sábado, 29 de maio de 2010

O MEDO CAUSADO PELA INTELIGÊNCIA


Quando Winston Churchill, ainda jovem, acabou de pronunciar seu
discurso de estréia na Câmara dos Comuns, foi perguntar a um
velho parlamentar, amigo de seu pai, o que tinha achado do seu
primeiro desempenho naquela assembléia de vedetes políticas. O
velho pôs a mão no ombro de Churchill e disse, em tom paternal:

" Meu jovem, você cometeu um grande erro. Foi muito brilhante
neste seu primeiro discurso na Casa. Isso é imperdoável. Devia
ter começado um pouco mais na sombra. Devia ter gaguejado um
pouco. Com a inteligência que demonstrou hoje, deve ter
conquistado, no mínimo, uns trinta inimigos. O talento assusta."

 E ali estava uma das melhores lições de abismo que um velho
sábio pode dar ao pupilo que se inicia numa carreira difícil. A
maior parte das pessoas encasteladas em posições políticas é
medíocre e tem um indisfarçável medo da inteligência. Isso na
Inglaterra. Imaginem aqui no Brasil. Não é demais lembrar a
famosa trova de Ruy Barbosa:

Há tantos burros mandando
Em homens de inteligência
Que às vezes fico pensando
Que a burrice é uma Ciência.

Temos de admitir que, de um modo geral, os medíocres são mais
obstinados na conquista de posições. Sabem ocupar os espaços
vazios deixados pelos talentosos displicentes que não revelam o
apetite do poder. Mas é preciso considerar que esses medíocres
ladinos, oportunistas e ambiciosos, têm o hábito de
salvaguardar suas posições conquistadas com verdadeiras
muralhas de granito por onde talentosos não conseguem passar.
Em todas as áreas encontramos dessas fortalezas estabelecidas,
as panelinhas do arrivismo, inexpugnáveis às legiões dos lúcidos.

Dentro desse raciocínio, que poderia ser uma extensão
do Elogio da Loucura de Erasmo de Roterdan, somos forçados a
admitir que uma pessoa precisa fingir de burra se quiser vencer
na vida. É pecado fazer sombra a alguém até numa conversa
social. Assim como um grupo de senhoras burguesas bem casadas
boicota automaticamente a entrada de uma jovem mulher bonita no
seu círculo de convivência, por medo de perder seus maridos,
também os encastelados medíocres se fecham como ostras à
simples aparição de um talentoso jovem que os possa ameaçar.
Eles conhecem bem suas limitações, sabem como lhes custa
desempenhar tarefas que os mais dotados realizam com uma perna
nas costas, enfim, na medida em que admiram a facilidade com
que os mais lúcidos resolvem problemas, os medíocres os
repudiam para se defender. É um paradoxo angustiante.
Infelizmente temos de viver segundo essas regras absurdas que
transformam a inteligência numa espécie de desvantagem perante
a vida. Como é sábio o velho conselho de 
Nelson Rodrigues:
finge-te de idiota e terás o céu e a terra.


O problema é que os inteligentes gostam de brilhar.
Que Deus os proteja.



O artigo tem mais de 30 anos.
Foi escrito no extinto Jornal da Bahia, em 1979, mas parece que foi
redigido hoje.
O autor é José Alberto Gueiros.
 JORNAL DA BAHIA - Sábado , 23 /09 /79

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