haverá obras de recuperação” no banheiro feminino. Enquanto isso, o impeachment, que mantém o governo e o país paralisados, fica para quando os nobres parlamentares já tiverem repousado o suficiente.
Quem sabe depois do Carnaval haja uma decisão? Ou, talvez, da Semana Santa?
E parar de trabalhar? 
O trabalho, dizem, enobrece. Mas há gente que prefere aposentar-se, desde que bem. Como Valéria Perillo, esposa do governador goiano Marconi Perillo, do PSDB. A aposentadoria de Valéria Perillo foi aprovada por unanimidade pelo Tribunal de Contas do Estado: R$ 15.206,43 mensais, remuneração integral.
Valéria Perillo foi funcionária da Assembleia na década de 1980 e desde 1998 não exerce o cargo. Para que a aposentadoria fosse aprovada, o Tribunal de Contas do Estado considerou o período de serviços prestados à Organização das Voluntárias de Goiás. Como uma das funções da primeira-dama goiana é dirigir a OVG (trabalho voluntário, sem pagamento), Valéria Perillo recebeu esta missão.
Mas inovou: de graça, nem trabalho social. E continuou a receber da Assembleia.