quarta-feira, 10 de março de 2010

Leonardo Attuch


Um país devasso

Paris Hilton é mais comportada do que todos nós. E poderia até ser exibida na sessão da tarde.

A música toca e ela, num vestido preto minúsculo, faz poses na janela. Rebola e se insinua para um fotógrafo, enquanto uma cidade inteira para. Eis o roteiro do comercial da cerveja Devassa, da Nova Schin, retirado do ar na semana passada por determinação do Conselho Nacional de Auto-Regulação Publicitária. Estrelado pela americana Paris Hilton, que melhor do que ninguém possui o physique du rôle, tendo nascido para o papel que lhe foi confiado, o filme esbarrou no moralismo da sociedade brasileira. Caiu porque, supostamente, um consumidor se sentiu atingido pela sensualidade da propaganda. Mas logo aqui? Num país onde todas as cervejarias, sem exceção, sempre apelaram para a erotização? Quem não se lembra da gotinha da Skol, que escorria pelo corpo de uma mulher escultural? Ou da “boa” da Antarctica? Cerveja e sexo são coisas tão comuns no Brasil como arroz e feijão. Donde se conclui que a retirada do comercial talvez seja mais devassa do que a própria propaganda.



Voltando no tempo, o que pode haver de mais devasso do que a formação de um quase-monopólio, sob as bênçãos de um governo? Quando a AmBev nasceu, na era FHC, a justificativa era criar uma multinacional verde-amarela – e que hoje é belga. À época, o processo foi empurrado pela goela abaixo dos conselheiros do Cade, que deveria zelar pela concorrência no Brasil. Foi uma decisão cercada de mais insinuações do que as caras e bocas de Paris Hilton. E assim como alguém enxergou algo a mais sob seu vestido, outros poderiam encontrar rastros indecentes, libidinosos e devassos em movimentos anticoncorrenciais recentes. Quem não se lembra da Operação Cevada, da Polícia Federal? Ou da campanha do “experimenta”, também retirada do ar, por, supostamente, incentivar o uso de drogas?



E ainda que não exista qualquer conspiração por trás da suspensão da propaganda, o que há de tão chocante no filme? Entre as contribuições culturais do Brasil ao mundo há danças como o “segura o Tchan”, a “boquinha da garrafa” (vai descendo, vai descendo, vai descendo, vai descendo...) e, mais recentemente, o “rebolation” – cujos passos, segundo consta, já foram aprendidos até pela ministra-candidata Dilma Rousseff. O Brasil é também o país onde meias, cuecas e calcinhas ganharam finalidades que vão muito além do erotismo. Servem para guardar dinheiro. Somos também tão voyeurs quanto aqueles que, da calçada, admiram Paris Hilton. Aqui, o sexo já desceu da novela das oito para a das sete; e da novela das sete para a das seis – e isso sem falar nos tórridos edredons do “Big Brother”. Resumo da ópera: perto do que o Brasil oferece, Paris Hilton até que é bem comportadinha. Deveria ser reclassificada para a Sessão da Tarde.

Assistam:

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