quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

NÃO VI E NÃO GOSTEI.


Leonardo
Attuch

Na semana passada, a alta corte se reuniu em
Brasília. Mais de 1,4 mil pessoas lotaram o
Teatro Nacional para assistir à pré-estréia do
filme "Lula, o Filho do Brasil". Nos círculos
do poder, onde o puxa-saquismo faz parte da
etiqueta social e é instrumento de ascensão
profissional, compreende-se que algumas pessoas
tenham sentado nas escadarias e se dependurado
nos lustres do teatro. Mas quando a produção
chegar às salas de cinema, dificilmente terá a
mesma recepção. E talvez entre para a história
como o filme de expectativas mais infladas já
rodado no País - e também o que menos
correspondeu a elas.

Por mais que Lula seja "o cara" e mereça a
popularidade que tem, existem razões
filosóficas, estéticas e morais para não se
assistir ao filme. A principal: é simplesmente
indecoroso que o produtor Luiz Carlos Barreto
tenha rodado sua sacolinha no auge do poder
petista. Com cerca de R$ 16 milhões arrecadados,
ele conseguiu produzir a película mais cara da
história do cinema nacional. Eike Batista,
aquele que queria um empurrão do Planalto para
ficar com a Vale, deu R$ 1 milhão. A Camargo
Corrêa, que depois de uma operação da Polícia
Federal foi socorrida pelo advogado Márcio
Thomaz Bastos, por sugestão direta do
presidente, também entrou no consórcio, assim
como duas outras empreiteiras. E a Oi, que
ganhou uma lei sob medida na telefonia, também
está no time dos patrocinadores. Por isso, é até
risivel o comentário do ministro do
Planejamento, Paulo Bernardo, que, na
pré-estréia, indagou: "Por que a oposição não
arruma alguém para fazer um filme também?" Ora,
simplesmente porque não tem a chave do cofre,
nem a chave da cadeia - e talvez porque tenha
algum decoro.

Se isso não bastasse, o principal ingrediente
do filme parece ser o sentimentalismo barato
daquelas produções "feitas para chorar". A
história de um herói improvável que supera
dificuldades e chega ao cume da glória,
carregado pelo povo. Na linha do indiano "Quem
quer ser um milionário?", o nosso poderia se
chamar "Quem quer ser um presidente?". Só que
a arte de Lula sempre foi o de transformar
adversidades, como a origem humilde e a falta
de diploma, em vantagens comparativas no jogo
da competição política. Numa sociedade tão
desigual e culpada como a brasileira, nada
disso foi obstáculo ao seu sucesso - e talvez
tenha até ajudado. Por tudo isso, e pelo
simples fato de que teria sido mais decente
esperar o fim da era Lula para rodar o filme,
a produção da família Barreto não vale o
ingresso, nem a pipoca.


Leonardo
Attuch

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