sábado, 14 de janeiro de 2017

J.R. Guzzo: Salvem os ratos

Era mesmo de se esperar que mais cedo ou mais tarde iria aparecer um Pró-Rato.

É uma brincadeira comum, quando se quer mexer um pouco com as esquisitices em modo extremo do “movimento”, digamos assim, de “defesa dos animais”, dizer: “Nunca vi ninguém brigando pela preservação dos ratos”. Já foi o tempo. Nesse mundo interessantíssimo em que vivemos, passou a existir ainda outro dia, sim senhor, um grupo de cidadãos que, a exemplo das baleias ou do mico-leão-dourado, lançou um novo lema no crescente mercado dos direitos animais: “Salvem os ratos.” Começou com o manifesto lançado na internet por uma psicopedagoga de Paris, indignada com uma ação dos serviços sanitários municipais para exterminar uma parte, pelo menos, dos 6 milhões de ratos que, segundo os técnicos da prefeitura, mantêm domicílio fixo na capital francesa. O documento exigia a suspensão imediata das ações de combate aos ratos, dentro do argumento mais ou menos central, pelo que foi possível entender, segundo o qual as autoridades estariam matando ilegalmente seres vivos do reino animal – um escândalo, alega a psicopedagoga, pois é dever do poder público proteger, e não matar, as espécies animais presentes na natureza.
O autor desta nota admite que nunca soube, em mais de 50 anos de vida no jornalismo, o que é uma psicopedagoga – o que não quer dizer nada, é claro, levando-se em conta a quantidade sem limites de coisas que ele nunca soube e provavelmente nunca saberá. Mas os próprios profissionais do ramo acham que não é para qualquer um saber que a psicopedagogia se dedica a desvendar as dificuldades, inclusive de ordem clínica, que prejudicam o aprendizado escolar. Por aí se vê, de qualquer forma, que não se trata de pessoas sem influência; podem ser ouvidas e ter suas opiniões levadas a sério, principalmente dentro e nas vizinhanças do seu biossistema. No caso de Paris, foi possível constatar imediatamente que a voz que se levantou em favor dos ratos não estava só: logo depois da divulgação do seu discurso na internet, perto de 20.000 pessoas vieram se juntar à causa. À esta altura já podem ser mais. Uma nova ONG, SOS-Rato, ou algo assim, talvez esteja em formação enquanto você lê estas palavras. Com toda a probabilidade, a coisa vai se espalhar para outros países da Europa – e dali quem sabe para onde mais, neste mundo em estado permanente de angústia quanto ao futuro dos bichos? Qualquer bicho, aliás, como se vê com essa história dos ratos parisienses.
Numa época sem causas, ou com um número tão colossal de causas que acabam, todas elas, superando uma às outras em desimportância, era mesmo de se esperar que mais cedo ou mais tarde iria aparecer um Pró-Rato. Ninguém deve se admirar, aliás, se vierem a seguir movimentos em prol da salvação das baratas, ou dos piolhos ou de outras coisas repugnantes. Por que não? Por acaso cada um deles não seria também um ser vivo animal, com sua própria cultura, sua dignidade e seus direitos? Por que a discriminação? É melhor você não entrar numa discussão dessas com algum militante mais combativo – vai perder na certa. No caso dos ratos de Paris, a autora do manifesto cobrou das autoridades nada menos que “a criação de políticas” de manejo dos ratos, exigiu o fim do “stress” a que estão hoje submetidos e garantiu que eles não fazem nenhum mal a saúde de ninguém. Há universidades em países do primeiro mundo onde se discute seriamente a “libertação” pura e simples de todos os animais domésticos ou criados para a produção de proteínas, e sua imediata soltura na natureza – eles estariam sujeitos, hoje, a um inadmissível regime de “escravidão”. E onde seriam soltos, por exemplo, os 215 milhões de bois e vacas do rebanho brasileiro atual? Isso não é problema nem do boi e nem da vaca, responde o movimento. Foi o homem quem criou essa encrenca; ele que a resolva. Fala-se, cada vez mais, em “direitos dos animais”. É um disparate: é impossível, simplesmente, atribuir direitos civis, políticos ou de qualquer ordem a seres irracionais; o que existe são obrigações legais, para o cidadão, de não maltratar os animais, e não depredar uma natureza que é patrimônio de todos.
Os ratos de Paris, em todo caso, certamente não precisam da ajuda da psicopedagoga que se lançou em sua defesa. Ratos são bichos de imensa experiência no convívio com os homens – há 10.000 anos, pelo menos, o ser humano vem tentando de tudo para acabar com a raça e, a cada ano que passa ela fica mais forte. Provavelmente não existe na história um animal tão perseguido pelo ser humano – e provavelmente não existe algum outro tão longe da extinção, ou do status de “espécie ameaçada”. Nunca teve a ajuda de uma ONG. Sabe mais que qualquer dos seus defensores. Sabe mais que qualquer serviço de desratização. E o Brasil, nisso tudo – como ficamos? É preciso notar, por uma questão mínima de justiça, que por aqui já existe há muito tempo um fortíssimo movimento com o lema “Salvem os Ratos”.
Mas é outra causa, e são outros ratos.

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