segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Trem desgovernado...,


Celso Arnaldo: ‘O mandato de Dilma completa um mês sem que o primeiro tijolo das 5 mil creches tenha saído da olaria’Pressionado por milhares de leitores, o jornalista Celso Arnaldo Araújo voltou das férias pronto para mostrar que manteve Dilma Rousseff sob estreita e permanente vigilância, e está em esplêndida forma. Ele, não ela. O balanço do primeiro mês de mandato confirma o alerta emitido pela discurseira sem pé nem cabeça da candidata:

“Nóooooos….”
O inconfundível plural nada majestático reverberando de novo na TV, com todos aqueles “óooos” antecipando o espanto da afirmação, avisa que a presidente Dilma Rousseff enfim saiu da clandestinidade.
Voltou a ser ouvido o pronome pessoal completamente oblíquo que, na campanha, iniciava todas as suas tentativas de demonstrar que “nós” – ela e Lula — tinham transformado o Brasil num principado de Mônaco com oito mil quilômetros de praia. Lula fora de cena, “nóoos” agora são Dilma e o turista Paulo Novais; Dilma e o cientista Aloizio Mercadante; Dilma e o atuarista Garibaldi Alves, entre 37 dobradinhas possíveis.
Desde a cerimônia de posse – quando a esdrúxula saudação aos “queridos brasileiros e queridas brasileiras” levou a companheirada ao orgasmo – a presidente homiziara-se em seu gabinete, com um interregno de poucas horas à luz do dia: o sobrevoo da devastada região serrana do Rio, findo o qual, a face compungida, diagnosticou o que nem as vítimas nem o resto Brasil, pela TV, tinham percebido:
“É de fato um momento muito dramático. As cenas são muito fortes, é visível o sofrimento das pessoas e o sofrimento é muito grande”
Horas depois, de volta ao sol carioca, a gremista Dilma posava com a camisa do Fluminense, ao lado do governador Sergio Cabral, com um sorriso de cigano da bola prestes a beijar o escudo de seu 22º time.
E, logo em seguida, Dilma voltaria à toca, em Brasília. Mas, pelo menos de relance, revimos na tragédia a Dilma que conhecíamos da campanha — incapaz de construir um único pensamento que remotamente se conecte a conhecimento e eficiência, as duas qualidades lendárias que justificaram sua sagração como sucessora de Lula. E a Dilma que, ao se expor como candidata, foi deixando pelo Brasil um rastro de impropriedades e inconveniências, desinformação e malformação, e rigorosamente nenhum compromisso com a verdade e a verossimilhança.
As promessas depois do dilúvio foram de candidata, não de presidente. Sua providência mais vistosa para o day after do tsunami brasileiro, a instalação daqui a quatro anos do tal “Sistema Nacional de Prevenção e Alerta de Desastres Naturais”, na prática é menos impactante para as vítimas e as futuras vítimas que um par de galochas ou uma capa de chuva (aliás, se esse sistema estivesse implantado no ano passado, Dilma não seria eleita, porque o alerta contra sua candidatura teria sido dado com grande estardalhaço).
Mas nem a chuva estragou a lua de mel de parte da mídia com Dilma. Seu silêncio de catacumba, contraposto à fanfarronice boquirrota do antecessor, já vinha sendo cantado em prosa, verso e até literatura de cordel. Calada, ela é uma poeta — apud Romário. E o estilo “pé na lama” da presidente — que saiu de seu bunker para prestar solidariedade pessoal às vítimas da serra — provocou mais suspiros.
“O discreto e eficaz estilo Dilma Rousseff” – catequizava uma das chamadas de capa de Carta Capital da semana passada
“Escrevam: Dilma será a grande musa deste verão”, borbulhava, dias atrás, a colunista Hildegard Angel em seu blog.
Ok, Carta Capital e Hildegard são dilmistas juramentadas de primeira hora. Mas a insuspeita Folha também delirou. Jânio de Freitas, domingo passado, a certa altura escreve, também destacando a virtude do silêncio: “O quase nenhum falar externo de Dilma Rousseff surpreendeu”. Jânio, queira Deus, produzirá suas crônicas por mais 20 anos e não conseguirá superar o gongorismo desse “o quase nenhum falar externo”, mas vale o que está escrito: Dilma surpreende. (Mesmo antes da posse, colaborando para a gestação do mito, a Folha publicou matéria intitulada “Dilmoteca básica”, sobre os hábitos de leitura da então presidente eleita, que é uma antológica, embora involuntária, página de humor – ainda merecendo um post, tardio mas oportuno).
Mas, espere: essa Dilma “discreta e eficaz”, que pouco fala e muito faz, não era a vestal impoluta da Casa Civil, a gerentona de poucas palavras e cobranças estremecedoras que, por conta de sua impressionante competência, era implacável com impontualidades e tergiversações, queria soluções concretas a todo custo e, ao longo de quase oito anos, foi o mindinho esquerdo e o braço direito de Lula na autoproclamada refundação do Brasil?
Sim, ela mesma. E caíram nessa, de novo. Nesta terça-feira, seu mandato completará um mês sem que o primeiro tijolo da primeira das cinco mil creches prometidas tenha sequer saído da olaria. Não se ouve falar mais nisso.
Assim como o Índice Big Mac é usado como parâmetro de comparação entre o poder aquisitivo e o custo de vida em diferentes países, o Índice Creche deveria ser o padrão de cobrança do governo Dilma, pela insistência marota com que a lorota desse número cabalístico foi repetida durante toda a campanha, junto com os dois milhões de “moradias” do Minha Casa, Minha Vida.
Mas a conversa ficou séria demais. Vejamos o lado bom da coisa – pelo menos para nós. Dilma voltou a falar esta semana – como sempre dando a impressão de que não tem a menor ideia do que está dizendo. Percebe-se, pelas declarações presidenciais abaixo, que será mais fácil ela emplacar o “presidenta” do que acertar a sintaxe e a concordância:
“Jamais damos a indexação inflacionária, por isso não concordamos com o que saiu nos jornais que o reajuste, se houvesse, da tabela do Imposto de Renda, fosse feita pela inflação passada”
“Tivemos uma boa experiência nos últimos anos [com os EUA] e também tivemos diferenças de opinião. Mas, o que importa é perceber que esta é uma sociedade que tem um horizonte de desenvolvimento muito grande”
“No governo anterior ao que participei, nós tínhamos contratos com os quais discordávamos, mas os temos mantido porque isso implica em respeitar a institucionalidade do país”.
Dilma — ponto para o Brasil — é única presidente do mundo que discorda com.
Dizem que João Santana, ainda assessorando Dilma em termos de imagem, planejava com essa ausência estratégica, rompida parcialmente esta semana, levá-la a ocupar o “espaço imaginário de uma rainha”. Sendo isso veraz, Santana deveria solicitar à distribuidora, e tem prestígio para isso, uma cópia privativa do magnífico “O Discurso do Rei”, que só estreia dia 11 de fevereiro no Brasil.
Aprenderá que George VI, pai da Rainha Elizabeth II, que assumiu o trono por uma armadilha do destino, passou à história como um rei tíbio e inseguro porque falar em público era sua ruína – apesar de gestos de grandeza pessoal que os ingleses só reconheceriam muito mais tarde.
Visto o filme, e como nem o fonoaudiólogo do rei funcionaria com Dilma, Santana trancaria a presidente de novo no gabinete – a tática já se mostrou muito eficaz no início do mandato.
Mas, no fundo, torcemos para que Santana não veja o filme: estávamos sentindo falta da “nossa” Dilma.

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