segunda-feira, 23 de abril de 2012

Falar errado é correto ou correto é falar errado?


O xis do problema


No domingo passado, assistindo ao programa Esquenta, da Regina Casé, vi um ator defender o uso da palavra “pobrema” como correto, afirmando que o fato de certas palavras serem faladas de uma determinada maneira – ainda que incorreta – por grande parte da população, confere a elas o satus de genuínas e aceitáveis como uma forma não “errada”, mas “diferente” de se falar. Sua argumentação era supostamente apoiada por um livro que ele brandia com determinação, livro este, se não me engano, publicado ou adotado pelo Ministério da Educação em algumas escolas.
Discordo peremptoriamente (e aqui uso um termo “difícil”de propósito) da afirmação. Sei que o ator teve a melhor das intenções, assim como os roteiristas do programa, ao defender um uso popular e dinâmico da língua portuguesa, em contraponto ao elitismo paralisante, digamos assim, e erudição afetada de certos gramáticos, linguistas e filólogos. Mas aí é que está o xis do problema. Não podemos relativizar as coisas a esse ponto. Do alto de minhas convicções de roqueiro escritor, muitas vezes erradamente confundido com uma espécie de “Professor Pasquale com brinco na orelha e guitarra Fender tatuada no braço”, afirmo que todo o nosso esforço deve ser feito no sentido de ensinar aqueles que falam “pobrema” a falarem “problema”, sob o risco de fazermos secar a exuberante fonte de nossa identidade (e resistência) cultural, e mais, de avariarmos a escadaria que nos conduz ao conhecimento e, por consequência, à liberdade: nossa língua.
É claro que, como organismo vivo, a língua se transforma e incorpora gírias, estrangeirismos e até eventualmente erros. Mas esses processos demandam mais que opiniões pessoais, doutrinação e confusão política, além de uma perceptível preguiça de encarar os degraus do estudo, aqueles que nos alçam às torres do saber. É preciso combater a ideia de que falar direito é um esforço inútil. Não vale também, como fez alguém no programa, usar o “Samba do Arnesto” do Adoniran Barbosa, como um exemplo de que falar “errado” é “certo”. Há uma distância imensurável entre o uso consciente e criativo da língua e o uso ignorante (sem nenhum preconceito contra pessoas que falam errado) da mesma.
Como diz uma velha professora aposentada, personagem de A Marca Humana, de Philip Roth, dirigindo-se a Nathan Zuckerman, o personagem narrador do livro: “No tempo do meu pai, e ainda no meu e no seu, quem fracassava era o indivíduo. Agora é a disciplina. Ler os clássicos é muito difícil, por isso a culpa é dos clássicos. Hoje o aluno afirma sua incapacidade como um privilégio. Eu não consigo aprender essa matéria, então essa matéria deve ter algum problema. E deve ter algum problema também o professor que resolve ensiná-la. Não há mais critérios, senhor Zuckerman, só opiniões”.
Por Tony Bellotto

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