quinta-feira, 13 de julho de 2017

Nove anos para o Nine? Fora do Brasil, nem notícia mais é.

O mundo precificou o Brasil há algum tempo. E o preço é muito, muito baixo. Não estamos falando aqui do interesse de investidores, do dinheiro sem fronteiras ou do que é colocado em produção, mas de leitores e dos próprios jornalistas.
A condenação de um ex-presidente apelidado Nine a nove anos e meio de prisão de um país que tem a nona maior economia do mundo em princípio deveria ser uma notícia forte. O fato é que, noves fora, zero.
Na maioria dos jornais, a sentença, que não é exatamente uma surpresa, apareceu em reportagens burocráticas, aquele tipo que os editores sentem que “tem que dar”, sem nenhum entusiasmo.
Foi assim a reportagem do New York Times, que pelo menos  apareceu na “primeira página” digital e seguiu os princípios fundamentais da honestidade jornalística, com entrevistas mostrando diferentes pontos de vista.
El País, Libération, Telegraph, todos fizeram reportagens apenas com as informações básicas ou soterradas na Sibéria.
“DIA HISTÓRICO”
Curiosamente, o mais interessante estava nos comentários dos leitores. Muitos brasileiros, evidentemente. E muitos fazendo observações pertinentes, como se explicassem aos estrangeiros o caráter excepcional e a importância do papel de juízes, promotores e cidadãos comuns na revolta contra a corrupção.
Muitos, também, expondo um ponto de vista mais à direita, com argumentos elaborados. Comentando no New York Times, Alex avisou: “Para aqueles que não acostumados à a política brasileira: nos comentários abaixo vocês verão muitos partidários de Lula reclamando de injustiça e condenado ‘as elites’. Quase tudo tem motivação ideológica e, portanto, uma distorção profunda.”
“Um dia histórico quando todos os homens são tratados de forma igual perante a lei”, escreveu Gustavo. “Todos os comentários politicamente motivados não captam a importância das diferentes instituições como fundamento da democracia. Um passo na direção certa, independentemente de se gostar ou não de Lula”.
As reações dos leitores americanos foram focadas, por motivos óbvios, na divisão política nos Estados Unidos. Uma parte torcendo para que a hora de Donald Trump chegue logo, outra para que chegue logo a hora de Hillary Clinton, Barack Obama e um longo etc.
Uma curiosidade: comentando a reportagem de Frances Martel, a jovem editora de origem cubana que tem um nível mais qualificado de curiosidade sobre o Brasil, João Marcos comparou: “Nossos políticos são muito mais corruptos do que os americanos”.
Depois de uma explanação sobre os diferentes casos de corrupção, concluiu: “Aqui no Brasil somos literalmente governados por uma quadrilha. Realmente espero que a América, sendo um país civilizado, processe Obama e Killary”.
Vários leitores do Breibart não só adoraram, evidentemente, como sugeriram a João Marcos que se candidatasse a emigrar para os Estados Unidos. “Não vão deixar, seu QI é muito alto e você não é um criminoso que quer mamar na previdência”, brincou um deles, em tom característico do site.
OUTRO PLANETA
Até o Guardian, que investe na cobertura do Brasil de um ponto de vista de esquerda, deixou a notícia numa, página tão distante que, para chegar a ela, o leitor precisou fazer uma verdadeira expedição.
Depois de numerosas reportagens indicando extrema má vontade com os fatos, por serem “desfavoráveis” à esquerda, o jornal  britânico se entusiasmou com os novos desdobramentos no Brasil, por motivos óbvios.
Em junho, fez um minucioso levantamento das investigações, condenações e reviravoltas políticas dos últimos anos, com um título direto e preciso, “Operação Lava Jato: é este o maior escândalo de corrupção da história?”.
Só errou, por dois motivos, na ilustração, a silhueta do Cristo Redentor com um revólver numa mão e um saco de dinheiro na outra.
O primeiro erro é conceitual: se a estátua representa o Brasil, deveria estar no papel de assaltado e não de assaltante. As vítimas da corrupção são, evidentemente, os brasileiros.
As muitas caricaturas que mostram a estátua da Liberdade e Donald Trump sempre mostram o símbolo dos Estados Unidos sofrendo algum abuso por parte do presidente – até decapitada já foi, numa capa furiosa e violenta da revista alemã Der Spiegel.
O segundo erro do Guardian foi o uso de uma imagem religiosa. Desrespeitar símbolos religiosos é um dos princípios fundamentais da liberdade de expressão – mas só, para as publicações ideologicamente à esquerda, quando são cristãos.
O jornal que condenou como “incendiários” os cartuns do profeta Maomé do jornal satírico Charlie Hebdo, que resultaram na chacina de onze jornalistas e outros, colocou o Cristo como bandido.
O papelão, como sempre, foi da BBC. O ex-presidente, condenado com sentença lavrada, “enfrenta acusações” e “poucas pessoas polarizam o debate político mais do que ele” – este um dos recursos jornalísticos mais batidos de todos os tempos.
E o juiz Sergio Moro “é outra figura” que divide a opinião pública. Além de torcer pelo dragão, como sempre, a BBC deve estar fazendo suas reportagens em outro planeta.

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