quarta-feira, 13 de maio de 2009

O dia em que bebi com Jânio(I)

A fera do Guarujá

Parte 1
Por Augusto Nunes

─ Eu não disse? ─ ouvi meu pai dizendo em outubro de 1960.
Depois daquele comício em que Jânio Quadros comeu um sanduíche de mortadela no palanque, o prefeito Adail Nunes da Silva tinha dito que o homem seria presidente da República. E repetiu nos dois anos seguintes a profecia que acabara de ser confirmada pelas urnas.
─ Eu não disse?
─ ouvi minha mãe dizendo em agosto de 1961.
Depois daquele jantar em que Jânio lhe pediu um sanduíche de mortadela depois da sobremesa, dona Biloca tinha dito que o homem era maluco. E repetiu durante os sete meses de governo o diagnóstico que, disso ela não tinha dúvida, a renúncia à Presidência acabara de ratificar.
─ Eu não disse?
─ ouvi o repórter Jomar Morais dizendo em maio de 1980, sentado no banco traseiro do fusca que subia a Via Anchieta.
Depois de cinco horas em companhia de Jânio, ele estava no jardim da casa de praia no Guarujá quando cheguei com o fotógrafo Pedro Martinelli, no começo da tarde, para a segunda etapa da reportagem de capa da edição 613 de VEJA.
http://veja.abril.com.br/acervodigital/?edicao=613&pg=16
─ Esse é do ramo─ disse Jomar com cara de espanto e voz em surdina.
─ Está tomando todas desde cedo e continua inteiraço. É fera.
Devia ter entendido o aviso, penitenciei-me em silêncio ao lado de Jomar no carro, com Pedrão no banco do co-piloto, que escalava a Serra do Mar à noitinha de volta a São Paulo. Que o homem era bom de copo eu sabia desde 1958, quando o vi derrubar mais de meia garrafa de conhaque enquanto jantava. Mas achei que o tempo conspirara a meu favor. Quase 22 anos depois da aparição em Taquaritinga, ele já tinha 63, eu pouco mais de 30. Dá pra encarar, acreditei naquele 28 de maio de 1980. Foi o dia em que bebi com Jânio Quadros.

Jomar soube com quem estava lidando logo depois de apresentar-se a Jânio em São Sebastião, última escala da rota percorrida pelo cargueiro norueguês que o trazia da temporada de dois meses na Europa. O viajante resolveu descer para passear na cidade deserta às sete da manhã. Ele já fez o aquecimento no navio, deduziu o repórter ao ver o candidato a homem da capa beijar com a mesma animação uma septuagenária vestida decorosamente e uma jovem de biquíni, traje que baniu por decreto tão logo assumiu a Presidência.
Entre São Sebastião e Santos, enquanto Jomar bebia água mineral, Jânio traçou 20 latinhas de cerveja dinamarquesa. Era só o começo, mostraria durante o almoço. Entre garfadas no prato com arroz, feijão, bife e batatas fritas, o anfitrião derrubou seis copos americanos de caipirinha sem interromper a entrevista, sem perder em nenhum momento o ritmo e o rumo. “Quem bebe caipirinha enquanto come é craque”, observou Pedro Martinelli ao ouvir a informação sussurrada no jardim. E então Jânio Quadros apareceu na porta da casa, vestindo um slack preto.
Continuava alegre, avisou o sorriso. Continuava loquaz, avisou a discurseira durante os cumprimentos. E continuava sedento, avisou a pergunta formulada tão logo se acomodou por trás da mesa do escritório:

─ O que os senhores jornalistas vão beber?, quis saber, estendendo a mão para a garrafa de vinho do Porto na estante.
Pedrão já estava do lado de fora da casa, testando lentes e ângulos perto da janela da sala. Jomar pediu mais um copo de água mineral.
─ Uísque─ caprichei na voz de frequentador de saloon.
O duelo do Guarujá iria começar.
...,
Parte 2 - http://marcoswanz.blogspot.com.br/2009/05/o-dia-em-que-bebi-com-janioii.html
Final - http://marcoswanz.blogspot.com.br/2009/05/o-dia-em-que-bebi-com-janiofim.html

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