Aos 450 anos do seu nascimento, o dramaturgo continua cada vez mais encenado, aplaudido e, agora, acessado em jogos e aplicativos digitais inspirados nas tragédias e comédias que mudaram para sempre a narrativa no Ocidente
A data em que se comemoram os 450 anos do dramaturgo inglês William Shakespeare, a quarta-feira 23, não é comprovadamente a de seu nascimento. O que não serve de impedimento para a carga pesada de homenagens em torno do mais lembrado dos escritores de cena de todos os tempos. Pouca coisa em Shakespeare é certa. Sua biografia é um mistério e até a autoria de seus espetáculos é de tempos em tempos posta em questão. Mas sua fama, alcance e influência só crescem e agora, quatro séculos e meio depois, a obra do “bardo” se multiplica em montagens, livros, jogos, revistas e até aplicativos, provando que o sucesso de sua produção segue aumentando ao largo das especulações históricas. Uma primeira edição, póstuma, com 36 de suas peças, é a única prova material de que ele teria escrito textos como “Romeu e Julieta”, “Hamlet” e “Macbeth”, algumas das obras incluídas no que se chama de Shakespeare canônico, conjunto de escritos mais encenados – e, portanto, mais conhecidos – do autor. As outras, consideradas apenas atribuições, mesmo sem nada comprovado, guardam as características do teatro expressivo, marcado por referências medievais e clássicas sobre questões humanas que nunca envelheceram.
PARA INGLÊS VER
Óleo sobre tela de Louis Coblitz (1847) retrata o
dramaturgo como celebridade dos salões da era elisabetana.
Mas o melhor de seu teatro foi feito para ser encenado nas ruas
“O aniversário é apenas um pretexto, todo ano é ano de Shakespeare, diz Celso Curi, um dos curadores do Festival de Curitiba, que neste ano trouxe para o Brasil a encenação de “A Violação de Lucrécia”, assinada pela Royal Shakespeare Company, sediada em Stratford-upon-Avon, cidade natal do dramaturgo, uma das companhias que centralizam as festas na Inglaterra. Inspirado em um poema do escritor inglês, trata-se, segundo seus criadores, de uma terrível fábula sobre a luxúria, o estupro e a política. “Você consegue imaginar algo mais atual do que o tema do estupro?”, questiona Curi. Além do poema encenado pela cabaretista Camille O’Sullivan, o festival teve duas montagens brasileiras de “Ricardo III” e uma chilena de “Otelo”. A reverência atravessa palcos e teatros mundo afora, com encenações que prometem marcar época.
MAJESTADES
Um dos maiores talentos do teatro inglês, o ator Simon Russell Beale
faz o personagem-título de -Rei Lear-, dirigido por Sam Mendes e com
lotação esgotada no National Theatre de Londres. Fica em cartaz até julho
O Théatre du Soleil, uma das mais importantes companhias em atividade, sediada em Paris, guardou para o ano em que ele próprio completa meio século de existência a estreia, na quarta-feira 30, de sua montagem de “Macbeth”. Com alguma chance de vir para o Brasil (provavelmente pelo Sesc, ainda este ano), o espetáculo promete ser carregado das experimentações de palco características do grupo dirigido por Arianne Mnouchkine. O personagem-título da peça maldita do bardo é definido na página oficial do Soleil na internet como “um homem que está desconfiado de pensamento, invocando as forças mais difíceis e perigosas, um homem muito mais feroz do que qualquer animal”. Uma pista de que não deve ser de pouco impacto a montagem “daquela peça escocesa”, expressão que substitui o nome do espetáculo, para quem o título pode trazer má sorte. Rivaliza em importância com a versão de Sam Mendes, diretor de “Beleza Americana”, para “Rei Lear”, com lotação esgotada no National Theatre de Londres, tendo no centro da cena o ator Simon Russell Beale, um dos grandes do país.
Vinda da Inglaterra, berço orgulhoso do autor, aportou no Rio de Janeiro uma exposição dos bastidores da Royal Shakespeare Company, documentados pela brasileira Ellie Kurttz, fotógrafa oficial do grupo há 12 anos. Os retratos, em cartaz no Centro Cultural Banco do Brasil, correspondem a um recorte de uma mostra maior, a de 150 anos de imagens do principal grupo shakespeariano em atividade, realizado pelo museu Victoria&Albert, em Cardiff. Completado por mesas redondas e palestras, o evento deve viajar por Brasília, Belo Horizonte e São Paulo. Ainda que o monólogo da Royal Shakespeare Company, encenado também em São Paulo, tenha inovado ao colocar uma cantora de cabaré no palco, diz-se que os ingleses são os últimos a arriscarem atualizações dos espetáculos elisabetanos. “Trata-se de Shakespeare puro, poético, bem construído”, diz Curi.
As montagens brasileiras mais importantes do autor, ao contrário, têm sido marcadas por certa liberdade em torno do modelo clássico. “Ham-let” do Teatro Oficina, dirigido por José Celso Martinez Corrêa, e o musical “Romeu e Julieta”, do Grupo Galpão, com direção de Gabriel Vilella, pouco mantiveram do texto além da concepção dos personagens. “Nós somos bem ousados. Diria até mesmo caras-de-pau para lidar com Shakespeare”, diz o curador. “Romeu e Julieta”, que recupera muito da vocação mambembe do teatro elisabetano (que, sim, nasceu nas ruas), foi, contudo, muitíssimo bem recebido pelo público do londrino Globe Theatre, em 2012. É que apesar de ter escrito em inglês – um dos poucos índices incontestáveis do teatro de William Shakespeare – já há muito ele pertence ao mundo.
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