terça-feira, 25 de junho de 2013

Constituinte é golpe e tara bolivariana...,

Por que eu digo “não” 3 – Constituinte exclusiva é golpe e tara bolivariana. Ou: Petismo quer país ainda mais servil a quem não representa ninguém

Não esperava, para ser franco, que algumas das minhas predições, ou antevisões ancoradas na lógica, não na bola de cristal, se cumprissem tão depressa. Eis aí. Na reunião desta segunda com os governadores e prefeitos de capitais — depois de se encontrar com a Rosa Luxemburgo e o Rimbaud das catracas do Movimento Passe Livre (ver post) —, com ar abatido como nunca, com a aparência de quem tem passado noites insones, com semblante verdadeiramente deprimido, a presidente Dilma Rousseff fez uma proposta estúpida, esdrúxula e inconstitucional: a realização de um plebiscito para que o povo decida se quer ou não uma Constituinte exclusiva para votar a reforma política. No primeiro artigo desta série “Por que digo ‘não’”, antevi que a pressão das ruas — potencializada por uma cobertura jornalística, especialmente da TV, que considero irresponsável — submeteria o processo político a uma torção à esquerda. Eis aí. Constituinte exclusiva, minhas caras, meus caros, foi o caminho encontrado pelos bolivarianos para aplicar um “by-pass” nos limites impostos em seus respectivos países pelos Poderes Legislativo e Judiciário. Até o caldo de cultura é o mesmo, com acusações, frequentemente verdadeiras, de que os Poderes da República estão tomados por corruptos e por grupos que só pensam nos próprios interesses.
A Constituinte exclusiva é, diga-se, o caminho apontado pelo “Foro de São Paulo” a seus filiados para que se criem as condições para a “verdadeira democracia”. As ruas estão a pedir serviços públicos mais eficientes, menos corrupção, aplicação mais responsável do dinheiro público? Tudo é muito justo! Ao mesmo tempo, fica claro — e isso é exaltado por alguns tolos da imprensa como se fosse algo positivo —, os que estão nas ruas não confiam nos políticos, nos partidos e na própria política. Muito bem! Quem, então, vai operacionalizar a mudança? Esse é o tema deste terceiro capítulo. Antes, preciso fazer algumas considerações.
No segundo capítulo, lembro que o Brasil está submetido, há dez anos, a um ataque sistemático à ordem democrática e às instituições, que tiveram o seu prestígio abalado. Passou-se a considerar que tudo vale a pena se a causa é boa! Esse é o caminho da barbárie, não da civilidade. Mais: as esquerdas converteram seus aparelhos em meras fontes de captação de dinheiro público. As oposições foram incapazes de construir valores alternativos. Sob o manto da propaganda, no entanto, também havia descontentamentos que não tinham como se expressar. Agora se revelam — potencializados, reitero, por uma cobertura jornalística servil à suposta vontade das ruas. Os tontos dizem que é coisa da “direita”. Não é, não! Boa parte do encantamento basbaque com a “voz do povo” é herança do hipomarxismo universitário. De resto, cumpre lembrar que as primeiras manifestações eram escancaradamente conduzidas por grupos de extrema esquerda.
Será que digo “não” ao povo na rua? Nããão, Gafanhoto!!! Digo “não” aos métodos; digo “não” à noção essencialmente equivocada de que maiorias ou minorias podem impor aos outros a sua agenda; digo “não” à convicção de que o espaço público não é a ágora onde as divergências se encontram, mas o espaço da imposição. Um movimento, tenha ou não uma pauta ou um centro organizador, que fecha, com grupos de 500 a mil pessoas, todas as estradas de São Paulo e isola um aeroporto, como aconteceu na semana passada, não tem contribuições a dar à democracia. Espero que Dilma esteja na segunda metade de seu último mandato e torço para que o PT seja derrotado — desde que não seja para algo ainda pior (e existe!) —, mas ela não é Muamar Kadafi, e os que tomam as praças não são libertadores de Benghazi. Até porque aqueles libertadores, como aqui se anteviu, eram carniceiros de Benghazi. Em convulsões revolucionárias, parece ocioso alguém defender o direito das pessoas à rotina. Ocorre que nós não estamos numa convulsão revolucionária. Os métodos que rejeito num adversário não me servem. Não endosso e jamais endossarei, como escrevi aqui, o clamor por democracia direta ou pela instituição no país de mecanismos que a tanto conduzam se aprovados. Se e quando tal pleito sair vitorioso, estaremos todos à mercê da ditadura de minorias organizadas.
Volto ao ponto
O modelo adotado pelo petismo nestes 11 anos de governo — e, para tanto, concorreu a conjuntura internacional — serviu para encobrir boa parcela das incompetências do partido, muitas delas tratadas, convenhamos, como verdadeiras obras- primas por setores da imprensa. Não me aterei a detalhes, sobejamente conhecidos. Ocorre que os ventos mudaram, e o acúmulo de erros começa a cobrar a sua conta. Convém, no entanto, não tomar desde já o alarido como antecipação do resultado das urnas de 2014. Marina Silva, certamente, dado o espírito que vaga por aí, é a única beneficiária por esse movimento porque ela não tem partido, mas “rede”; ela não é política do tipo pragmático, mas “sonhático”; ela não é nem de situação nem de oposição, mas de posição…. Convém lembrar, ademais, que, até agora, há muito pouco pobre na rua, quase nada. Os perfis divulgados pelos institutos de pesquisa certamente estão provocando uma enlouquecida comichão em Lula para tentar reeditar o seu discurso do arranca-rabo de classes. Atenção, minhas cara, meus caros!
 Eu digo “não” ao que vai por aí porque é grande o risco — e já começou a acontecer — de o governo se tornar mais permeável do que já é hoje aos sedizentes “representantes do povo” que nada representam. Pensem um pouquinho: por que os porta-vozes do Passe Livre estiveram ontem com Dilma? Que conceito de democracia ou representação justifica o seu encontro com a presidente? “Ah, eles são a novidade; a política, hoje em dia, não se dá mais nos partidos…” Ora, pode não se dar só nos partidos; pode não se limitar apenas ao Parlamento. Na verdade, há muito tempo é assim. A política nunca foi monopólio, em lugar nenhum do mundo, de políticos profissionais.
À medida que Dilma — ou qualquer governante — levar para dentro do Palácio a miríade de sindicatos e movimentos sociais, submetendo-se à sua vontade militante, o que desaparece é o governo. A educação brasileira, especialmente no ensino fundamental e médio, é uma lástima. Mas vá tentar implementar métodos de qualificação da mão de obra e de avaliação de desempenho para ver. Os sindicatos vão às ruas. Param a Paulista. O PT demorou quase dez anos para dar início ao processo de privatização dos aeroportos porque refém de grupos ideológicos. Existe quase um estado de guerra entre proprietários rurais e índios no Mato Grosso do Sul — e em outras regiões do país — porque a Funai se tornou um aparelho dos autoproclamados defensores de índios.
No esforço desesperado de sair das cordas, o governo Dilma tende a ser ainda mais servil àqueles mesmos que, até agora, impediram as reformas necessárias. “Ah, mas então ela vai se danar porque o descontentamento está aí.” Notem bem: num regime democrático, é normal que os que se opõem às políticas oficiais se manifestem. Situação anômala era aquela que vivíamos antes, de aparente quase unanimidade. 
A saída política encontrada por Dilma, está claro, se deu pela esquerda, com essa bobagem inconstitucional que é a Constituinte exclusiva, tese antiga de Lula, que honra as melhores tradições bolivarianas. O movimento de rua parece estar em refluxo, o que não quer dizer que não possa voltar mais adiante e mais forte. Como será, no entanto, que os muito pobres do Bolsa Família veem esse processo? E os pobres agora chamados de classe média? Muitos deles têm sua TV de tela plana, celular, um carrinho comprado em trocentas prestações, uma minichurrasqueira elétrica… Mas o esgoto corre a céu aberto, o hospital mais próximo é uma porcaria, e a escola dos filhos não funciona. Continuará disposto a dar um voto de confiança ao PT, talvez a Lula? Não sei. Mas sei que a resposta encontrada pelo petismo e imposta a Dilma torna o país ainda mais servil aos que não representam ninguém.. 
Por Reinaldo Azevedo

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