sábado, 25 de outubro de 2014

Macunaíma, o caráter nacional e o PT

O ator Grande Otelo, no filme Macunaíma, de 1969 


Talvez o escritor Mário de Andrade estivesse com a razão e a síntese do Brasil seja mesmo o herói sem nenhum caráter que ele imortalizou em sua obra

Em Macunaíma, uma das obras imortais da literatura brasileira, o escritor Mário de Andrade dá um profundo mergulho na alma nacional. Sua síntese se traduz no personagem que dá nome ao livro, o “herói sem nenhum caráter”, cuja aversão ao trabalho está expressa na expressão “ai, que preguiça!”,  repetida ao longo de todo o texto.
A despeito da genialidade indiscutível de Mário de Andrade, confesso que sempre tive uma certa resistência em admitir que o Brasil seja um país dominado por Macunaímas. Não apenas pela percepção de que a maioria dos brasileiros – e não apenas os mais pobres – dá um duro danado para viver, apesar dos mitos e lendas de que teríamos uma tendência natural ao ócio, em decorrência do clima tropical que caracteriza a maior parte do país. O que me incomoda mais, na verdade, é a absoluta falta de caráter que Macunaíma encarna e projeta.
Mesmo em meio ao mundo cão em que vivemos, sempre acreditei – e continuo a acreditar – que o que faz o homem (e a mulher) de bem é, acima de qualquer outra coisa, o seu caráter. Meu pai, que infelizmente se foi há pouco mais de dois anos, e minha mãe me ensinaram, desde a infância, a respeitar valores que parecem meio fora de moda hoje em dia, como falar a verdade, não roubar e ter uma postura ética e moral irrepreensível. Aprendi com eles e na vida a reconhecer os meus próprios erros, mesmo que tenha de pagar um preço alto por isso. Aprendi também a respeitar o direito alheio e a assumir responsabilidade pelos meus atos, em vez de transferi-la para os outros.
Para subir na vida, ao contrário do que muita gente pensa, não é preciso “fazer o diabo”, como diz a presidente Dilma Rousseff, nem pisotear quem cruza o seu caminho. A Lei de Gérson – aquela segundo a qual o importante é levar vantagem em tudo – nunca fez parte do nosso código de conduta familiar. Não que eu tenha sido educado a reagir como Jesus aos ataques que recebo, virando a outra face para meus detratores chicotearem. Não, não sou nenhum santo. Posso dizer, porém, que, se depender de mim, é pouco provável que eu recorra a apelações e a golpes abaixo da cintura para me impor numa discussão ou fazer valer as minhas ideias.
Por isso, sinto uma profunda indignação e até uma certa revolta quando vejo o Brasil caminhar para longe dos valores em que acredito, como parece estar acontecendo agora, no governo do PT e na campanha eleitoral de Dilma, capitaneada pelo marqueteiro chapa branca, João Santana. Numa disputa como essa, é natural que haja críticas e questionamentos. Faz parte do jogo democrático. Mas, diante da central de calúnias montada pelo PT e por seus caciques, encarregada de “plantar” as mais deslavadas mentiras para tentar “desconstruir” os adversários e manipular dados e informações para confundir a opinião pública, a sensação é de que os valores mais elevados da sociedade foram para o ralo. Ainda mais quando se observa que dezenas de milhões de eleitores parecem não se importar com nada disso, nem cultivar os mesmos valores que meus pais – e tenho certeza de que os pais de muitos leitores do blog – me ensinaram a respeitar.
Infelizmente, esse não é o país sonhado por muitas famílias brasileiras para criar e educar os seus filhos e netos. Não é por acaso que se ouve falar, cada vez mais, de casos de brasileiros que pensam seriamente em deixar o Brasil, se nada for feito para mudar o rumo do país. Ao contrário do que pregava o ex-governador pernambucano Eduardo Campos, há muita gente desistindo do Brasil. É triste, mas é o que está acontecendo. O escritor Paulo Coelho, por exemplo, já decidiu seguir esse caminho, autoexilando-se na Suíça. O cantor e compositor Lobão pode seguir o mesmo caminho em breve. Milhares de famílias anônimas, também. Quem quer ver um filho ou uma filha crescendo num ambiente desses, sem respeito à ética e aos mais rasos preceitos morais? Isso sem falar da violência, é claro, que afeta de forma dramática a vida de todos nós.
Talvez, no final, Mário de Andrade, com toda a sua sabedoria, estivesse mesmo certo. Talvez, Macunaíma seja mesmo um reflexo da alma nacional e o Brasil seja  um país dominado por Macunaímas – e eu não seja nada mais que um E.T. perdido por aí, tentando entender, da melhor forma possível, o que está acontecendo. Talvez a Lei de Gérson deva ser incorporada à Constituição e transformada numa espécie de Emenda nº 1, para não haver dúvidas sobre a sua relevância. O consolo, se é que é possível falar nisso em meio ao imenso mar de lama em que se transformou o Brasil, é que, nos últimos tempos, a tribo desses E.Ts.vem aumentando geometricamente. Qualquer que seja o resultado das eleições, o consolo também é que os heróis sem nenhum caráter simbolizados por Macunaíma terão muito menos margem de manobra para perpetrar falcatruas e manobras para se locupletar a céu aberto com o dinheiro público. 

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