terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Biografia de Liev Nikoláievitch Tolstói..., dica de leitura para as férias...,

LIVROS: Uma ótima biografia de um escritor extraordinário, o russo Tolstói

O PATRIARCA BOLCHEVIQUE -- O escritor em seus últimos anos,  quando renunciou à riqueza e almejava o ideal cristão de uma vida simples e destituída
O LÍDER MORAL DA “MÃE RÚSSIA” — O escritor em seus últimos anos, quando renunciou à riqueza e almejava o ideal cristão de uma vida simples e destituída (Foto: Corbis / Latinstock)
Resenha de Mario Mendes, publicada em edição impressa de VEJA
 NADA MENOS QUE O DIVINO
Envolvente como um romance épico, uma nova biografia do escritor russo Liev Tolstói mostra o artista dividido entre as glórias mundanas e as aspirações do espírito
Quando estava na casa dos 70 anos, o russo Liev Tolstói (1828-1910) costumava surpreender gente com metade da sua idade, que não conseguia acompanhá-lo em uma caminhada pela neve. Esse hábito diário era exercitado no ar límpido da manhã e na enregelante escuridão noturna, mas nunca em caminhos livres do gelo das nevascas: o escritor preferia enfrentar as trilhas tortuosas e selvagens ou os campos abertos, onde os pés mergulhavam até os tornozelos na brancura gélida.
A passagem, logo no início de Tolstói, a Biografia, de Rosamund Bartlett (tradução de Renato Marques; Biblioteca azul; 640 páginas; 69,90 reais), deixa claro que quem desejasse seguir seus passos (três obras-primas da literatura, milhares de exemplares vendidos e mais milhares de seguidores de seus ideais cristãos pacifistas em todo o mundo, além de dez filhos) precisaria de muito mais do que simples disposição física.
É a maneira de a biógrafa frisar, desde o princípio, sua tese de que o sobre-humano Liev Nikoláievitch Tolstói viveu “uma vida russa” — o subtítulo original do livro em inglês —, “revelando tanto o dionisismo natural quanto o ascetismo cristão”.
Especialista em literatura russa (ela também escreveu uma festejada biografia de Anton Tchekov), a inglesa Rosamund estava traduzindo o clássico Anna Karenina (1877) quando decidiu mergulhar num relato da vida do autor para, segundo ela, compreender melhor como ele construíra uma obra literária de extrema complexidade a partir de uma prosa clara e simples.
Estilo de vida de camponeses a que Tolstói almeja, e pelo qual foi acusado de estar “Usurpando o emprego de Deus”  (Foto: Corbis / Latinstock)
Estilo de vida de camponeses a que Tolstói almeja, e pelo qual foi acusado de estar “Usurpando o emprego de Deus” (Foto: Corbis / Latinstock)
Em sua viagem pela trajetória do escritor, porém, ela providencialmente evitou a análise acadêmica. Preferiu radiografar o homem brilhante repleto de contradições, capaz de tratar a mulher e as filhas com desdém e, ao mesmo tempo, escrever sobre a condição feminina de seu tempo com empatia e sem enfeites ou retoques.
À moda das narrativas do século XIX, Rosamund coloca o biografado e toda a dinastia Tolstói — que seria de origem alemã e teria se transferido para a Rússia no século XIV — como protagonistas de um grande drama histórico russo. Além de esmiuçar os diários que tanto Tolstói como sua mulher, Sonya, mantiveram durante toda a vida (e a caudalosa correspondência do escritor com amigos, intelectuais e admiradores), ela inicia a narrativa com uma série de episódios, muitas vezes cômicos, vividos pelos antepassados do escritor às voltas com os soberanos Ivan, o Terrível, e Pedro e Catarina, os Grandes.
Graças à profusão de fotografias de Tolstói feitas quando ele já era um ancião de barbas brancas (e famoso internacionalmente como o líder moral da “mãe Rússia”), a impressão que se tem dele, ainda que absurda, é de que tivesse sido velho desde sempre. Por isso as descrições das peripécias de juventude são os momentos mais coloridos do livro.
Neles, a biógrafa apresenta algumas das matrizes que deram origem aos personagens da aristocracia e do exército russos que mais tarde povoariam a obra monumental que tem em Guerra e Paz (1869) e A Morte de Ivan Ilitch (1886), além de Anna Karenina, seus pontos máximos. Por ironia, foi exatamente essa parte da vida que Tolstói tentou enterrar na velhice: a do jovem nobre, filho de pai conde e mãe princesa e herdeiro da senhorial propriedade Iásnaia Poliana, oficial do exército e grande apreciador das mesas de jogo e dos bordeis.
A partir dos anos 1880, Tolstói atravessou uma crise mística que o levou a se dedicar com fervor à fé cristã e a adotar o bem comum como objetivo supremo. (E o levou também, para desespero da mulher, a desfazer-se de tantos bens quanto ela deixasse escapar de sua supervisão.)
Durante a jornada espiritual que empreendeu até o fim de seus dias, Tolstói foi precursor de movimentos que ainda sobrevivem na pauta do dia: o anticapitalismo, o vegetarianismo, a defesa dos direitos dos animais, a luta contra a exploração do trabalho escravo e o apego à não violência.
A autora, porém, não se rende à simples glorificação do mito. Dá voz também a importantes antagonistas do escritor, como o crítico literário e dissidente soviético Alexander Boot, para quem “o patriarca dos bolcheviques” almejava muito mais do que a santidade em vida: “O conde Tolstói estava determinado a usurpar o emprego de Deus”, ironizou Boot. Considerando que um embate do escritor com Nicolau II (que só não o mandou prender e executar porque se tratava do homem mais admirado da Rússia) terminou com Tolstói sendo aclamado pelo povo como maior que o divino czar, ao menos nos termos de uma vida russa ele chegou bem perto de tal objetivo.
http://veja.abril.com.br/blog/ricardo-setti/dica-de-leitura/livros-uma-otima-biografia-de-um-escritor-extraordinario-o-russo-tolstoi/

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