quinta-feira, 24 de julho de 2014

Ata do Copom: à espera da ajuda dos deuses


O Comitê de Política Monetária (Copom) divulgou a ata de sua 184a reunião, na qual foi decidido por unanimidade manter a taxa básica de juros (Selic) em 11% ao ano, sem viés. Ao ler as justificativas e previsões dos envolvidos na decisão, ficamos com a nítida impressão de que acreditam demais na palavra dos governantes e se colocam à espera da ajuda dos deuses. Vejamos:
Em síntese, as informações disponíveis sugerem certa persistência da inflação, o que reflete, em parte, a dinâmica dos preços no segmento de serviços.
Ok, constata-se o óbvio ululante.
O saldo da balança comercial atingiu US$3,1 bilhões em doze meses até junho. Esse resultado adveio de exportações de US$238,3 bilhões e de importações de US$235,2 bilhões, com recuo de 0,6% e avanço de 2,0%, respectivamente, em relação ao acumulado até junho de 2013. Por sua vez, o deficit em transações correntes acumulado em doze meses atingiu US$81,9 bilhões em maio, equivalente a 3,6% do PIB. Já os investimentos estrangeiros diretos totalizaram US$66,5 bilhões na mesma base de comparação, equivalentes a 2,9% do PIB.
O déficit em transações correntes acumulado em 12 meses já ultrapassa US$ 80 bilhões, chegando a quase 4% do PIB. É um dado preocupante. Hoje, boa parte disso é financiada pelos investimentos diretos, de quase US$ 70 bilhões, mas não se sabe ao certo quanto desse valor é realmente investimento e quanto é hot money em busca de arbitragem de juros, ou seja, dinheiro que no menor espirro ou sinal de crise sai da noite para o dia.
Com base nesses modelos, projeta-se variação de 6% para o conjunto dos preços administrados por contrato e monitorados, em 2015, ante 5% considerados na reunião do Comitê de maio; e de 4,8% em 2016.
O Copom se aproxima um pouco mais da realidade, mas ainda se encontra distante dela. Já reconhece um aumento de 14% nas tarifas de energia elétrica, mas é pouco. Sabemos que vários preços administrados estão represados, e terão de subir bem à frente. Contar com aumento de apenas 6% em 2015 e 4,8% em 2016 parece algo extremamente otimista.
O cenário de referência leva em conta as hipóteses de manutenção da taxa de câmbio em R$2,20/US$ e da taxa Selic em 11,00% ao ano (a.a.) em todo o horizonte relevante. 
Trabalhar com um câmbio estável em R$ 2,20 parece outra premissa extremamente agressiva, ainda mais quando lembramos do déficit em conta corrente perto de 4% do PIB. No fundo, o próprio BC já realizou inúmeros leilões de swap cambial para segurar o câmbio neste patamar. Foram mais de US$ 100 bilhões! Caso contrário, o dólar já estaria, provavelmente, acima de R$ 2,50. O cobertor é curto e o BC interfere no câmbio para não pressionar ainda mais a inflação, mas isso acaba prejudicando nossa indústria.
Nesse cenário, a projeção para a inflação de 2014 elevou-se em relação ao valor considerado na reunião anterior, e permanece acima da meta de 4,5% fixada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). No cenário de mercado, que leva em conta as trajetórias de câmbio e de juros coletadas pelo Gerin com analistas de mercado, no período imediatamente anterior à reunião do Copom, a projeção de inflação para 2014 também se elevou em relação ao valor considerado na reunião de maio e permanece acima da meta para a inflação. Para 2015, em ambos os cenários, a projeção de inflação elevou-se em relação ao valor considerado na reunião do Copom de maio e se encontra acima do valor central da meta.
Correção: não permanece acima da meta, mas bem acima! A meta é 4,5%, e as estimativas apontam para um índice de inflação acima de 6% ainda em 2015. Ou seja, a âncora se soltou, e todos trabalham com esse número como se fosse a nova meta oficial. É uma inflação alta demais para qualquer um, ainda mais para um ex-viciado como o Brasil.
O Copom ressalta que a evidência internacional, no que é ratificada pela experiência brasileira, indica que taxas de inflação elevadas geram distorções que levam a aumentos dos riscos e deprimem os investimentos. Essas distorções se manifestam, por exemplo, no encurtamento dos horizontes de planejamento das famílias, empresas e governos, bem como na deterioração da confiança de empresários. O Comitê enfatiza, também, que taxas de inflação elevadas subtraem o poder de compra de salários e de transferências, com repercussões negativas sobre a confiança e o consumo das famílias. Por conseguinte, taxas de inflação elevadas reduzem o potencial de crescimento da economia, bem como de geração de empregos e de renda.
Todo economista sabe disso, ou deveria. Agora resta a turma do Copom explicar ao próprio governo Dilma, ao ministro Guido Mantega, a todos que têm repetido que não se deve combater a inflação com “arrocho salarial” e espalhado a falsa dicotomia de que é preciso um pouco mais de inflação para ter um pouco mais de crescimento. Besteira! A inflação alta, produzida pelo próprio governo sob a conivência do BC, não produziu crescimento algum. Pelo contrário…
Embora reconheça que outras ações de política macroeconômica podem influenciar a trajetória dos preços, o Copom reafirma sua visão de que cabe especificamente à política monetária manter-se especialmente vigilante, para garantir que pressões detectadas em horizontes mais curtos não se propaguem para horizontes mais longos.
Sim, seria ótimo se o BC tivesse a ajuda do governo federal com uma política fiscal menos expansionista. Mas já que o Copom reconhece que cabe à política monetária se manter vigilante, então resta explicar o que aconteceu para trás. O vigia dormiu no ponto? Por que a inflação está acima do teto da elevada meta, mesmo com um crescimento econômico pífio, quase nulo? Onde está o reconhecimento dos equívocos do próprio BC? Como vamos acreditar que o vigia ficará atento agora, se a inflação prevista continua bem acima da meta?
Para o Comitê, é plausível afirmar que esses desenvolvimentos – somados a avanços na qualificação da mão de obra e ao programa de concessão de serviços públicos – traduzir-se-ão numa alocação mais eficiente dos fatores de produção da economia e em ganhos de produtividade. O Comitê ressalta, ainda, que a velocidade de materialização das mudanças acima citadas e dos ganhos delas decorrentes depende do fortalecimento da confiança de firmas e famílias.
De onde vêm esses avanços na qualificação da mão de obra? Das cotas raciais? Ninguém sabe. As concessões até podem melhorar a alocação de capital e a eficiência dos serviços públicos, pois ninguém é tão incompetente como o próprio governo. Mas daí a acreditar que esses leilões tardios serão suficientes para resgatar o aumento da produtividade da economia, e ainda esperar do além um fortalecimento da confiança das empresas e das famílias endividadas vai uma longa distância.
O Copom observa que o cenário central para a inflação leva em conta a materialização das trajetórias com as quais trabalha para as variáveis fiscais e que se criam condições para que, no horizonte relevante para a política monetária, o balanço do setor público se desloque para a zona de neutralidade. O Comitê nota ainda que a geração de superavit primários compatíveis com as hipóteses de trabalho contempladas nas projeções de inflação, de um lado, contribuiria para arrefecer o descompasso entre as taxas de crescimento da demanda e da oferta; de outro, contribuiria para criar uma percepção positiva sobre o ambiente macroeconômico no médio e no longo prazo.
Resta combinar com o governo. Será que o BC acredita mesmo no superávit fiscal anunciado pelo governo Dilma? E os malabarismos contábeis, não são levados em conta? E o “orçamento paralelo” do BNDES, será simplesmente ignorado?
No mercado de fatores, o Copom destaca a estreita margem de ociosidade no mercado de trabalho e pondera que, em tais circunstâncias, um risco significativo reside na possibilidade de concessão de aumentos de salários incompatíveis com o crescimento da produtividade e suas repercussões negativas sobre a inflação. Não obstante a concessão este ano de reajuste para o salário mínimo não tão expressivo quanto em anos anteriores, bem como a ocorrência nos últimos trimestres de variações reais de salários mais condizentes com as estimativas de ganhos de produtividade do trabalho, o Comitê avalia que a dinâmica salarial ainda permanece originando pressões inflacionárias de custos.
Ou seja, o Copom reconhece que o governo Dilma foi irresponsável ao conceder aumentos salariais tão acima do aumento da produtividade nos últimos anos? Por que não fez mais pressão antes? Estaria o Copom recomendando ao governo Dilma um “arrocho salarial”, que a presidente acusa a oposição de defender?
A propósito, para combater essas e outras pressões inflacionárias, as condições monetárias foram apertadas, mas o Comitê avalia que os efeitos da elevação da taxa Selic sobre a inflação, em parte, ainda estão por se materializar. 
Ou seja, apesar de a inflação corrente e esperada ainda estar bem acima da meta, o Copom considera que já fez seu trabalho e resta apenas aguardar no local, pois a queda virá, sabe-se lá como ou quando?
O Copom avalia que a demanda agregada tende a se apresentar relativamente robusta no horizonte relevante para a política monetária. De um lado, o consumo das famílias tende a registrar ritmo moderado de expansão, devido aos efeitos de fatores de estímulo como o crescimento da renda e a expansão moderada do crédito; de outro, condições financeiras relativamente favoráveis, concessão de serviços públicos, ampliação das áreas de exploração de petróleo, entre outros, tendem a favorecer a ampliação dos investimentos. Esses elementos e os desenvolvimentos no âmbito parafiscal e no mercado de ativos são partes importantes do contexto no qual decisões futuras de política monetária serão tomadas, com vistas a assegurar a convergência tempestiva da inflação para a trajetória de metas.
O próprio Copom admite que a confiança das empresas está em queda acentuada, mas depois joga todas as suas fichas e esperança nos investimentos, que vão retornar só porque o governo vai licitar novas áreas de exploração de petróleo? Quem vai investir pesado? A Petrobras, empresa mais endividada do mundo? Nossa indústria, sangrando a cada ano, vai retomar um plano agressivo de investimentos?
Não vai. Ao menos não enquanto esse for o governo e essa a equipe do BC, subserviente ao mesmo governo. O que se pode extrair da ata do Copom é que seus membros aguardam uma grande ajuda dos deuses, e preferem apostar na sorte e acreditar nas metas oficiais do governo, que não têm sido cumpridas sistematicamente. Fica difícil apostar que, em algum horizonte visível, a inflação irá realmente convergir para o centro da meta, ao menos enquanto Dilma for a presidente.
Rodrigo Constantino

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