domingo, 6 de novembro de 2016

De onde vêm as palavras: Quem vai pôr o guizo no pescoço dos ratos?

Deonísio da Silva conta quem foi o primeiro dos muitos larápios da história.

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cunha-estadao
O provérbio está alterado, mas no fim vocês haverão de entender por quê.
Na antiga Roma, pontificava um juiz corrupto e ladrão. Ele se chamava Lucius Antonius Rufus Appius. Não negociava medidas provisórias. Aliás, medida provisória parece coisa de miss ou de modelo, porque com o tempo as medidas provisórias são substituídas pelas medidas definitivas, que alteram completamente o perfil da pessoa.
Esse juiz fazia no tempo dos césares, na distante Roma, o que vários juízes são acusados de fazer ainda hoje no Brasil. Ele vendia suas sentenças, assinando-as com as letras iniciais dos três primeiros nomes, mantendo inteiro apenas o último nome. Ficava assim: L. A. R. Appius, que todos liam larapius.
Quando veio para o Latim vulgar, esta palavra passou a designar o ladrão. E com este significado chegou ao Português larápio. É o que reza a lenda etimológica. “Se non è vero, è bene trovato” (se não é verdadeiro, é bem achado), como diz o provérbio italiano.
Há outras curiosidades acerca das palavras que designam o ladrão. Uma das mais comuns é gatuno, palavra que veio de gato.
Ora, é uma tremenda injustiça com o bichano, um dos mais queridos animais de estimação. O gato não rouba, ele confisca o que precisa para o seu sustento. Quem tem gatos em casa, sabe bem quem é que manda. Não são os donos dos animais. Ao contrário. Quem manda nos donos são os gatos!
Ulysses Guimarães, presidente da Câmara dos Deputados quando foi promulgada a atual Constituição, sempre citava a célebre fábula de Jean de La Fontaine ao tomar conhecimento de projetos de difícil execução. Ele perguntava aos parlamentares: e quem vai pôr o guizo no pescoço do gato?
La Fontaine conta que os ratos decidiram em assembleia pôr um guizo no pescoço do gato, o eterno inimigo. Assim, quando ele se aproximasse, eles fugiriam a tempo de não serem pegos.
Um rato velho, calado durante toda discussão do projeto, endossou o plano, mas fez uma pergunta que se tornou famosa: quem vai pôr o guizo no pescoço do gato?
Pois é, a fábula é do século XVII. Mas nunca foi tão atual. O que pode ter mudado é que hoje é preciso pôr guizo no pescoço de uma multidão de ratos. E os gatos são poucos. Eles não são larápios, mas talvez pudessem agir mais rapidamente.

De onde vêm as palavras: A mentira tem as pernas curtas

Deonísio da Silva conta também por que a esperteza, quando é muita, vira bicho e come o dono.

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pinoquio
O brasileiro é bonzinho. Fala com humor, raramente com raiva, dos grandes mentirosos. E adotou figuras e provérbios inocentes, como o do título, para falar de mentirosos que muitos prejuízos deram e dão ao povo.
Em outras culturas, a mentira é punida com mais rigor, inclusive na memória popular. Um dos grandes provérbios é: mendax et furax (mentiroso e ladrão), dá conta de que “quem mente, rouba”. E, em traduções diversas, espalhou-se por muitas línguas.
Pinóquio deu cara (de pau) à mentira e é seu personagem-símbolo. A cada nova mentira, maior fica seu nariz. Pergunte ao Google, o oráculo de Delfos de nosso tempo, quais são os maiores mentirosos do mundo. Há números-símbolos para tudo: Sete Maravilhas do Mundo Antigo, Dez Pragas do Egito, Quatro Virtudes Cardeais, Sete Pecados Capitais etc. Mas o número dos Pinóquios, como o do Outro, é Legião.
Pinóquio é conhecido em todo o planeta, mas, à semelhança de Sherlock Holmes, poucos sabem quem é seu autor. Pois ele foi inventado por Carlo Collodi, pseudônimo do jornalista e escritor italiano Carlo Lorenzi, filho de um cozinheiro e de uma dona de casa. Bem-humorado e sarcástico, tinha grande interesse por temas políticos e por isso foi muito perseguido e censurado.
Em fins do século XIX, na mesma época em que Machado de Assis publicava Memórias Póstumas de Brás Cubas (em capítulos, na Revista Brasileira), Carlo Collodi publicava (também em capítulos, no Jornal para as Crianças), História de um Boneco, primeiro título de As Aventuras de Pinóquio.
Todavia o provérbio é mais antigo. Veio originalmente do Grego e chegou a muitas línguas, inclusive ao Português, depois de uma escala no Italiano: le bugie hanno le gambe corte (as mentiras têm as pernas curtas).
O provérbio indica que as mentiras, como as de Pinóquio, logo são descobertas. Flagrado na primeira mentira, o mentiroso contumaz inventa a segunda, depois outra, mais outra, enfim dezenas, centenas, milhares. Mas outro ditado, vindo de Portugal, avisa: “a esperteza, quando é muita, vira bicho e come o dono”. Ela já devorou muitos brasileiros e está devorando outros mais. Pais e filhos, e maridos e mulheres já foram presos juntos. Há outros seguindo o mesmo caminho.
O brasileiro médio lê pouco e por isso guarda mais facilmente na memória frases e provérbios que tenham rimas ou versos curtos. Pois ele raramente leu o que repete. Ele apenas ouviu. Ou guardou na memória a ilustração que viu e se lembra da frase famosa. Pode ser uma foto ou um desenho. Ou uma cena da televisão, que faz do jornalismo atual um folhetim por cujos capítulos todos esperam ansiosamente. Até o desfecho.

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