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O açougueiro fez um ar de desespero e disse, botando a mão no embrulho: "O senhor vai perdoar, doutor Régio, mas da última vez que ficou devendo, levou três meses pra me pagar. Não posso fiar, não; eu vivo disso". Régio botou também a mão em cima do pacote: "Olha, seu Antônio, o senhor sabe como eu sou supersticioso. Crente. Boto a mão aqui como se fosse na Bíblia(3). Juro que volto com o dinheiro logo depois do almoço. Se não voltar, quero que me caia a língua!” Régio falou com tal sinceridade que o açougueiro não teve jeito. Tirou a mão de cima do embrulho e deu de ombros, aborrecido, como quem diz “Tá bem!(4)”. Régio saiu do açougue, dobrou a esquina e, ali mesmo, abriu o pacote de carne. No meio do acém, das tripas e das costeletas estava a língua. Pegou-a e deixou-a cair no chão. MORAL: TEM GENTE SINCERA. 1. A diferença entre o açougueiro e o ator: o ator encarna os papéis. O açougueiro empapela as carnes. 2. His, dele. Ah, a ambiguidade dos possessivos portugueses! 3. Porém, tem gente que bota a mão na Bíblia como se a pusesse sobre um bife. 4. É o que se chama “expressão corporal.” |
"Pecar pelo silêncio, quando se deveria protestar, transforma homens em covardes."*Abraham Lincoln
terça-feira, 1 de fevereiro de 2011
FÁBULAS FABULOSAS - Millôr
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