domingo, 12 de abril de 2009

ÚLTIMA AULA

Discurso do paraninfo da turma de formandos da Escola de Engenharia
do Rio de Janeiro- UERJ



ÚLTIMA AULA - Weber Figueiredo fala sobre a construção do Brasil.



O professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Weber
Figueiredo, deu uma última aula para seus ex-alunos. Diante de uma
platéia de formandos, acompanhados de seus pais, o professor paraninfo da
turma discursou sobre o Brasil. A aula datada do dia 13 de agosto, no
auditório da UERJ, está sendo repassada pela Internet para engenheiros e
estudantes por causa de sua qualidade.


Leia o que disse Weber Figueiredo:



"Ilustríssimos Colegas da Mesa, Senhor Presidente, meus queridos
Alunos,Senhoras e Senhores. Para mim é um privilégio ter sido escolhido
paraninfo desta turma. Esta é como se fôra a última aula do curso. O último
encontro, que já deixa saudades. Um momento festivo, mas também de reflexão.
Se eu fosse escolhido paraninfo de uma turma de direito, talvez eu falasse
da importância do advogado que defende a justiça e não apenas o réu.
Se eu fosse escolhido paraninfo de uma turma de medicina, talvez eu falasse
da importância do médico que coloca o amor ao próximo acima dos seus lucros
profissionais.
Mas, como sou paraninfo de uma turma de engenheiros, vou falar da
importância do engenheiro para o desenvolvimento do Brasil.

Para começar, vamos falar de bananas e do doce de banana, que eu vou
chamar de bananada especial, inventada (ou projetada) pela nossa vovozinha
lá em casa, depois que várias receitas prontas não deram certo.
É isso mesmo.
Para entendermos a importância do engenheiro vamos falar de bananas,
bananadas e vovó. A banana é um recurso natural, que não sofreu nenhuma
transformação.
A bananada é = a banana + outros ingredientes + a energia térmica fornecida
pelo fogão + o trabalho da vovó e + o conhecimento, ou tecnologia da vovó.
A bananada é um produto pronto, que eu vou chamar de riqueza. E a
vovó?
Bem a vovó é a dona do conhecimento, uma espécie de engenheira da
culinária. Agora, vamos supor que a banana e a bananada sejam vendidas. Um
quilo de banana custa um real. Já um quilo da bananada custa cinco reais.
Por que essa diferença de preços? Porque quando nós colhemos um
cacho de bananas na bananeira, criamos apenas um emprego: o de colhedor de
bananas. Agora, quando a vovó, ou a indústria, faz a bananada, ela cria
empregos na indústria do açúcar, da cana-de-açúcar, do gás de cozinha, na
indústria de fogões, de panelas, de colheres e até na de embalagens, porque
tudo isto é necessário para se fabricar a bananada. Resumindo, 1kg de
bananada é mais caro do que 1kg de banana porque a bananada é igual banana
mais tecnologia agregada, e a sua fabricação criou mais empregos do que
simplesmente colher o cacho de bananas da bananeira.
Agora vamos falar de outro exemplo que acontece no dia-a-dia no
comércio mundial de mercadorias. Em média: 1kg de soja custa US$ 0,10 (dez
centavos de dólar), 1kg de automóvel custa US$ 10, isto é, 100 vezes mais,
1kg de aparelho eletrônico custa US$ 100, 1kg de avião custa US$1.000 (10mil
quilos de soja) e 1kg de satélite custa US$ 50.000.
Vejam, quanto mais tecnologia agregada tem um produto, maior é o seu preço,
mais empregos foram gerados na sua fabricação.
Os países ricos sabem disso muito bem. Eles investem na pesquisa
científica e tecnológica. Por exemplo: eles nos vendem uma placa de
computador que pesa 100 g por US$ 250. Para pagarmos esta plaquinha
eletrônica, o Brasil precisa exportar 20 toneladas de minério de ferro.

A fabricação de placas de computador criou milhares de bons empregos
lá no estrangeiro, enquanto que a extração do minério de ferro, cria
pouquíssimos e péssimos empregos aqui no Brasil.
O Japão é pobre em recursos naturais, mas é um país rico. O Brasil é
rico em energia e recursos naturais, mas é um país pobre. Os países ricos,
são ricos materialmente porque eles produzem riquezas. Riqueza vem de rico.
Pobreza vem de pobre. País pobre é aquele que não consegue produzir
riquezas para o seu povo. Se conseguisse, não seria pobre, seria país rico.
Gostaria de deixar bem claro três coisas:
1º) quando me refiro à palavra riqueza, não estou me referindo a
jóias nem a supérfluos. Estou me referindo àqueles bens necessários para que
o ser humano viva com um mínimo de dignidade e conforto;
2º) não estou defendendo o consumismo materialista como uma forma de vida,
muito pelo contrário; e
3º) acho abominável aqueles que colocam os valores das riquezas
materiais acima dos valores da riqueza interior do ser humano. Existem
nações que são ricas, mas que agem de forma extremamente pobre e desumana em
relação a outros povos.
Creio que agora posso falar do ponto principal. Para que o nosso Brasil
torne-se um País rico, com o seu povo vivendo com dignidade, temos
que produzir mais riquezas.
Para tal, precisamos de conhecimento, ou tecnologia, já que temos abundância
de recursos naturais e energia.
E quem desenvolve tecnologias são os cientistas e os engenheiros,
como estes jovens que estão se formando hoje. Infelizmente, o Brasil é muito
dependente da tecnologia externa.
Quando fabricamos bens com alta tecnologia, fazemos apenas a parte
final da produção.
Por exemplo: o Brasil produz 5 milhões de televisores por ano e
nenhum brasileiro projeta televisor. O miolo da TV, do telefone celular e
de todos os aparelhos eletrônicos, é todo importado. Somos meros montadores
de kits eletrônicos.
Casos semelhantes também acontecem na indústria mecânica, de
remédios e, incrível, até na de alimentos.
O Brasil entra com a mão-de-obra barata e os recursos naturais. Os projetos,
a tecnologia, o chamado pulo do gato, ficam no estrangeiro, com os
verdadeiros donos do negócio. Resta ao Brasil lidar com as chamadas caixas
pretas.
É importante compreendermos que os donos dos projetos tecnológicos
são os donos das decisões econômicas, são os donos do dinheiro, são os
donos das riquezas do mundo. Assim como as águas dos rios correm para o mar,
as riquezas do mundo correm em direção aos países detentores das tecnologias
avançadas.
A dependência científica e tecnológica acarretou para nós
brasileiros a pendência econômica, política e cultural.
Não podemos admitir a continuação da situação esdrúxula, onde 70% do
PIB brasileiro é controlado por não residentes.
Ninguém pode progredir entregando o seu talão de cheques e a chave de sua
casa para o vizinho fazer o que bem entender.
Eu tenho a convicção que desenvolvimento científico e tecnológico
aqui no Brasil garantirá aos brasileiros a soberania das decisões
econômicas, políticas e culturais.
Garantirá trocas mais justas no comércio exterior.
Garantirá a criação de mais e melhores empregos.
E, se toda a produção de riquezas for bem distribuída, teremos a erradicação
dos graves problemas sociais.
O curso de engenharia da UERJ, com todas as suas possíveis
deficiências, visa a formar engenheiros capazes de desenvolver tecnologias.
É o chamado engenheiro de concepção, ou engenheiro de projetos.
Infelizmente, o mercado desnacionalizado nem sempre aproveita todo
este potencial científico dos nossos engenheiros.
Nós, professores, não podemos nos curvar às deformações do mercado.
Temos que continuar formando engenheiros com conhecimentos iguais
aos melhores do mundo. Eu posso garantir a todos os presentes,
principalmente aos pais, que qualquer um destes formandos é tão ou mais
inteligente do que qualquer engenheiro americano, japonês ou alemão.
Os meus trinta anos de magistério, lecionando desde o antigo ginásio
até a universidade, me dá autoridade para afirmar que o brasileiro não é
inferior a ninguém, pelo contrário, dizem até que somos muito mais criativos
do que os habitantes do chamado primeiro mundo.

O que me revolta, como professor cidadão, é ver que as decisões
políticas tomadas por pessoas despreparadas ou corruptas são responsáveis
pela queima e destruição de inteligências brasileiras que poderiam, com o
conhecimento apropriado, transformar o nosso Brasil num país florescente,
próspero e socialmente justo.
Acredito que o mundo ideal seja aquele totalmente globalizado, mas uma
globalização que inclua a democratização das decisões e a distribuição justa
do trabalho e das riquezas.
Infelizmente, isto ainda está longe de acontecer, até por limitações
físicas da própria natureza. Assim, quem pensa que a solução para os nossos
problemas virá lá de fora, está muito enganado.

O dia que um presidente da República, ao invés de ficar passeando como
um dândi pelos palácios do primeiro mundo, resolver liderar um
autêntico projeto de desenvolvimento nacional, certamente o Brasil vai
precisar, em todas as áreas, de pessoas bem preparadas.
Só assim seremos capazes de caminhar com autonomia e tomar decisões
que beneficiem verdadeiramente a sociedade brasileira. Será a construção
de um Brasil realmente moderno, mais justo, inserido de forma soberana na
economia mundial e não como um reles fornecedor de recursos naturais e
mão-de-obra aviltada.
Quando isto ocorrer, e eu espero que seja em breve, o nosso País
poderá aproveitar de forma muito mais eficaz a inteligência e o preparo
intelectual dos brasileiros e, em particular, de todos vocês, meus queridos
alunos, porque vocês já foram testados e aprovados.
Finalmente, gostaria de parabenizar a todos os pais pela contribuição
positiva que deram à nossa sociedade possibilitando a formação dos
seus filhos no curso de engenharia da UERJ. A alegria dos senhores, também é
a nossa alegria.



Muito Obrigado."

Um comentário:

  1. Que discurso fantástico! Se um dia tiver chance, pode dar a esse professor os parabéns de uma anônima, que ele não conhece, mas que ficou encantada com suas palavras.

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