sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Brasil nas olimpíadas...,


J.R. Guzzo: Olimpíadas mostraram que nós, brasileiros, precisamos baixar a bola

Dupla brasileira de remo feminino, Fabiana e Luana: quem, no Brasil, liga para remo? (Foto: Francisco Leong / AFP)
Dupla brasileira de remo feminino, Fabiana e Luana: quem, no Brasil, liga para remo? (Foto: Francisco Leong / AFP)
(Artigo publicado na edição de VEJA que está nas bancas)

BAIXAR A BOLA
J. R. Guzzo
J. R. Guzzo
De quatro em quatro anos, por ocasião da Olimpíada e sob a influência do colossal volume de espaço e de tempo que os meios de comunicação decidem dedicar ao tema, o Brasil desenvolve uma súbita e desesperada paixão por esportes que não interessam praticamente a ninguém.
Falando francamente: fora os próprios atletas, suas famílias e um magro círculo de aficionados, quem está ligando, por exemplo, para o futebol feminino, os 400 metros de nado medley ou as competições de arco e flecha? Uma ou outra modalidade, como vôlei ou basquete, ainda tem algum público fora dos Jogos, mas assim que acaba a cerimônia de encerramento tudo volta à apatia de sempre.
De onde vem, então, essa agonia por medalhas que tortura tanta gente no período de disputa olímpica? O que se sabe, por enquanto, é que não são as competições, em si mesmas, a grande atração; o que interessa é a contabilidade de ouros, pratas e bronzes que “o Brasil” consegue levar para casa. Como essa soma, por melhor que seja em relação ao passado, nunca chega a colocar o Brasil no pelotão de frente, o público se vê condenado a ouvir que há uma “crise” grave em tudo aquilo que os brasileiros perdem, do basquete feminino ao remo masculino.
Não passa pela cabeça de quase ninguém, em condições normais, que qualquer derrota dessas possa ser um problema. Por que seria? Durante a Olimpíada, porém, tudo se torna um caso de extrema-unção.
Se o que realmente interessa é o número de medalhas, e não o esporte, a situação fica realmente difícil, pois ninguém ainda descobriu como se faz para conseguir um número ideal de vitórias na Olimpíada. Não é prático, ao que parece, pensar na criação de um sistema de cotas para a distribuição das medalhas, apesar da alta estima que o governo brasileiro e seus admiradores têm por esse tipo de solução.
Faltam negros nas universidades? Criam-se cotas para equilibrar os números. Faltam empregos para deficientes físicos? Criam-se cotas para forçar sua contratação pelas empresas. Faltam medalhas de ouro nos Jogos Olímpicos? Por que não fixar, então, uma cota mínima de pódios para cada país participante?
A triste verdade é que existe uma concentração indiscutível de medalhas, principalmente de ouro, nas mãos de uma minoria; num mundo com quase 200 países, os cinco primeiros ganhadores ficam com mais ouros que todos os outros somados.
Para solucionar a má distribuição de medalhas: "obrigar Phelps a só cair na piscina quando os outros já estivessem na metade do percurso, ou segurar por cinco segundos a largada de Usain Bolt na corrida dos 100 metros livres" (Foto: Reuters)
Para solucionar a má distribuição de medalhas: "obrigar Phelps a só cair na piscina quando os outros já estivessem na metade do percurso, ou segurar por cinco segundos a largada de Usain Bolt na corrida dos 100 metros livres" (Foto: Reuters)
E o que dizer de casos extremos como o do nadador americano Michael Phelps? Com apenas 27 anos de idade, e apenas entre 2004 e 2012, o rapaz acumulou sozinho dezenove medalhas de ouro – não muito menos que o total ganho pelo Brasil inteiro, em todas as modalidades, desde que disputou sua primeira Olimpíada, em 1920. Onde está a justiça de um sistema que leva a tais desigualdades?
Cotas iriam garantir, certamente, uma distribuição mais democrática das medalhas entre os competidores. Um jeito de fazer isso, por exemplo, seria obrigar Phelps a só cair na piscina quando os outros já estivessem na metade do percurso, ou segurar por cinco segundos a largada de Usain Bolt na corrida dos 100 metros livres.
Outra solução, bem mais direta e segura, seria distribuir logo no início dos Jogos um número mínimo de medalhas a cada país, de acordo com critérios destinados a promover um pouco mais de igualdade social. O Brasil, em razão do tamanho de seu território, população de 190 milhões de habitantes e injustiças sofridas no passado, poderia começar, digamos, com pelo menos dez medalhas de ouro; o que conseguisse ganhar além disso seria lucro.
Como ninguém vai aceitar nada parecido, a começar pelos atletas brasileiros (e todos os demais), a saída mais razoável é iniciar, desde já, um esforço para encarar com um pouco mais de calma toda essa história de Olimpíada – até porque a próxima será no Rio de Janeiro, e os níveis de histeria em relação a medalhas já prometem superar tudo o que se viu até agora.
O Brasil, principalmente por causa da pressão feita pela mídia, tem muita dificuldade para aceitar a ideia de que os adversários ganham uma competição por terem chegado na frente, saltado mais alto ou feito mais pontos. Tudo é uma questão de honra nacional – de “atitude”, “entrega”, “superação”, “vergonha na cara”.
O atleta tem de ser “guerreiro” etc. Quando ganhamos alguma coisa, há uma gritaria alucinada: “É o Brasil! É o Brasil!”. Não é; é apenas o mérito individual de quem ganhou. Quando perdemos, é o mesmo barulho, só que ao contrário: faltou “raça”, “respeito”, “apoio”. Está mais do que na hora de baixar essa bola.

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