A verdade é que a imprensa brasileira sempre foi tolerante com as besteiras de Lula e ajudou a criar o mito fanfarrão. Ou: Bobeou, Lula “passa o pente”…
Luiz
Inácio Apedeuta da Silva foi a Havana participar de um troço chamado
“Conferência pelo Equilíbrio Mundial”. Atacou aquela velha senhora, a
Dona Zelite, especialmente a imprensa, que perseguiria democratas e
humanistas como Cristina Kirchner, Evo Morales, Hugo Chávez… No Brasil,
disse ele, a “mídia” não gosta de ver pobre andando de avião. Vai ver é
por isso que o fanfarrão tentou reinstaurar a censura no Brasil: para
que passássemos a elogiar aeroportos fedorentos, caindo aos pedaços,
entregues a uma gestão ineficiente, lotada de larápios. Vai ver ele e
Dilma retardaram em quase dez anos a privatização do setor para dar uma
lição aos jornalistas: “Vocês vão ter de aguentar o povo!”. Como é
mesmo? “País rico é país sem conforto”.
Em
peregrinação pelo Brasil, José Dirceu ataca o Ministério Público, o
Judiciário e, claro!, a imprensa — que estaria disposta a instaurar uma
ditadura no Brasil. Não uma ditadura qualquer, mas do tipo nazifascista,
segundo Rui Falcão, este democrata exemplar. Pois é… A verdade, no
entanto, é bem outra. Ao longo dos anos, ao longo das décadas, o
jornalismo brasileiro foi é complacente com Lula e sempre relevou —
quando não promoveu — sua pletora de bobagens na suposição de que ele,
afinal, era um autêntico representante do povo e tinha, por isso,
licença especial para dizer tolices.
Raramente
Lula foi visto como aquilo que de fato era: um político empenhado na
construção de um partido para disputar o poder. Era tratado como uma
força da natureza; como o bom selvagem que vocalizava não um conteúdo
político, mas uma mensagem vinda das entranhas da Terra. Seus juízos
eram, sim, meio toscos — “mas ele não teve estudo, coitado!”. Suas
soluções eram simplistas, primárias, notavelmente ignorantes — “mas ele é
um representante das massas, e apontar suas burrices é manifestação de
preconceito”. E se foi criando, então, o mito do homem que sabia tudo
sem estudar nada. Numa entrevista à revista “Primeira Leitura”, que eu
dirigia, Marilena Chaui comparou o chefão petista à deusa grega Métis
(ainda vou recuperar a passagem; é notável).
Voltemo-nos
àquela entrevista que o então já bastante poderoso e influente Lula
concedeu à revista Playboy em 1979. Que outra figura pública teria
resistido à confissão de que iniciou sua vida sexual com animais? Que
outra personalidade teria sobrevivido à admissão de que ficava de olho
nas viuvinhas que entravam no sindicato para, recorrendo a seu
vocabulário iluminado, “papá-las”? Atenção! Aquele notável líder da
classe trabalhadora aproveitava-se da morte de um companheiro e da
fragilidade da mulher — que tinha ido ao órgão de classe para cuidar da
pensão — para, como se diz por aí, “passar o pente”. Que outra expressão
do sindicalismo ou da política teria superado a revelação de que tinha
na galeria dos homens admiráveis e admirados Hitler e Khomeini. Por quê?
“Porque estavam do lado dos menos favorecidos…”, ele explicou.
“Lá está o
Reinaldo querendo ressuscitar velharias…” Não! Já demonstrei que não
são velharias. As escolhas que Lula fez na política externa, por
exemplo, indicam que coerência com seu passado. As escolhas que faz na
política interna são compatíveis com aquela visão de mundo. E ousaria
mesmo dizer que certos sucessos de sua vida privada — com repercussões
na esfera pública — remetem àquela espreitador de viuvinhas. No
sindicato, na Presidência e no partido, ele nunca soube distinguir suas
necessidades privadas das questões coletivas. Isso está dado pelos
fatos.
A mentira
É mentira, das mais escancaradas, essa história de que a imprensa persegue Lula, o PT e os petistas. Ao contrário: há mais de 30 anos, essa gente está entre os pauteiros mais influentes do jornalismo. Com muita frequência, em razão de alinhamentos ideológicos e afinidades eletivas, é poupado das críticas.
É mentira, das mais escancaradas, essa história de que a imprensa persegue Lula, o PT e os petistas. Ao contrário: há mais de 30 anos, essa gente está entre os pauteiros mais influentes do jornalismo. Com muita frequência, em razão de alinhamentos ideológicos e afinidades eletivas, é poupado das críticas.
Não se
trata aqui de apelar ao escatológico ou ao que parece anedótico para
definir um homem inteiro. Usar um cargo num órgão de representação de
classe para “papar” viúvas fragilizadas não define apenas um gosto
sexual; define também um caráter. Afirmar que Hitler é um homem
admirável, ainda que discorde de sua ideologia, por causa do “fogo de se
propor a fazer alguma coisa” é mais do que a mera expressão de um juízo
torto; Lula conseguiu atravessar a camada do horror para descobrir no
facínora o ardor da transformação.
O Lula de
1979 está presente no Lula de 2013 e, de fato, jamais o abandonou. A
cada vez que confunde o público com o privado, em que toma a sua própria
vida como metro de todas as coisas, quem se manifesta é o molestador de
viúvas. A cada vez que justifica os crimes dos companheiros (os
petistas ou os governantes delinquentes da América Latina), ouve-se a
voz do admirador de Hitler e Mussolini. Não especulo se aquele Lula
escatológico tem expressão ainda hoje em dia porque minha imaginação se
nega a visitar certas paragens…
Ataque à
imprensa por quê? Com raras exceções, noticiou-se a sua óbvia e indevida
intromissão na Prefeitura de São Paulo e mesmo no governo Dilma como se
fosse algo natural, corriqueiro, aceitável. Lula decide na base do
dedaço quem é e quem não é candidato no partido, e se considera isso
muito normal porque, afinal de contas, ele é mesmo o líder inconteste no
partido. Os mais sabujos veem nisso um “saudável processo de renovação”
do partido. Num seminário, os porta-vozes do Apedeuta anunciam quem
será o verdadeiro articulador do governo Dilma, e ninguém se ocupa de
indagar: “Mas com quais credenciais que a tanto o habilitem, se não é
deputado, não é senador, não é ministro, não é assessor da
Presidência?”.
Mas ao
petismo não basta. Se o partido conseguisse cooptar todos os meios de
comunicação menos um, seguiria reclamando e denunciando o “complô” da
mídia contra as forças do povo, como naquela carta-programa dos
nazistas… A imprensa que Lula agora ataca, tudo bem pensado,
praticamente o inventou como líder e segue tendo com ele uma
generosidade que a nenhum outro político é dispensada.
Aquele que
é hoje um dos homens mais poderosos do país ainda é visto por muitos
como o ignorante amoroso, de bom coração, cheio de boas intenções, dono
de uma intuição genial, interessado apenas na redenção do seu povo. Não
há o que perguntar às cabras. A indagação teria de começar pelas viúvas…
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