segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Sociedade do consumo...,


'Não há razão para frear o consumo dos emergentes', diz filósofo francês

Em entrevista ao site de VEJA, Gilles Lipovetsky discorre sobre o futuro de países como o Brasil, que têm incorporado expressivo número de pessoas à sociedade de consumo

Ana Clara Costa
Gilles Lipovetsky, filósofo francês
O filósofo francês Gilles Lipovetsky: o consumo tem expressivo peso simbólico (Marcos Rosa)
"O consumo chegou a um patamar tão importante da nossa rotina que não basta apenas comprar. É preciso falar ostensivamente sobre produtos", diz Gilles Lipovetsky
O consumo, em sua essência, é hoje tão intrínseco e essencial na vida dos indivíduos como o ato de respirar. A avaliação é de Gilles Lipovetsky, 68 anos, um dos mais atuantes e polêmicos filósofos contemporâneos, além de pensador do consumo e do mercado de luxo. Em suas obras – como 'A Felicidade Paradoxal: Ensaio sobre a Sociedade do Hiperconsumo', 'O Império do Efêmero', 'O Império da Moda', entre outras –, o francês analisa os diferentes comportamentos de consumo e o que levou a sociedade moderna a materializar seus anseios e emoções. Também é profundo conhecedor do comportamento dos consumidores brasileiros. Segundo Lipovestky, eles representam com fidelidade a forma como os emergentes em geral se comportam em relação ao ato de comprar. "Diante de um cenário em que as populações começam agora a ter acesso a coisas que nunca tiveram, (o consumo) é um caminho sem volta. Sobretudo quando se trata de países com muita desigualdade social, como o Brasil, onde os que possuem mais renda precisam se distinguir dos demais", afirmou em entrevista ao site de VEJA.
Lipovetsky acredita ainda que a internet acentuará a necessidade de consumo da sociedade. Isso não representa, contudo, um perigo. Segundo ele, comportamentos de consumo compulsivo são exceção e não devem ser vistos com preocupação. Ele reconhece que o ato de comprar o que quer que seja é um fenômeno que vai muito além da discussão do consumo exacerbado – o hiperconsumo, como ele gosta de dizer. Trata-se, segundo ele, de uma realidade irreversível e incontestável. O francês lançará novo livro na Europa no início de 2013. Com o título de 'O Capitalismo e os Mercados Estéticos', a obra ainda não tem previsão de chegada ao Brasil.
A crise que assola hoje os países desenvolvidos, sobretudo a Europa, é capaz de acarretar uma mudança no comportamento de consumo das pessoas?É uma situação relativa. Claro que a crise afeta o consumo de uma maneira mecânica, pois, se o poder de compra cai, as pessoas compram menos. Na Espanha, por exemplo, a taxa de desemprego está em 25%. Entre os jovens, ela chega a 50%. Cenários como esse afetam logicamente o consumo. Mas daí a se tornar uma crise no modelo de consumo, eu acho que não. Afinal, na cabeça de cada um, o desejo das pessoas não mudou. Elas se adaptam, compram produtos em liquidação ou similares mais baratos; ou seja, elas fazem uma escolha. Mas a vontade de comprar não acaba.
O brasileiro é considerado consumista, assim como os chineses e outros emergentes. O senhor vê alguma possibilidade de mudança nesse comportamento no futuro?Não acredito. Há um apetite de consumo considerável nos países emergentes e seu crescimento econômico lhes permite ter acesso ao prazer do consumo de maneira mais ampla. Os chineses são os que mais consomem produtos de luxo no mundo, por exemplo. E isso envolve carros, turismo, tecnologia, roupas, etc. Mesmo que haja crise, há países que estão crescendo a uma taxa alta, como a própria China e o Peru. Diante de um cenário em que as populações começam agora a ter acesso a coisas que nunca tiveram, é um caminho sem volta – sobretudo quando são nações com muita desigualdade social, onde os que possuem mais renda sentem necessidade de se distinguir dos demais. Não há como nem por que frear o consumo dos emergentes. A globalização e a internet não vão permitir que se mude esse modelo.
Mas o modelo de consumo europeu, por exemplo, é diferente. Por quê?A diferença não está no consumo em si, mas no conceito de riqueza. O europeu não gosta de mostrar riqueza. Ele acha que é algo de mau gosto. Mostrar riqueza é, para o europeu, coisa de “novo rico”, o que, de fato, são os países emergentes. São pessoas que alcançaram agora um poder de compra que jamais tiveram. Tanto que, no Brasil, há esses templos de luxo, como o Shopping Cidade Jardim, em São Paulo, que não existem na Europa. O carro é outro emblema disso. Para brasileiros e chineses, o automóvel é sinônimo de status. Para o europeu, é uma chateação. É caro, dá trabalho, requer encontrar vaga para estacionar, e está sempre engarrafamentos. Acabou o fetiche do europeu em relação ao carro. O dos emergentes está apenas começando. Mas a verdade é que, hoje em dia, a Europa não é mais modelo para nada.
Acredita que o capitalismo baseado no consumo continuará fazendo o mundo crescer nos próximos anos?Sem dúvida. E, com a internet, esse modelo de hiperconsumo vai alcançar um patamar jamais visto. A música é um bom exemplo disso. Até poucos anos atrás, um indivíduo tinha algumas dezenas ou, no máximo, centenas de discos. Hoje, um jovem tem milhares de músicas em um iPod. Não há a menor chance de esse patamar regredir. Não só na música, porque as pessoas não vão voltar a ter dezenas de discos, mas em praticamente todos os segmentos. Há todo um contexto social que caminha ao lado desse modelo de hiperconsumo. As pessoas muitas vezes brigam e se matam, por intermédio do comércio de drogas, justamente para poder ter dinheiro para consumir.
A internet promove um acesso muito rápido e fácil ao consumo. O senhor acredita que essa quantidade avassaladora de oportunidades de compra pode culminar com uma saturação do consumo on-line?Não acho que possa saturar as pessoas. Acredito, inclusive, que as pessoas conviverão com isso sem matar as lojas físicas, por exemplo. Hoje, no Brasil, o e-commerce está bem desenvolvido. Mas não é por isso que os shoppings estão vazios nos fins de semana. No futuro, todas as possibilidades de consumo vão coexistir – e isso não significa que vão se canibalizar. Antigamente as marcas não tinham lojas. Elas eram vendidas em lojas de departamentos, como a Printemps, em Paris, ou em multimarcas. Quando a expansão e o fortalecimento das lojas próprias passaram a ocorrer, os outros modelos não perderam força. E, mesmo hoje, com o avanço das vendas online, as marcas não param de abrir lojas. Exemplo disso, uma vez mais, é o próprio Brasil, que tem recebido nos últimos dois anos quantidade enorme de novas marcas europeias e americanas em lojas próprias.
Os blogs e as redes sociais são, hoje, poderosas ferramentas de estímulo ao consumo, sobretudo de moda e eletrônicos. Para o senhor, essa abrangência é preocupante?É preocupante para pessoas que não têm limites, que são vítimas da moda e não conseguem se conter diante de uma oferta. Mas essa é uma parcela pequena da população. As pessoas, em geral, sabem que não podem acordar um belo dia e comprar uma bolsa Hermès pela internet, como se fosse uma pasta de dente. Há casos de compulsão, mas eles são a exceção. O que acho mais interessante nessa discussão de blogs e redes sociais é o fato de o consumo ter chegado a um patamar tão importante da nossa rotina que não basta apenas comprar. É preciso falar ostensivamente sobre produtos. Isso mostra o espaço que o consumo tomou na vida das pessoas. Elas se informam na internet, olham a propaganda na TV, falam no Facebook, checam preço em um site de comparação e, enfim, compram. Não falamos mais de revolução política, mas falamos de marcas. E isso quer dizer muito sobre o peso simbólico que o consumo tem atualmente.
O Brasil é um dos poucos países em que as compras podem ser parceladas em muitas vezes no cartão de crédito ou no cheque. O que o senhor acha dessa solução?Parece-me uma alternativa inteligente, se usada com sensatez. Antes, o crédito era usado para a compra de bens caros, como automóveis, casas e eletrodomésticos. No Brasil, é possível parcelar um vestido em dez vezes. Isso é incrível, pois dá a impressão de que uma pessoa tem o dinheiro para comprar antes mesmo de esse dinheiro existir. Isso legitima o hedonismo e mostra que, se quiser, você pode ter. Do ponto de vista do estímulo ao consumo, é fenomenal. Mas há consequências. É preciso pagar a conta.
O senhor está escrevendo um novo livro. O consumo continuará como tema central?Sim, ele deve ser lançado na França no começo do ano que vem e falará de consumo. O título será, provavelmente, ‘O Capitalismo e os Mercados Estéticos’. Quando eu digo estético, quero dizer que é algo que provoca emoção, e não apenas o que é belo. Esse livro é uma reflexão sobre como o capitalismo tornou a estética, ou a emoção, coisas consumíveis. Por exemplo, quando você vai ao cinema, este é um consumo emocional. Você compra um momento de emoção. O capitalismo transformou a vida estética das pessoas – e é sobre isso que vou discorrer em mais de 400 páginas.

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