quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Alguma coincidência com os dias atuais? Pessoas que fizeram, fazem e sempre farão a diferença. Boa leitura!. Boa mesmo!

Monteiro Lobato e a origem de Jeca Tatu
Por: Ana Palma
Prolongamento das campanhas sanitárias, as expedições científicas do Instituto Oswaldo Cruz, no início do século 20, permitiram um maior conhecimento das moléstias que assolavam o país e possibilitaram a ocupação e a integração do interior brasileiro. O Brasil é um país doente, diziam os pesquisadores de Manguinhos. E provavam. O retrato sem retoques da miséria, da desnutrição e das moléstias de nosso povo vinha jogar por terra o idealismo romântico de nossos intelectuais, influenciando o movimento realista que surgia.
Essa influência se fez sentir em maior grau em Monteiro Lobato. Seu contato com as pesquisas de Manguinhos, principalmente os trabalhos de Belisário Pena e Arthur Neiva, levaram o criador de Emília a alterar completamente a concepção de um de seus famosos personagens, o Jeca Tatu, e engajar-se numa campanha pelo saneamento do país.
 "O Jeca não é assim: está assim"
Jovem promotor mal remunerado, Monteiro Lobato resolveu tornar-se fazendeiro ao herdar terras de seu avô. Em fins de 1941, uma seca terrível assolava a região. O problema era agravado pelas queimadas; Lobato, indignado, descobriu que não podia punir os incendiários, "pois eleitor da roça, naqueles tempos, em paga da fidelidade partidária, gozava do direito de queimar o mato próprio e o alheio." Escreveu então uma carta de protesto ao jornal O Estado de S. Paulo. Tal era a qualidade do texto que o jornal decidiu publicá-lo com destaque, sob o título A velha praga.
"Este funesto parasita da terra é o CABOCLO, espécie de homem baldio, seminômade, inadaptável à civilização..."
Foi pouca a repercussão do primeiro artigo, mas Lobato, apaixonado pelo tema, voltou a abordá-lo em um segundo texto, Urupês, publicado a 23 de dezembro do mesmo ano. Foi esse texto que transformou o fazendeiro improvisado no escritor e polemista de renome nacional.
Com enorme virulência, Lobato atacou o "indianismo balsâmico" de José de Alencar, Gonçalves Dias, Fagundes Varela, agora travestido em "caboclismo". E comparou o caboclo ao "sombrio urupê de pau podre a modorrar silencioso no recesso das grotas". Surgia o Jeca Tatu, nome que se generalizou no país todo como sinônimo de caipira, homem do interior.
A repercussão foi grande e atingiu nível nacional, quando Lobato, já bastante conhecido, decidiu, em 1918, reunir seus artigos num livro, também intitulado Urupês. 
As três primeiras edições esgotaram-se rapidamente. Os jornais alimentaram a polêmica. Os saudosistas se indignaram: afinal, o caboclo era o "Ai-Jesus nacional", o queridinho do país. Mas veio a suprema consagração. Rui Barbosa, que jamais citara qualquer autor vivo, referiu-se a Jeca Tatu, "símbolo de preguiça e fatalismo, de sonolência e imprevisão, de esterilidade e tristeza, de subserviência e embotamento" num discurso no Teatro Lírico.
"Um país com dois terços de seu povo ocupados em pôr ovos alheios".
Mas a convivência com Arthur Neiva, Belisário Pena e outros pesquisadores e a leitura do livro de Pena, O saneamento do Brasil, já haviam levado Lobato a rever totalmente sua concepção de caboclo. E no prefácio à quarta edição de Urupês, ainda em 1918, penitenciou-se:
"Eu ignorava que eras assim, meu caro Jeca, por motivo de doenças tremendas. Está provado que tens no sangue e nas tripas todo um jardim zoológico da pior espécie. É essa bicharia cruel que te faz papudo, feio, molenga, inerte."
 Lobato não parou por aí. Indignado com a situação do país, lançou-se numa vigorosa campanha jornalística em favor do saneamento. Denunciou, sem medir as palavras, a realidade nacional: "O Brasil é o país mais rico do mundo, diz com entono o Pangloss indígena. Em parasitos hematófogos transmissores de moléstias letais - conclue Manguinhos." E apresentava as estatísticas: 17 milhões com ancilostomose, três milhões com Chagas, dez milhões com malária. "O véu foi levantado. O microscópio falou".
Investiu contra os falsos patriotas que o criticaram por expor nossa miséria. Associou a questão sanitária à economia do país. "Só a alta crescente do índice de saúde coletiva trará a solução do problema econômico... Não fazer isto é morrer na lenta asfixia da absorção estrangeira."

Criticou os bacharéis e políticos, a quem denominou com ironia de Triatoma bacalaureatus, atribuindo-lhes a situação caótica do Brasil. Censurou o descaso de nossas elites: "Legiões de criancinhas morrem como bichos de fome e verminose. Nós abrimos subscrições para restaurar bibliotecas belgas."
É impressionante a atualidade de algumas de suas críticas. Lobato denunciou fraudes nos produtos consumidos pela população. E ironizou os poucos recursos concedidos à saúde pública, lembrando que enquanto se gastava "123 mil contos no Teatro Municipal e 13 mil na exposição Pena" (100 anos da Abertura dos Portos), oferecia-se apenas mil a Belisário Pena.
"Sempre cabem 50 réis para cada duodeno afetado. Esta quantia, reduzida a timol, dá para matar pelo menos uma dúzia de ancilostomos dos três milheiros que, em média, cada doente traz consigo. Os 2.988 ancilostomos restantes ficarão aguardando verba."
E elogiava Manguinhos: "Só de lá que tem vindo e só de lá há de vir a verdade que salva e vence..."
A campanha de Lobato acabou forçando o governo a dar atenção ao problema sanitário. Criou-se uma campanha de saneamento em São Paulo, sob o comando de Arthur Neiva. O código sanitário foi remodelado, transformado em lei. E o escritor reúniu seus artigos sobre a questão no livro O problema vital.
Mas Lobato achava necessário não mobilizar apenas as elites, mas alertar e educar o povo, principal vítima da falta de saneamento. Escreveu então Jeca Tatu - a ressurreição. O conto, mais conhecido como Jeca Tatuzinho, serviu de inspiração para uma história em quadrinhos bastante popular, que foi divulgada em todo país através do Almanaque do Biotônico Fontoura: Jeca, considerado preguiçoso, bêbado e idiota por todos, descobria que sofria de amarelão. Tratava-se. E transformava-se em um fazendeiro rico.
"Quero mostrar a essa paulama quanto vale
um homem que tomou remédio de Nhá
Ciência, que usa botina cantadeira e não
bebe um só martelinho de aguardente."
Almanaque do Biotônico, 1935 (Ilustração: J.U.Campos)
                                          Almanaque do Biotônico, 1935 (Ilustração: J.U.Campos)

Um comentário:

  1. 29/10/2010
    às 19:04
    O politicamente correto em ritmo de barbárie: Monteiro Lobato na mira dos “censores do bem” do Ministério da Educação
    http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/geral/o-politicamente-correto-em-rimo-de-barbarie-monteiro-lobato-na-mira-dos-%e2%80%9ccensores-do-bem%e2%80%9d-do-ministerio-da-educacao/
    .
    Nem Dilma ganhou e eles já estão fazendo início da lavagem cerebral!

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