segunda-feira, 26 de abril de 2010



Leonardo Attuch

MULHER DE VERDADE

Arruda tem sorte. Envelheceu 50 anos em cinco, mas saiu da cadeia ao lado da Amélia moderna


“Nunca vi fazer tanta exigência, nem fazer o que você me faz, você não sabe o que é consciência, nem vê que eu sou um pobre rapaz...” No samba de Ataulfo Alves e Mário Lago, composto para o Carnaval de 1942, mulher de verdade era a Amélia, aquela que não tinha a menor vaidade. Os anos se passaram, veio a igualdade entre os sexos e eis que o Brasil tem uma nova Amélia. Chama-se Flávia Arruda. Alta, morena e muito sestrosa, ela é também conhecida em Brasília como a Camila Pitanga do Cerrado. Uma mulher vaidosa, mas ao mesmo tempo maternal, compreensiva e especialmente dedicada ao marido. Não houve um único dia, dos 60 em que José Roberto Arruda esteve preso, em que ela não aparecesse na cadeia para levar ao ex-governador do Distrito Federal um pijaminha macio, uma comidinha quente ou uma palavra de conforto. E quando Arruda saiu, com a aparência de ter envelhecido 50 anos em cinco, invertendo a plataforma de governo criada por Juscelino Kubitschek, lá estava Flávia. Altiva, corajosa e sem medo de enfrentar as lentes dos fotógrafos. Como única proteção, óculos escuros de grife.
Arruda tem sorte. Foi abandonado pelo partido que ajudou a sustentar, pelo vice-governador que conseguiu eleger e pelos aliados a quem pagou régias mesadas, mas, ainda assim, encontrou um porto seguro na saída da cadeia – o que muitos homens livres, incluindo aqueles que o traíram, como o ex-secretário Durval Barbosa e o radialista Edson Sombra, talvez não tenham em casa. E Flávia, a Amélia de Arruda, jamais se intimidou. Quando foi perguntada sobre o vídeo em que Arruda aparece saltando sobre um maço de R$ 50 mil, respondeu com naturalidade: “Não me surpreendeu em nada porque eu sei que todo mundo recebe, e que política no Brasil é assim, pois as pessoas precisam receber dinheiro para campanha.” Na prática, a mesma resposta que o presidente Lula deu, em 2005, quando foi indagado sobre o caixa 2 de seu partido. À época, ele disse que “o PT fez do ponto de vista eleitoral o que se faz sistematicamente no País” – e, na semana passada, com cinco anos de atraso, reconheceu ter sido alertado por Roberto Jefferson sobre a existência do esquema petista de compra de apoio parlamentar.
É evidente que os “mensalões” do DEM e do PT são diferentes. Um dá cadeia, o outro não. Mas o do Democratas ao menos revelou a existência dessa Amélia dos tempos modernos. Uma mulher a quem falta apenas passar por um último e derradeiro teste de lealdade ao lado do marido: o da Amélia do samba de 1942. “Às vezes passava fome ao meu lado, e achava bonito não ter o que comer, e quando me via contrariado, dizia: meu filho, que se há de fazer.”

Nenhum comentário:

Postar um comentário