terça-feira, 10 de junho de 2014

O medo do desamparo na propaganda do PT

O PT resolveu apelar para o medo e deixou no ar um gosto de chantagem emocional

EUGÊNIO BUCCI
09/06/2014 07h00 - Atualizado em 09/06/2014 07h58
Há poucos dias, o Partido dos Trabalhadores fez outra investida maciça na televisão. Como de costume, a peça publicitária exibida tinha a exuberância de uma superprodução cinematográfica, com cenas arrebatadoras, plasticamente impecáveis. Incrível como, atualmente, o acabamento dos comerciais dos partidos políticos dá um banho em todo o resto. Lá está o que há de melhor em requintes visuais. Nesse quesito, a propaganda petista deixa no chinelo a novela das 9 e humilha impiedosamente a imensa maioria das outras campanhas publicitárias, como aquelas de supermercado (uma delas estrelada pelo técnico Felipão e sua mulher), que mostram fotografias de pedaços de carne, saquinhos de cebola e outros itens de alimentação. A publicidade do PT é outra conversa. Outra estética. Lembra filmes de Hollywood.
A despeito de seus méritos técnicos, a propaganda petista virou alvo de críticas severas. Muita gente reclamou, com razão. A mensagem do PT, desta vez, resolveu apelar abertamente para o medo e aprofudar o sentimento de insegurança que já se sente nas ruas. Vinda de um partido a que pertence ninguém menos que a presidente da República, a campanha deixou no ar um gosto cavernoso de chantagem emocional.
Chantagem pesada. Na tela, surgem personagens alegres, bem vestidas, que de repente dão de cara com si mesmas em trajes puídos, barba por fazer, olhos de abandono. O fazendeiro sorridente na direção da caminhonete novinha se vê como retirante no acostamento da estrada de terra, sob um fundo musical de fazer chorar até o sofá da sala. O garotinho que vai para a escola de uniforme imaculado e mochila da moda é sobressaltado pela imagem de si próprio, limpando o para-brisa de um automóvel em troca de esmola. Então, a voz grave do locutor ameaça: “Nosso emprego de hoje não pode voltar a ser nosso desemprego de ontem”. As cenas continuam escorrendo, feito lágrimas, e a voz adverte: “O Brasil não quer voltar atrás”. Dá medo ou não dá?
Esse tipo de discurso ameaçador não é novidade. O amanhã é descrito não como um tempo, mas como um lugar. E só chegaremos a esse lugar se soubermos andar para a frente, com o perdão do pleonasmo. O PT, nesse ponto, fala como se fosse a reencarnação de Moisés. Chama o povo para a “terra prometida”. Não se pode “voltar atrás”. Não pense que voltar atrás significa mudar de ideia. Não pense que mudar de ideia pode ser uma uma virtude. Não, “voltar atrás” não é um direito de quem é livre. “Voltar atrás”, na linguagem do locutor que desfere admoestações fatais, é como trair, é como dar marcha a ré, é como pular de cabeça no passado, no inferno.
A voz grave do PT não está sozinha no deserto. Poucas semanas antes, uma acachapante campanha televisiva do PCdoB, aliado da presidente Dilma, insistiu nas mesmas figuras de linguagem. Temos que “avançar”, diziam os próceres comunistas. A própria Dilma, em seu pronunciamento oficial de 1o de Maio, em cadeia nacional de rádio e TV, bateu na mesma tecla. Falou exaustivamente em “lutas” que foram vencidas – “estamos vencendo a luta mais difícil e mais importante, a luta do emprego e do salário” – e de outras lutas que terão de ser travadas, como as “reformas mais profundas”. Falou também dos “adversários que querem manter seus privilégios e as injustiças do passado”. Em suma, “avançar” é dar os passos na direção desse lugar chamado futuro e vencer os defensores do passado.
Isso mesmo: assistimos a um jogral consistente, em que pronunciamentos oficiais da Presidência da República falam a mesma língua do marketing político dos partidos, sempre com o propósito de assustar o cidadão. Lembremos que, em 2002, foi o PSDB que apelou para o pânico. Contratou a atriz Regina Duarte para arregalar os olhos diante da câmera e exclamar “eu tenho medo”, numa extremada baixaria eleitoral. Agora, é o PT quem parte para a baixaria. É como se ameaçasse: “Cuidado, eleitor! Se você voltar atrás, ficará sem emprego, sem mochila, sem caminhonete e, principalmente, sem amor, sem amparo, sem alegria e sem futuro”. É como se ordenasse: “Não reexamine suas escolhas, não mude, não arrisque, não pense”. Não há outra palavra: o nome disso é terrorismo simbólico. A não ser que...
A não ser que os dirigentes do PT não estejam falando do povo brasileiro, mas de si próprios. Querendo instilar o medo no eleitor, talvez tenham revelado, sem querer, o medo que eles mesmos sentem. Não sem motivo. Se o eleitor voltar atrás e mudar de ideia, quem perderá o emprego e a alegria serão eles.

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