domingo, 29 de março de 2015

Ronaldo Caiado: a oposição boa de briga

Recém-chegado ao Senado, o goiano Ronaldo Caiado se destaca pelo perfil combativo e quer voltar a disputar a Presidência da República quase 30 anos depois. Mas antes terá de salvar o próprio partido da extinção





Em 1989, sem nenhuma experiência política, o jovem fazendeiro Ronaldo Caiado, hoje com 65 anos, acreditava que o reconhecimento de seu trabalho como médico ortopedista e a trajetória na União Democrática Ruralista (UDR) seriam capazes de levá-lo à Presidência da República na primeira eleição geral pós-redemocratização. Concorreu ao Palácio do Planalto pelo nanico PSD contra Fernando Collor de Mello e Luiz Inácio Lula da Silva, dois rivais que as décadas de escândalos transformaram em bons amigos. Isolado, Caiado obteve só 488.000 votos. Hoje, 26 anos depois do maior embate eleitoral da carreira, o líder do Democratas (DEM) retomou o antigo sonho.
Nos últimos três meses, entre os compromissos de uma agenda diária que ultrapassa as 10 horas de trabalho, Caiado opera intensamente para evitar que o DEM, à mingua nos mais de 12 anos de governo petista, consolide uma fusão exatamente com o partido que abraçou Fernando Collor, o PTB. Ao senador, correligionários dizem que foi garantida até a cadeira do partido na disputa pela Presidência em 2018. Mas não há sinais de que ele vá ceder à fusão: "Ele vai lutar até o último dia para não deixar o partido perder a identidade. Esse pessoal está vendendo o DEM", diz Abelardo Lupion, ex-deputado e braço direito do senador. Contra os democratas que defendem a aliança com o partido governista, a arma de Caiado já está lançada: "Ele vai explodir esse povo - e o pessoal tem medo da língua dele", prevê Lupion.
Caiado planeja utilizar o primeiro mandato como senador - depois de 20 anos como deputado federal - para pavimentar a campanha ao Palácio do Planalto em 2018. De preferência, contra aquele que considera seu adversário número um no plano nacional: o ex-presidente Lula.
"Lula vinculou-se à tese do populismo com a máquina pública, a militância e o aparelhamento do Estado. Com o choque de realidade diante do petrolão, ameaçou colocar o exército de Stédile nas ruas. Dilma é prisioneira dele e cometeu o crime de ter prevaricado para ter o benefício do mandato. Essas pessoas são qualificadas para governar o país?", afirma o senador.
De perfil beligerante nos moldes do udenista Carlos Lacerda, em quem diz se inspirar, Ronaldo Caiado começou a despertar ciúme do PSDB e ocupar o espaço de novo líder da oposição contra o governo Dilma já nos primeiros três meses do novo mandato. Descendente de uma oligarquia de políticos e latifundiários, ganhou terreno com a derrocada do senador cassado Demóstenes Torres (ex-filiado ao seu partido e também eleito por Goiás), ex-amigo e a quem considera sua "grande decepção". Outro fator preponderante em sua ascensão foi o enfraquecimento do senador José Agripino (DEM-RN), desgastado na campanha presidencial do tucano Aécio Neves e envolvido em recentes investigações de corrupção. "Não dá para apelidar as palavras: oposição tem que ser oposição", diz ele cotidianamente aos políticos que ameaçam capitular para a base aliada ao governo. "Ele não abre mão de um posicionamento a não ser que seja convencido de que está errado, o que não é fácil", resume o correligionário Rodrigo Maia (DEM-RJ).
Nas quase três décadas de vida pública, Caiado coleciona um sem-número de desafetos, como o atual governador de Goiás, Marconi Perillo (PSDB), e o empresário Junior Friboi. "Perillo navega bem nos moldes dessa política em benefício próprio. Ele e Lula estão imbuídos de uma torpeza bilateral", ataca o senador.
Outro adversário do senador é o vice-governador de Goiás, José Eliton Júnior (PP). Antigo advogado eleitoral de Caiado e ex-integrante do DEM, ele diz que o senador adota posições "extremistas" e afirma que o parlamentar perdeu boa parte do apoio político no Estado. "Ele está num processo de isolamento e vem minguando ao longo do tempo", afirma Eliton, embora os números sejam favoráveis a Caiado: os 167.591 votos de Caiado para deputado em 2010 se multiplicaram em quase 1,3 milhão para o Senado no ano passado.
Para o vice-governador de Goiás, Caiado é avesso a projetos partidários ou coletivos. "A visão dele é muito mais de natureza pessoal", afirma. José Eliton cita números para afirmar que o voo de Caiado é individual: em 2010, o DEM goiano elegeu um senador, o vice-governador, três deputados federais e dois estaduais. Em 2010, emplacou apenas Caiado para o Senado e um deputado estadual.
Caiado também reúne mágoas contra políticos a quem classifica como "traidores": o ministro Gilberto Kassab (Cidades), a quem responsabiliza pela derrocada do DEM, Eduardo Campos, por quem foi esnobado nas eleições de 2014 às vésperas da aliança com a ex-senadora Marina Silva, e Demóstenes Torres, por ter escondido as relações espúrias que mantinha com o bicheiro Carlinhos Cachoeira. Apesar da proximidade com Demóstenes, saiu incólume da hecatombe que derrubou o antigo aliado.
Ao ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, porém, reserva um capítulo especial: atribui ao mensaleiro a ordem para a publicação, no livro do jornalista Fernando Morais, de que seria favorável à esterilização de nordestinas para conter o crescimento populacional. Caiado, ele próprio casado com a baiana Gracinha, ganhou indenização de 1,2 milhão de reais pelo episódio, embora o caso ainda esteja aberto no Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Mergulhado na política desde cedo, Caiado sempre conviveu com o histórico controverso da família - o avô Totó Caiado, também ex-senador, foi um temido coronel de Goiás, enquanto parentes foram denunciados mais de uma vez por trabalho escravo. A professora Lena Castelo Branco, estudiosa da família do congressista, lembra que, no imaginário popular, as referências a Totó chegavam até a acusações de assassinato. "Deparei-me com a forte representação negativa da família, que, disseminada no imaginário popular, contaminou o próprio sobrenome Caiado", relata ela no prefácio do livro Poder e Paixão: a saga dos Caiado.
O sistemático e esquentado Ronaldo Caiado é considerado por aliados como o "trator da oposição". Para adversários, o "demônio do agronegócio". Na carreira política, disputou apenas uma vez o governo de Goiás, em 1994. Na época, não chegou sequer ao segundo turno. Nos anos seguintes, da pouca representatividade na Câmara até a conquista da liderança do DEM na Casa, alternou alianças e rupturas com caciques goianos como Perillo, Iris Resende e Vilmar Rocha. Na última eleição, candidatou-se a senador na chapa de Iris, derrotou Vilmar e se recusou a dar guarida à aproximação que José Agripino e ACM Neto, prefeito de Salvador, ensaiaram com Marconi Perillo. Depois de tantos anos no Legislativo, ainda espera chegar ao Palácio das Esmeraldas eleito por voto popular. Publicamente, no entanto, despista sobre as aspirações políticas: "não sou homem de suprimir etapas". "Vou analisar o cenário em 2018 porque fazer projeções e conclusões agora seria primário", justifica.
Do plenário da Câmara, Ronaldo Caiado protagonizou históricas brigas com parlamentares governistas. Durante a votação da MP dos Portos, que ajudou a transformar em uma das mais longas da história da Casa, ele chamou, aos berros, o ex-governador do Rio de Janeiro Anthony Garotinho (PR) de "chefe de quadrilha". Com a habilidade de elevar o tom mantendo um sorriso irônico no rosto, afirmou também que ministros do governo Dilma teriam de dar explicações à Casa nem que fosse "debaixo de vara". O fazendeiro Caiado diz que usou a expressão em um sentido estritamente jurídico, mas reconhece o estilo incisivo. "Prefiro um debate frontal para colocar as minhas posições. É preciso coragem para dizer a verdade, não adianta dourar a pílula."
Ao longo dos mandatos no Congresso, flexibilizou parte do perfil de "turrão" e hoje recorre a conselheiros para embasar suas intervenções na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado, onde discute a proposta de ajuste fiscal defendida pelo governo, ou seus discursos no Plenário. Estuda com uma equipe de tributaristas, constitucionalistas e especialistas em finanças às segundas-feiras. Não raro se aconselha com o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), e com o jurista Ives Gandra Martins.
Nos últimos dias, esteve às voltas com uma operação de emergência da sogra Odete, que quebrou as duas pernas em uma queda no chuveiro. Especializado em coluna vertebral, já atendeu por décadas moradores da comunidade agrícola de Bonfim de Feira (BA), adversários e aliados políticos. Da medicina, diz levar ensinamentos para a lida política. "Assim como não sei esperar para operar um doente, não sei achar na política que 'o tempo vai decidir'", explica.
Convicto de suas crenças, Caiado também questiona ações da oposição e defende que as legendas adversárias ao governo dilmista devem se unir para partilhar melhor as funções e estratégias em comissões e no Plenário do Senado. "Não vamos deixar passar incólume essa situação de fraude e mentira, convalidada pelo processo eleitoral, quando a causa dessa crise política é exatamente a falta de credibilidade provocada pelas mentiras da presidente", afirma. Em um momento no qual a oposição ganha força no Congresso e nas ruas, Caiado pode dizer que nunca titubeou no enfrentamento ao PT. Por outro lado, a fama de personalista pode prejudicá-lo. Os próximos quatro anos dirão se o incontrito senador já atingiu o seu auge ou se ainda tem degraus a galgar.
http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/ronaldo-caiado-a-oposicao-boa-de-briga

Os embates de Caiado

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