quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Intervenções maléficas


José Pio Martins
  A lei de informática é um tipo de intervenção governamental que não depende de dinheiro público, mas que faz a diferença entre o sucesso e o fracasso de uma nação.

    Em artigo anterior, referi-me ao fato de que o clima de férias não é muito estimulante para as conversas sobre os assuntos econômicos. Ocorre que a economia não dá sossego. Benjamin Franklin dizia que “de duas coisas ninguém escapa: dos impostos e da morte”. Há outras coisas das quais também não dá para escapar. Não dá para fugir dos políticos nem dos economistas, pois, gostemos ou não, lá estão eles, no governo, interferindo o tempo todo em nossas vidas. Como disse um pastor evangélico dias atrás, “o mal não tira férias”.

    Há dois tipos de intervenção estatal: as intervenções onerosas e as intervenções não onerosas. Há certa impropriedade nessa expressão, porquanto, as tais “intervenções não onerosas” podem não impor ônus para o interventor (o governo), mas impõem ônus para o intervindo (o cidadão).

    Diz-se que o governo realiza intervenções onerosas quando executa projetos e medidas que implicam gasto de dinheiro, a exemplo de um hospital, uma escola, uma estrada. As medidas não onerosas, por sua vez, são aquelas que impõem comportamentos ou obrigações sobre o indivíduo e a sociedade, mas não exigem desembolso de dinheiro pelo governo. Se o governo resolve limitar a velocidade no trânsito a 60 km por hora ou proíbe fumar em locais fechados, essas medidas causam impactos sobre a vida das pessoas, mas não exigem que o tesouro público faça um cheque por causa disso.

    Um grupo interessante de se analisar são aquelas intervenções não onerosas, que, apesar de não exigirem dinheiro do governo, vão além de simplesmente impor alteração no comportamento dos indivíduos e provocam impactos profundos na economia e no desenvolvimento do país. Um exemplo negativo desse tipo de intervenção foi a famosa “Lei de Informática”, que proibiu o Brasil de importar computadores, proibiu a compra de tecnologia estrangeira, proibiu empresas estrangeiras de se instalar no Brasil e proibiu a importação de qualquer equipamento que contivesse componente eletrônico.

    Essa lei seguramente é uma das mais estúpidas normas legais que o Brasil já produziu em toda a sua história. Por ela, foi instituída a chamada “reserva de mercado de informática”, cuja finalidade era incentivar a produção de computadores e softwares com tecnologia genuinamente nacional. A proibição era extensa. Era proibida a importação de qualquer coisa que contivesse um chip. Lembro-me de duas mulheres que precisavam de marca-passo cardíaco e foram proibidas de importá-lo porque o equipamento continha um chip. Uma, que tinha dinheiro, foi aos Estados Unidos e voltou com o marca-passo no peito. A outra, sem recursos, simplesmente morreu. De vez em quando, a Justiça autorizava a importação de equipamento médico, sob o princípio de que o bem maior (a vida) prevalece sobre o bem menor (o xenofobismo do governo). O Brasil vivia um período de obscurantismo mental e ideológico no campo da economia, certamente incompreensível para os jovens de hoje.

    Apesar de paranoica, essa política vigorou por 16 anos no país, de 1974 até 1990, e só foi jogada no lixo por um ato impetuoso do presidente Collor, felizmente. O ministro da Indústria e Comércio de Geisel, o empresário Severo Gomes, notabilizou-se como um empedernido defensor da reserva de mercado de informática e foi um dos patronos da criação da Cobra – Computadores e Sistemas Brasileiros, empresa estatal destinada a ser uma espécie de Petrobras do computador. Essa estatal foi um grande fiasco e, enquanto o mundo inventava chips sofisticados para os computadores dos foguetes espaciais e a Microsoft revolucionava a tecnologia dos softwares, o Brasil brincava de tentar criar uma tecnologia genuinamente nacional.

    A lei de informática é um tipo de intervenção governamental que não depende de dinheiro público, mas que faz a diferença entre o sucesso e o fracasso de uma nação. Certa vez, o presidente Sarney foi aos Estados Unidos, e a televisão mostrou computadores sendo trazidos por membros da comitiva no avião do governo, o que era proibido pela lei. O Brasil só não ficou muito mais atrasado na introdução da microeletrônica, dos softwares e dos computadores no país porque o contrabando corria solto, e as autoridades faziam vistas grossas.

    Pois agora a Anatel inventou de querer controlar nossas ligações telefônicas, em detalhes. Houve muitos protestos, incluindo a OAB, que entende tratar-se de quebra de sigilo, porque nossas conversas poderiam ficar gravadas na agência, à disposição do governo e seus tripulantes, o que é, seguramente, um perigo. O governo nega e a novela continua. Veremos!
  
José Pio Martins, economista, é reitor da Universidade Positivo.

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