quarta-feira, 5 de agosto de 2009

O patriarca em seu crepúsculo mostra a face repulsiva do Brasil

5 de agosto de 2009
Augusto Nunes

Foi patética a performance do patriarca em seu crepúsculo. Mãos trêmulas, voz claudicante, lábios ressecados pela insegurança, o senador José Sarney fez o que pôde para provar que não conhece gente conhecida, que não tem parentesco com parentes, que não fez o que fez. Como na primeira proclamação de inocência, consumiu parte dos 50 minutos na tribuna lembrando atos de bravura imaginários e protagonizando façanhas alheias. Em seguida, caiu fora de ilegalidades que protagonizou. Nunca ouviu falar de atos secretos. Nem desconfiava do milagre da multiplicação dos diretores do Senado.

Eleito deputado há 54 anos, parecia um novato. Foi impiedoso com regras gramaticais, perdeu-se em falatórios erráticos sempre que saiu do script, conseguiu até trocar o nome da filha. “Roseana Macieira”, confundiu-se ao atribuir a Roseana Sarney a nomeação de Maria do Carmo Macieira. Avesso a audácias, o donatário da capitania do Maranhão teria enveredado por uma trilha que seria perigosa ─ mentir configura quebra de decoro, punida com a perda do mandato ─ se o Conselho de Ética não estivesse reduzido a uma caricatura medonha. Sarney confia na tropa de choque escalada para prolongar-lhe a agonia na presidência do Senado.

Alguns comparsas apareceram nos flashes da TV, que exibiu ao vivo o espetáculo do primitivismo. Fernando Collor endossando o discurso com movimentos verticais de cabeça, simulando a sobriedade que nunca teve. O sorriso cafajeste de Wellingon Salgado. A senilidade envilecida de Paulo Duque. Renan Calheiros com ar pensativo, planejando a próxima tramóia. Somadas, as imagens ofereceram a milhões de brasileiros a face cafajeste do Brasil. E é dessa gente que Sarney depende. E é esse o bando a que o PT se juntou “para garantir a governabilidade”. E é essa a turma que entra sem bater no gabinete de Lula.

Embora aposte na competência dos companheiros recrutados para o serviço sujo no Conselho de Ética, o orador desfechou no fim do discurso o que lhe pareceu um golpe de misericórdia. Revelou que um jornalista invadiu o escritório de um parceiro de negócios, capturou documentos particulares que estavam sobre a mesa e saiu em disparada. Para azar do vilão, tudo foi gravado. ”Aqui está a fita”, mostrou-a Sarney na mão direita. Mas seria magnânimo: para não prejudicar o gatuno (”que é uma figura humana”), resolveu engavetar a prova do crime. Só divulgará as imagens se alguém duvidar do que disse.

Não seja por isso: eu duvido, senador. Mostre a fita.

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