domingo, 20 de março de 2011

E a "coisa" foi ficando pior..., parte 2


Mistério no Alvorada: diante de Hebe, pintura de Djanira é atribuída a Elenira e reaparece de repente como uma autêntica Djanira, sem necessidade de sindicância

Por Celso Arnaldo Araújo
Ainda não refeita da chocante revelação de que a presidente da República, sua amiga de infância, é uma ex-detenta, Hebe é ciceroneada, braço dado com Dilma, pelas dependências do Palácio do Alvorada.
Entram numa sala com paredes laterais decoradas por livros — sala essa que esteve trancada a chave nos últimos oito anos, mas que desde primeiro de janeiro, dia sim, dia não, é espanada pelo pessoal da limpeza. Por exclusão, a visitante conclui:
“Ai que coisa linda, é a biblioteca!!”
A presidente então aponta para a parede central, dominada por uma pintura de corpos enxundiosos típicos:
“Olha ali o outro Di. Olha o outro Di”.
“Olha o Di Cavalcanti, que lindo”, concorda Hebe, que entrevistou o pintor em seu programa, nos anos 60, e tem boa memória para nomes.
É quando Dilma localiza para a convidada outra relíquia fundamental da biblioteca:
“E ali que tá o JK, olha ali”, mostra o pequeno retrato emoldurado do criador de Brasília, que a maior parte das pessoas chamaria de Juscelino — ficando a sigla para referências escritas.
“Que gracinha. Magrinho”, enternece-se Hebe.
Passam então para “uma outra sala, que também é muito bonita”, cujo nome não foi indagado pela forasteira nem declinado pela presidente, mas Hebe pelo menos quer saber se ali tem reunião.
“Tem. Às vezes a gente faz reuniões. Eu tô mudando pra cá ainda. Eu gosto muito dessa tapeçaria”, diz, apontando a parede.
“De quem é?”, indaga a sempre curiosa Hebe.
“É de um tapeceiro muito bom chamado Kennedy”
“É da Bahia?”
“É da Bahia”, confirma Dilma, provavelmente depois de checar o nome do artista na peça, que mais ou menos entrega sua procedência: ele se assinava Kennedy Bahia e aliás era chileno.
Dilma adora o tapete de parede, mas com um parecer artístico que Mário Pedrosa não endossaria:
“Eu acho belíssimo as cores”.
A visita prossegue: Hebe tem uma guia privilegiada – a própria presidente da República, dona da casa por pelo menos quatro anos. Em dois meses de estadia, a primeira mulher presidente já sabe tudo sobre o conteúdo da residência presidencial, tudo aliás inventariado com precisão de CPI. Dilma é atenta a tudo, não deixa passar nada – seus auxiliares tremem só de pensar nas consequências de não terem uma resposta na ponta da língua.
Mas, espere: a próxima pergunta de Hebe é desconcertante, ao indicar o quadro ao fundo da sala:
“E aquele ali, de quem será?
Dilma nem arrisca a resposta:
“Aquele ali eu num lembro”, admite, apertando o passo e espremendo os olhos em direção ao canto direito da pintura, onde os artistas costumam apor sua assinatura. No caminho, especula:
“Não é Djanira, não, porque as Djaniras eu catei todas”, pensa em voz alta a presidente, já cogitando chamar o general José Elito, ministro da Segurança Institucional, para ajudá-la a desvendar o mistério do quadro, que por sinal se parece muito com a obra “Colhendo Café”, efetivamente de Djanira, como atestado no catálogo do acervo do Alvorada, mas não pode ser dela porque a presidente catou todas. Afinal, de quem seria esse pseudo Djanira que não pode ser Djanira?
A presidente aparentemente se aproxima o máximo possível do quadro – a imagem não mostra, mas a lógica sugere que, enfim, conseguiu ler o nome correto do misterioso pintor.
“Elenira da Motta e Silva”, resolve Dilma num rompante, revelando uma artista desconhecida que, por coincidência, tem o mesmo sobrenome da grande artista de Avaré radicada no Rio. Mas, meio segundo depois, a presidente volta atrás, num fulminante fechamento de caso proporcionado por uma leitura mais atenta:
“Naaão, Djanira!”!!
“Djanira”, gargalha Hebe, incontrolavelmente.
A comadre Dilma se consola, compartilhando o engano com Hebe:
“Nós duas tamo ruim de olho, hein”.
Após mais uma gargalhada da colega, a presidente pensa em voz alta, de novo:
“Engraçado… Tem de avisar que sobrou um Djanira”.
Agora, era hora de chamar Gilbertinho Carvalho – para subir numa escadinha e levar “Colhendo café”, o último Djanira, para o lugar onde estão os outros.
Hebe nunca soube, mas por muito pouco não presenciou, ao vivo, a primeira grande crise do governo de Dilma Rousseff.

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