segunda-feira, 31 de maio de 2021

Remédio israelense teve 100% de eficácia contra covid em testes

Todos os pacientes manifestavam a forma grave da doença e 90% deles tinham comorbidades.
A Bonus BioGroup desenvolveu um remédio que teve 100% eficácia na recuperação de casos graves da covid-19. De acordo com a empresa israelense, que é especializada em biotecnologia, o MesenCure foi testado em dez pacientes internados no Rambam Health Care Campus, em Haifa, Israel. Em média, os doentes receberam alta um dia depois de iniciarem o uso da medicação. Os resultados preliminares dos ensaios clínicos fase I/II foram divulgados na última semana em uma conferência internacional em Nova Orleans, nos Estados Unidos.

“Até agora, os resultados do tratamento com o medicamento MesenCure são extremamente impressionantes”, disse ao Jerusalem Post, Shadi Hamoud, principal pesquisador do ensaio clínico. Segundo o cientista, todos os pacientes que passaram pelo tratamento têm entre 45 e 75 anos de idade, estavam com a versão grave da doença e 90% deles tinham comorbidades.https://revistaoeste.com/tecnologia/remedio-israelense-teve-100-de-eficacia-contra-covid-em-testes/

sábado, 29 de maio de 2021

A VERSÃO CANGACEIRA DO INSPETOR CLOUSEAU



Publicado em 

*Augusto Nunes - Revista Oeste

Até a manhã de 25 de maio do ano da graça de 2021, nenhum brasileiro sequer desconfiava da existência de uma versão cangaceira do Inspetor Clouseau, o investigador doidão interpretado por Peter Sellers em A Pantera Cor-de-Rosa. Agora já sabem disso todos os que acompanharam naquele dia o desempenho de Renan Calheiros na CPI da Pandemia, nome oficial do circo montado no Congresso em que o senador alagoano capricha no papel de superdetetive de picadeiro. Só um trapalhão vocacional mostraria já na terceira semana de apresentações que o relatório ficou pronto antes de colhido o primeiro depoimento, e foi redigido pelo pior aluno da classe na faculdade de direito em Maceió.

Só um sócio remido do clube dos cretinos fundamentais, identificados por Nelson Rodrigues, divulgaria tão cedo o trecho do parecer que compara Jair Bolsonaro a Adolf Hitler, mortes provocadas pela covid-19 num país sul-americano ao Holocausto dos judeus na Alemanha nazista, integrantes do governo federal ao primeiro escalão do Führer e vigaristas aglomerados na CPI aos juízes do Tribunal de Nuremberg, que puniram o que restara do alto-comando do III Reich. Só um Inspetor Clouseau cangaceiro, enfim, enxergaria semelhanças entre a mais feroz ditadura do século passado e o Brasil democrático do terceiro milênio.

Renan andou estudando com especial interesse a figura de Hermann Goering (Góringui, em cangacês castiço). Precisa aplicar-se muito mais, alertam as derrapagens ocorridas durante a selvagem sessão de tortura sofrida pela História. “Góringui acabou se suicidando e não foi executado na cela, como estava previsto”, viajou o relator. O que estava previsto era a execução por enforcamento num dos três cadafalsos armados no presídio de Nuremberg, não na cela. “Em várias ocasiões durante o julgamento, o acusado exibiu filmes dos campos de concentração nazistas e de outras atrocidades”, reincidiu. Os filmes foram exibidos pelos acusadores, claro. Não pelo acusado.

Interrompido aos berros por senadores perplexos com a comparação (imediatamente repudiada também por representantes da comunidade judaica), Renan não identificou o Góringui brasileiro. Seria a depoente do dia, Mayra Pinheiro, secretária de Gestão do Trabalho e da Educação do Ministério da Saúde? Difícil. O ex-ministro Eduardo Pazuello? Talvez. Seja quem for, pode esquecer desde já a ideia de ingerir veneno para escapar da forca, como fez Hermann Goering. CPIs não têm poderes para condenar alguém a coisa alguma. Quem faz isso é o Judiciário. É coisa para tribunais de verdade, não para magistrados de botequim em ação no Senado.

Se até Renan sabe disso, por que o paralelo com Nuremberg? A resposta está no parágrafo em que o relator afirma que as decisões do tribunal que condenou os nazistas foram contestadas por muitos juristas, o que não ocorrerá com as conclusões da CPI, que se basearão nas leis em vigor no Brasil. No julgamento histórico, as atrocidades cometidas pelos nazistas foram enquadradas numa nova espécie de delinquência – crimes contra a humanidade. Para punir assassinos patológicos, o tribunal teve de ignorar o princípio jurídico segundo o qual a lei só retroage em benefício do réu. Embora não veja diferenças entre os nazistas alemães e seus similares nativos, nosso Clouseau é homem clemente. Ninguém será enforcado, nem haverá inovações no Código Penal. O relator pretende apenas propor o impeachment do presidente Jair Bolsonaro, e condenar à danação todos os que ousaram acreditar na eficácia de tratamentos preventivos ou retardar encomendas de vacinas salvadoras.

Para que nenhum ministro do STF duvide da isenção que o orienta, e acuse um relator exemplarmente imparcial de agir como um Sergio Moro, Renan prometeu contratar uma “agência de checagem”. Infestada de patrulheiros a serviço do pensamento único, essa abjeção nascida do cruzamento da censura com o controle social da mídia não tolera jornalistas que prezam a liberdade de expressão e a independência intelectual. Coerentemente, bandidos que se juntam à manada são tratados com o carinho reservado a comparsas. O líder da bancada do cangaço no Senado, por exemplo, acaba de ter o prontuário reduzido por uma dessas agências. “É falso que sejam 17 os inquéritos em tramitação no Supremo Tribunal Federal que envolvem Renan Calheiros. São nove”, comunicou o responsável pela checagem. A capivara emagreceu quase 10 quilos. Mas continua suficientemente gorda para garantir-lhe uma larga temporada na cadeia — se os titulares do Timão da Toga prendessem os renanscalheiros.

A biografia do relator explica a sintonia com o presidente da CPI, Omar Aziz, que virou caso de polícia quando governou o Amazonas (2010-2014) por desviar dinheiro destinado ao sistema de saúde pública. Em campanha para voltar ao cargo, disputa espaços no palco com Eduardo Braga, também ex-governador e igualmente candidato ao regresso. (Até agora, ninguém se lembrou de perguntar-lhes por que havia no interior do Amazonas, no momento em que o primeiro vírus chinês pousou no país, um único e escasso leito de UTI.) Além de entender-se muito bem com os dois, Renan esbanja afinação nos duetos com o vice-presidente Randolph Frederich Rodrigues Alves, vulgo Randolfe Rodrigues, cuja voz de castrato supera até os agudos famosos do pernambucano Humberto Costa, o Drácula do Departamento de Propinas da Odebrecht. A penúltima de Randolfe foi a convocação do presidente da República para depor na CPI, proibida por lei de convocar presidentes da República.

As poucas mulheres do elenco fazem o que podem para ampliar o acervo de assombros. Líder da bancada feminina no Senado, Simone Tebet só levantou o cerco movido aos condutores dos trabalhos depois de atendida a principal reivindicação: senadoras que não são titulares da CPI queriam fazer perguntas aos depoentes. Primeira a usar o microfone, lamentou as mortes em Mato Grosso do Sul por 15 minutos, ao fim dos quais avisou que não tinha nada a perguntar. Autorizada a fazer duas perguntas, a paulista Mara Gabrilli quis saber se poderia formular uma terceira no lugar da segunda resposta do depoente, pela qual não tinha o menor interesse.

Desde a instauração da CPI, passaram-se três semanas de três dias, como determina o calendário do Congresso. Neste fim de maio, a contemplação da comissão conduzida por um Clouseau fora da lei informa que, abstraídas raríssimas exceções, os comissários se dividem em duas alas: a dos incapazes e a dos capazes de tudo. Uma coisa assim só pode dar em nada.

*Augusto Nunes

A QUEIMA DAS LIBERDADES - A mídia brasileira está entregando a sua alma



Por uma questão no mínimo de amor-próprio, se não for por nenhum outro motivo, a imprensa brasileira deveria mandar para o diabo as agências que, segundo a descrição que fazem de si mesmas, têm a finalidade de verificar se as notícias são falsas — fake, como se diz hoje — ou verdadeiras. Por qual razão lógica, quando se pensa cinco minutos no assunto, um órgão de imprensa precisaria recorrer a um serviço externo, ainda que associado a ele de alguma forma, para não publicar mentiras — um trabalho que ele próprio tem a obrigação óbvia de fazer? Um jornal, uma emissora de tevê ou uma estação de rádio têm de garantir ao seu público a correção das notícias que publicam. Um fabricante de margarina garante na embalagem a qualidade do seu produto; faz isso por conta e responsabilidade próprias, e não pede a ninguém que dê a garantia em seu lugar. Por que a mídia acha que não precisa fazer a mesma coisa?

Veículos de imprensa que respeitam a si mesmos sempre cuidaram de apurar por sua própria conta, sem a ajuda e sem a autorização de ninguém, tudo aquilo que publicam em suas páginas ou emissões. Até algum tempo atrás, empregavam nesse trabalho os seus próprios recursos financeiros, as suas energias e o talento dos seus profissionais. Quem “certificava” que uma notícia era correta, e não falsa, era o veículo que a publicava, pois isso fazia parte dos seus deveres essenciais junto aos leitores, telespectadores e ouvintes. Um dos pontos de honra mais elementares para um jornal, tevê ou rádio era, justamente, a sua própria palavra: “Pode acreditar no que você lê, vê ou ouve aqui”, dizia a mídia, “porque nós temos um nome a defender e garantimos que tudo o que é impresso ou vai ao ar corresponde exatamente aos fatos. Se for falso, não sai; se estiver circulando por aí, e for mentira, nós vamos dizer que é mentira.” Nós — e não uma agência criada meia hora atrás, sem sócios responsáveis, sem história, sem público, sem deveres legais e sem nenhuma responsabilidade quanto à reputação de quem trabalha numa redação.

Se você não consegue assegurar aos próprios leitores ou audiência a veracidade do que diz, e precisa de alguém de fora para fazer isso em seu lugar, então você está no negócio errado; não tem condições de cumprir com a sua obrigação mais fundamental junto ao público e, por causa disso, torna-se uma fraude. Ao deixarem que uma agência de “fake news” decida o que é falso ou verdadeiro no noticiário, os veículos não apenas abandonam o seu dever de apurar — tarefa, aliás, que é plenamente paga pelo público consumidor. Por um lado, aceitam passivamente submeter-se ao uso de uma palavra do inglês para dizer algo que sempre foi possível dizer no português mais básico. Por outro, estão abrindo mão, cada vez mais, do seu patrimônio mais vital — a liberdade de expressão. De fato é isso, liberdade de expressão, que está realmente no centro dessa história toda.

Quando cede a isso tudo, a imprensa colabora com o totalitarismo

Já seria muito ruim para a mídia se as agências fossem neutras em suas sentenças sobre a veracidade das notícias — mas não há nada de neutro, nem de objetivo, nem de sincero, nem de bem-intencionado, na ação de nenhuma das organizações que estão operando na área. Ao contrário: sua atividade real é abertamente política. Têm propósitos definidos; nenhuma delas tem qualquer coisa a ver com a verdade dos fatos, como se comprova nos exemplos apresentados na reportagem de capa desta edição. Nesses comitês de “verificação” de notícias, uma publicação (“conteúdo”, como dizem) não é denunciada por ser falsa. É denunciada para prejudicar o veículo ou o jornalista que a pôs em circulação — e os vigilantes querem fazer isso em relação a qualquer informação que não aprovem ou da qual não gostem. Não se faz “checagem” de fato nenhum; o que as agências realmente checam são as atitudes políticas de quem publicou a notícia. Na prática, são sistematicamente denunciadas todas as matérias que as agências consideram de “direita”.

Quais? Há de tudo. Estão entre elas qualquer coisa positiva que possa ser dita sobre o governo, fotos que revelam a real extensão das queimadas na Amazônia ou informações sobre mortos pela covid. A cloroquina está entre os temas proibidos; tem de dizer que é ruim, obrigatoriamente, senão a agência diz que é fake. Também não se pode dizer que um governador de Estado deu a si próprio, por decreto, o direito de expropriar propriedade privada, “móvel ou imóvel”, em nome do “combate à pandemia”. É “falso”, de um modo geral, tudo o que se diga vagamente a favor de Donald Trump, ou vagamente contra a OMS. Também não se pode dizer nada contra a prisão ilegal de um deputado federal pelo STF, o inquérito também ilegal deste mesmo STF sobre as “ameaças à democracia” e a vereadora Marielle Franco. Já deu para entender, não é mesmo?

Ao aceitarem essa submissão, os veículos sacrificam sua liberdade em troca do “politicamente correto” — um universo sem fim que engloba todos os mandamentos existentes ou futuros sobre racismo, feminismo, machismo (“masculinidade tóxica”, no dialeto corrente), transgêneros, transexuais, eliminação do feminino e do masculino na língua portuguesa, igualdade, “distanciamento social”, agricultura familiar, “agrotóxicos”, produtos orgânicos, incêndios no Pantanal, Jair Bolsonaro, piadas de papagaio e mais um milhão de coisas. Quando cede a isso tudo, a imprensa colabora com o totalitarismo. Acha que está militando no “campo progressista”. Está apenas servindo à queima geral das liberdades.

Mais especificamente, no caso das agências de “checagem”, a mídia está entregando a sua alma a um aglomerado de empresas estrangeiras — as chamadas “big techs”, as corporações gigantes que controlam a comunicação eletrônica no mundo inteiro, influem cada vez mais na remuneração da mídia e censuram abertamente todo e qualquer conteúdo que está ao alcance das suas operações. Facebook, Google, Apple e Amazon são as forças por trás de diversas das entidades que decidem o que é fake news no Brasil; ao ceder a elas, a imprensa está se deixando governar por potências acima da sua própria compreensão. As big techs não ditam os editoriais da imprensa ou as notícias do horário nobre. Não precisam disso para mandar e ganhar dinheiro. Mas a cada vez que um veículo permite que o seu noticiário se submeta aos birôs de certificação da verdade, está colaborando com a mão invisível de empresas que não têm o mais remoto interesse pela integridade da mídia brasileira, e menos ainda pela boa informação do público que a sustenta.

Quanto esse desastre vem da malícia, da ignorância ou da inépcia dos órgãos de imprensa, ou de boas intenções mal executadas, é coisa que ainda vai ser esclarecida no futuro. Por ora, o que parece certo é que o avanço das agências de fake news deve muito, ou quase tudo, à enorme resistência à atividade de pensar que se tornou uma das grandes marcas da mídia brasileira de hoje. Eis aí uma verdadeira má notícia.

J.R. Guzzo - Revista Oeste

CHECADORES DE IDEIAS

 


As agências de checagem de fatos dizem identificar fake news. Na verdade, checam se a notícia está de acordo com o pensamento progressista.

Desde que a expressão “pós-verdade” entrou para o dicionário britânico Oxford, em 2016, o mundo viu renascer a preocupação com um dos fenômenos mais antigos da humanidade: o boato. Rebatizado de fake news, o conteúdo falso assumiu as vestes do jornalismo, copiou o design das páginas de notícia e cativou leitores mais propensos a aceitar relatos com base em suas emoções do que em fatos — esta é, aliás, a definição de pós-verdade.

Impulsionadas pela facilidade de compartilhamento nas redes sociais, páginas de conteúdo falso despertaram o instinto caçador de jornalistas imbuídos no papel de justiceiros sociais. Encontrar, desmascarar e denunciar sites de fake news se tornou uma das atividades mais regozijantes dos profissionais de imprensa. Nada mais legítimo — embora não seja exatamente assim na vida real. Um profissional comprometido com a verdade não poderia assistir passivamente à proliferação de textos contando que roubo de smartphone barato não seria considerado crime ou que o papa teria dito que “Jesus fracassou na cruz”.

Assim surgiram as agências de fact checking. No âmbito global, os primeiros experimentos foram o FactCheck.org (2003) e o PolitiFact.com (2007). No Brasil, entre as operações mais conhecidas, estão as agências Aos Fatos e Lupa (2015), associadas ao Facebook e abastecidas com verba do programa de apoio ao jornalismo da big tech. O Google também financia projetos de checagem. Em março deste ano, a agência Lupa — que não respondeu às tentativas de contato para esta reportagem — anunciou ter sido o único site brasileiro selecionado pelo Google para receber parte dos US$ 3 milhões do fundo criado pela companhia em defesa da vacina contra a covid-19.

Com as alianças estabelecidas com as corporações de redes sociais, a atuação dessas agências avançou sobre a terra de ninguém chamada newsfeed — espaço que reúne todo o conteúdo postado por qualquer usuário nessas plataformas. Incapazes de gerenciar o monstro que criaram, as social big techs — prioritariamente, o Facebook — delegaram aos fact checkers o poder de escolher o que pode circular nas redes.

“É o surgimento de uma nova classificação sobre credibilidade que as big techs estão promovendo. Atualmente, essas empresas de tecnologia escolhem quais veículos podem determinar o que é verdade ou mentira e, com base nessas decisões, quais informações serão difundidas massivamente para a audiência. Ou seja, os veículos escolhidos têm de fato a palavra final sobre os jornais tradicionais.”

O alerta é de Ewandro Schenkel, gerente de jornalismo da Gazeta do Povo, do Paraná. Em 2020, o jornal centenário entrou para a lista de veículos de desinformação, criada pela CPMI das fake news. A classificação feita por agências de fact checking e por consultores legislativos não se sustentou. Bastou a equipe da Gazeta perguntar quais foram os critérios usados na decisão — nem as agências nem a relatora Lídice da Mata (PSB-BA) souberam responder.

Em tentativas como essa, de monopolizar o entendimento sobre o que é verdade, as redes sociais e empresas de fact checking são amparadas pelo Estado na criação do que Schenkel chama de “cultura de veneração pelos ‘checadores’”, o que pode gerar prejuízos e calar veículos que praticam o jornalismo em essência, como ele sempre precisou ser: com checagem de fatos prévia à publicação. Num cenário assim, a atuação dos profissionais de fact checking perde o sentido, a menos que haja outras razões para exercer a vigilância sobre o trabalho de colegas, numa espécie de censura institucionalizada.

Schenkel sublinha que boa parte da apuração feita pelas agências de checagem se debruça sobre pautas subjetivas ou temas sem consenso, como os debates religiosos, ideológicos e até referentes a avanços da ciência.

Sem critérios claros, os fact checkers tratam conteúdo jornalístico profissional da mesma forma como avaliam qualquer outro conteúdo postado por qualquer usuário nas redes sociais. Uma evidência disso ocorreu quando a agência Lupa rotulou de falsa uma imagem capturada no site de Oeste mostrando a notícia de que a OMS defende a retomada econômica. A captura de tela foi postada pelo então candidato a vereador Bruno Secco (PP-SP), que acrescentou um comentário com sua opinião a respeito da notícia.

O patrulhamento da Lupa entendeu que nada daquilo deveria estar nas redes sociais: nem a notícia de Oeste nem a opinião do usuário. Num claro ataque à liberdade de expressão, a agência demonstrou desconhecer conceitos primários da cultura digital, como o remix narrativo. Autores como Henry Jenkins e André Lemos já publicaram extensas obras abordando o protagonismo que cada indivíduo assume ao produzir sua mensagem a partir de uma colagem de outros conteúdos publicados. Completamente alheia à opinião do usuário — afinal, ele ainda tem direito a publicá-la no próprio perfil —, a Lupa expôs a marca e a notícia de Oeste de forma pejorativa e sem nenhuma justificativa jornalística.

De repente, o que era para ser checagem de fatos se transforma em jogo de opiniões. Basta que alguém se incomode com algum acontecimento noticiado e — pronto! — ele corre o risco de ser tachado de fake news. Isso acontece porque o trabalho das agências começa com a compilação de denúncias de conteúdos supostamente impróprios ou enganosos, feitas por qualquer grupo de usuários nas redes sociais, inclusive por milícias virtuais.

Por mais que o sistema que recebe as denúncias opere por machine learning, não há inteligência artificial capaz de interpretar as motivações de quem denuncia um conteúdo. Como separar denúncias feitas com base numa real desconfiança daquelas motivadas pela simples oposição a valores ideológicos?

Ao receberem a notificação dos conteúdos reportados pelos usuários, as agências de fact checking podem fazer um recorte e direcionar seus canhões àquilo que mais lhes convém ou que chancele suas convicções políticas. O cenário para criar uma narrativa oportuna é perfeito; afinal, além de elas estarem incumbidas de decidir o que é verdade e o que é mentira, não há quem cheque os checadores.

Nos sites dessas agências há inúmeras explicações sobre o processo que dizem adotar e os métodos que se comprometem a usar. Todas as explicações mencionam apartidarismo e precisão. As agências também firmam o compromisso de que seus profissionais não atuarão como apoiadores de partidos políticos, governantes ou candidatos. Tampouco vão advogar contra ou a favor de quaisquer posições políticas em quaisquer questões, exceto pela transparência e precisão no debate público — é o que estabelece a cláusula 2.4 do termo de compromisso da International Fact-Checking Network, entidade internacional que certifica a atuação de agências como Lupa e Aos Fatos.

Na vida real, entretanto, a história é diferente. Com o aquecimento da polarização política nas redes sociais, os fact checkers não se contiveram em avaliar sites e posts de boatos, mas passaram a escrutinar e classificar o trabalho de outros jornalistas. Ou melhor, o protocolo jornalístico de produção de notícia pouco importa; a preocupação maior é com o teor das pautas, o enfoque e o conteúdo apresentado pelas fontes.

Já não importa que um repórter entreviste uma autoridade, consulte documentos públicos e relate essas informações numa notícia. Se alguém nas redes sociais não gostar ou discordar do que a fonte disse ao repórter, quem paga o pato é o veículo jornalístico, que terá seu conteúdo rotulado de fake news e sofrerá punições aplicadas pela rede social.

Isso aconteceu inclusive com conteúdos da Revista Oeste.

Em janeiro deste ano, o repórter Artur Piva publicou a história da cidade mineira de São Lourenço, onde, num dia específico, não havia um só paciente internado na UTI por conta da covid-19. A informação constava em um boletim emitido pela prefeitura. A matéria trazia ainda uma declaração do prefeito, Walter Lessa (PTB), relatando a adoção do tratamento precoce em casos de suspeita da doença. Ainda que estivesse usando informações oficiais da cidade, o repórter de Oeste viu seu trabalho ser categorizado como “conteúdo enganoso” e “peça de desinformação” pela agência Aos Fatos.

O procedimento jornalístico de apuração, edição e publicação foi cumprido. O relato era verídico e todos os dados foram atribuídos a fontes oficiais. Mas a equipe de Aos Fatos discordava do prefeito ouvido na matéria, o que foi suficiente para atestar que a notícia era falsa. Tão falsa como se o repórter tivesse inventado o fato de as UTIs de São Lourenço estarem vazias ou simplesmente criado uma declaração de alguma autoridade. A contestação da agência, entretanto, concentrou-se basicamente em questionar a validade do tratamento precoce e, mergulhada na bandeira ideológica, esqueceu de avaliar o jornalismo.

O mais curioso é que, no final do texto publicado por Marco Faustino no site de Aos Fatos, a informação trazida por Oeste é confirmada: “Em 15 de março, de fato não há habitantes da cidade na UTI, mas os boletins entre os dias 22 de fevereiro e 2 de março mostram um caso de internação”. A notícia foi feita e publicada no dia 15 de março; o escopo da pauta não era de um mês antes. A propósito: o objeto do jornalismo sempre foi a atualidade.

Outro lapso de tempo foi protagonizado quando Aos Fatos comparou uma matéria de Oeste sobre as queimadas na Amazônia com o conteúdo reportado por boa parte da mídia mainstream. Em 20 de julho de 2020, a editora de Oeste Branca Nunes publicou: “Imagem da Nasa prova que a floresta amazônica não está em chamas”. A fonte de Branca era uma fotografia captada pelo Fire Information for Resource Management System, da agência espacial norte-americana, que mostrava focos de incêndio realmente esparsos no território brasileiro, dois dias antes, em 18 de julho.

Àquela altura, no entanto, muitos veículos preferiam usar imagens mais antigas, produzidas um mês antes por outra fonte, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Segundo esses outros veículos, as fotos do Inpe mostravam uma floresta em chamas, e essa narrativa combinava mais com as preferências da equipe de Aos Fatos. Assim, não foi difícil para a agência retirar de circulação nas redes sociais mais um conteúdo de Oeste. A matéria de Branca Nunes foi classificada como fake news, apesar de mostrar evidências e mencionar uma fonte de confiabilidade inquestionável pela comunidade científica internacional. Eram duas fontes: cada uma referente a um período; cada uma mostrando uma informação diferente. Por que a informação do Inpe era verdadeira e a da Nasa, mostrada por Oeste, resultaria numa notícia falsa?

No Facebook, a chamada para a notícia recebeu o constrangedor rótulo de “Informação falsa checada por verificadores de fatos independentes”. A fanpage de Oeste foi penalizada com a redução brusca da distribuição de seus conteúdos. Ambas as penalidades são anunciadas pelo próprio Facebook como ações que a plataforma pode tomar caso algum de seus fact checkers contratados ateste a falsidade de um conteúdo.

Na lista de providências que a rede se dispõe a tomar, não consta o questionamento das agências de fact checking. Ou seja, o que elas dizem é o que vale. E ponto-final. Oeste tentou contato com a área de atendimento à imprensa e parceria com veículos do Facebook, mas todas as mensagens enviadas pela redação foram bloqueadas pela rede social.



A Revista Oeste perguntou objetivamente à agência Aos Fatos quais informações apresentadas em ambas as notícias eram inverídicas. Apesar de ter sugerido que esta e outras perguntas fossem enviadas ao seu e-mail, Ana Rita Cunha, chefe de reportagem de Aos Fatos, não respondeu sequer a uma delas. Apenas enviou uma nota na qual afirma que a agência tem “compromisso com o apartidarismo e a equidade e com a transparência de fontes e métodos”. A nota diz ainda: “Usamos os mesmos parâmetros para checar conteúdos de qualquer espectro político-ideológico. Não advogamos por agendas políticas ou declaramos preferência ideológica em assuntos que checamos”.

Além da Lupa e da Aos Fatos, o Brasil conta hoje com uma série de outras agências de checagem menores e também de uma coalizão de 28 veículos da mídia mainstream que atuam em parceria com a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo, a Abraji, na checagem de notícias publicadas por outros meios de comunicação. O projeto, chamado Comprova, se propõe a investigar “conteúdos duvidosos publicados nas redes sociais sobre pandemia e políticas públicas no âmbito do governo federal”.

Segundo o editor-chefe do Comprova, Sérgio Lüdtke, os conteúdos checados pela rede são selecionados pelo volume de viralização, desde que obedecidos os critérios do escopo. Três a quatro jornalistas de veículos diferentes investigam o material e produzem um relatório sobre a investigação. Outros três jornalistas de outros veículos são envolvidos no processo para revisar o trabalho dos colegas. O resultado do trabalho é publicado após haver consenso de todo o grupo envolvido.

No site do Comprova, o projeto declara ter um conselho editorial encarregado de identificar “qualquer padrão enviesado não intencional”. Questionado se o conselho já havia encontrado alguma ocorrência de enviesamento nas investigações, Lüdtke afirmou: “Não encontrou”.

Assim como as agências Lupa e Aos Fatos, o Comprova também é financiado pelo Facebook e pelo Google. Ao lado de outros gigantes do Vale do Silício, como Amazon, Apple, Microsoft, Oracle, Netflix e Twitter, as líderes mundiais do mercado de tecnologia já são tradicionalmente conhecidas por financiar projetos ligados à pauta progressista.

A campanha de Joe Biden foi a principal beneficiada pelas generosas doações dos donos e dos funcionários das big techs. De acordo com o Centro de Responsabilidade Política Open Secrets, elas correspondem a cinco dos sete maiores doadores que ajudaram a derrubar Donald Trump. As razões passam até mesmo por questões pessoais. Segundo a revista Observer, Trump é desafeto particular de Jeff Bezos, CEO da Amazon. Entre cifras que variam de US$1 milhão a US$ 21 milhões por empresa, nada menos que 98% das doações do Vale do Silício foram direcionadas à campanha de Biden.

Olhando para o cenário macro da comunicação interpessoal e midiática, portanto, um dos setores mais fortes da economia global — a indústria da tecnologia — é capaz de atuar decisivamente para definir a Presidência dos Estados Unidos, além de decidir o que é verdade e o que é mentira na imprensa mundial. As agências de fact checking, por sua vez, aproveitam a incapacidade das redes sociais de combater as fake news e prometem ser a voz da verdade.

Se o que conta, para as big techs, são as causas progressistas, é para aí que essas empresas multimilionárias e supercapitalistas direcionarão suas verbas de social justice warrior. Com dinheiro na mão e pseudo-poder para rotular o mundo, os verificadores parecem menos preocupados com os fatos e mais atentos a atender quem os financia. O resultado se vê no tribunal de fact checkers negando verdades incômodas ao pensamento progressista apresentadas por veículos jornalísticos profissionais. É a vitória da pós-verdade que não aceita contestação.

Checadores de Ideias

quinta-feira, 6 de maio de 2021

VAMOS PARAR DE FINGIR?

A CPI da Covid é uma trapaça histórica que se manterá distante da principal questão: a inépcia e a malversação de dinheiro do Erário por parte dos que foram encarregados de tratar da covid.


A aglomeração que o Senado Federal inventou com o título de “C.P.I.” e a função, no papel, de investigar atos de imperícia, de imprudência e de negligência — mais os de má-fé — cometidos em volta do governo federal em um ano de combate à covid é um conto do vigário gigante. “Comissões parlamentares de inquérito”, sejam as montadas na Câmara dos Deputados ou as do Senado, são, há mais de 100 anos, um dos golpes preferidos dos políticos brasileiros. Não se destinam a fazer inquérito nenhum, nunca, nem apurar responsabilidade de ninguém, nem, muito menos, punir algum culpado. Servem, ao exato contrário, para proteger os criminosos de verdade com o imutável grito de “pega ladrão” que a bandidagem usa quando se vê ameaçada; além disso são empregadas para promover os interesses pessoais mais grosseiros da politicalha. Este golpe de agora, o da covid, está com todo o jeito de ser um marco histórico em matéria de safadeza, hipocrisia, desperdício de dinheiro público e inutilidade, pura e simples, por parte do Congresso Nacional.

É um fato de conhecimento comum até nos jardins de infância que nunca se roubou tanto neste país, desde os incomparáveis governos Lula-Dilma, quanto se roubou agora por conta da covid. A roubalheira do PT, na verdade, foi distribuída ao longo dos treze anos e meio de dois governos; a de agora está toda concentrada em pouco mais de um ano de atividade intensa. Como poderia ser diferente? As “autoridades locais”, ou seja, os 27 governadores e 5.500 prefeitos do Brasil, ganharam do STF a tarefa — e plena autonomia — para administrar como melhor entendessem o combate à epidemia. Como ficou claro desde o primeiro dia, nenhuma decisão “local” poderia ser modificada, nem muito menos vetada, pelo governo federal; ao contrário, por ordem do STF, a União foi legalmente proibida de mexer uma palha em qualquer coisa que os governadores e prefeitos fizessem. Só estava obrigada a soltar verba — e pagar o “auxílio de emergência” a quem perdeu trabalho e renda por causa da repressão ao trabalho, à produção e à atividade econômica imposta pelas “autoridades locais”. É óbvio o que iria acontecer com todo esse poder distribuído — sem nenhum controle — a tão pouca gente: surtos de incompetência, desperdício em massa de dinheiro público e ladroagem explícita. Depois do “Mensalão” e do “Petrolão”, chegou a vez do “Covidão”.

Que tal parar de fingir por uns minutos? Todo mundo sabe desde criança que político brasileiro rouba; nem todos, é claro, mas a maioria mete a mão com o desespero de um homem-bomba muçulmano ou, então, se faz de bobo e deixa que roubem o que quiserem em volta de si. Por que diabo, então, seria diferente nesse caso? Só por que é uma doença? Não seja por isso; no governo Lula, por sinal, roubaram até sangue dos hospitais, naquele notável escândalo da máfia dos vampiros que deixou lembranças até hoje. Dinheiro é dinheiro. Se vem com a covid ou com as empreiteiras de obra, com o vírus ou com o pré-sal, tanto faz — o que interessa é a “verba liberada” e o dinheiro depositado no banco. O resto é conversa de CPI e para analista de telejornal do horário nobre.

Governadores, prefeitos, seus familiares, os amigos e os amigos dos amigos não contaram apenas com essa decisão sagrada do STF, e com o apoio quase integral das “instituições”, do Brasil “que pensa” e dos meios de comunicação. Mais que isso, tiveram a bênção do “estado de emergência”, um pé de cabra legal que permitiu aos gestores locais gastarem dinheiro público sem controle nenhum: sem concorrência pública, sem licitação, sem necessidade de prestar conta. Se já é uma dificuldade extrema segurar a roubalheira com todas as regras e contrarregras que existem por aí, imagine-se, então, o que acontece quando praticamente não há controle algum. Mais: ninguém aqui está falando de uns trocados. As “autoridades locais” receberam ao longo do último ano, em verbas federais, cerca de R$ 60 bilhões para cuidar da epidemia — dinheiro que o Tesouro Nacional não tem, mas que sempre é fácil tirar dos impostos que a população paga todos os dias, a cada vez que acende a luz ou põe um litro de combustível no tanque. Hoje em dia, com essa história de dizer 1 bilhão aqui, 1 bilhão ali, pode parecer banal, mas 60 bi é uma imensidão em termos de dinheiro. Para se ter um começo de ideia: o total dos gastos federais com a educação, em um ano, ficou em R$ 40 bilhões. A covid comeu uma vez e meia isso aí.

Aparecem agora os heróis da mídia no papel de resistentes ao “fascismo”

Para completar o seu sonho de consumo, as “autoridades locais” contaram com a ajuda vital do Ministério Público, da Polícia Federal e da mídia em geral, que estão de olhos praticamente fechados há mais de um ano, quando se trata de corrupção na covid. Há exceções, claro: o governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, foi posto para fora do palácio em agosto do ano passado, destituído e até preso, no meio de uma tempestade de acusações de roubo na gestão da epidemia. Mas Witzel, claramente, é um caso fora da curva. Num Estado que já teve um colosso na história da corrupção universal como o ex-governador Sérgio Cabral, com mais de 200 anos de cadeia nas costas por roubar de tudo (para não falar de Anthony Garotinho e sua mulher, Rosinha), conseguir ser demitido do governo, como ele foi, é realmente qualquer coisa de paranormal. Na vida mais normal, a governadorzada e a prefeitada deitaram e rolaram, sem que as denúncias apresentadas contra eles tenham atraído a real atenção do MP, da PF ou da imprensa; saiu alguma coisinha aqui, outra ali, mas absolutamente nada que lembrasse, nem de longe, a fúria moral de todos quando os acusados fazem parte da sua lista negra.

Diante de mais essa calamidade — uma epidemia que ultrapassou os 400 mil mortos, incompetência maciça de governos estaduais e prefeituras e corrupção especialmente perversa —, o Senado faz o quê? Faz exatamente o que as “instituições democráticas” do Brasil sempre fizeram: enterra o problema real, salva os culpados e dá às piores figuras, mais uma vez, a oportunidade de virarem heróis da mídia no papel de resistentes ao “fascismo”, à “direita” e ao “genocídio”. A questão, se querem mesmo investigar alguém, é a inépcia e a malversação de dinheiro do Erário por parte dos que foram encarregados de tratar da covid — as “autoridades locais.” Em vez disso, investigam o governo federal — que não tem quem o defenda, dentro e fora do mundo político, e vai ficar apanhando quieto até os arquiduques da “Resistência” tirarem tudo o que podem da CPI e partirem para outra. É desastre com perda total.

Como acontece quase sempre na vida pública brasileira, a trapaça das “investigações” se repete como farsa, ou como espetáculo de humor macabro. Nada revela tão bem o deboche de tudo isso quanto a lista de membros da CPI. O presidente é um senador do Amazonas envolvido até o talo na confusão: sua própria mulher, além de irmãos, já foram presos por ladroagem na área da saúde — da saúde, justamente, dentro de um escândalo que se arrasta há cinco anos no Estado e na capital, Manaus, e é objeto das operações Maus Caminhos e Cash Back, da Polícia Federal. O representante titular do PT é o senador Humberto Costa — ninguém menos que o “Drácula” da lista de políticos comprados pela construtora Odebrecht, codinome que recebeu por seu envolvimento junto à máfia que roubava sangue da rede pública de hospitais quando ele era ministro da Saúde de Lula. Há outra estrela da relação de salteadores da Odebrecht: o “Whiskey”, apelido do senador Jader Barbalho, do Pará. (Deu para entender a presença de Amazonas e Pará na CPI? Pois então: são exatamente os dois Estados, fora o Rio, onde mais se roubou neste ano de covid.)

O ponto alto do show, entretanto, é o senador Renan Calheiros no papel de relator da CPI, nada menos que isso. Renan é um dos membros mais enrolados com o Código Penal que dão expediente nesse espantoso Senado brasileiro — não deve haver, aliás, caso igual ao dele em nenhum Senado do mundo. Ou seja: os políticos não apenas insultam a população com a sua CPI; também fizeram questão de pisar em cima, com a nomeação de Renan. É como se estivessem dizendo: “Isso aqui é o Senado Federal. Polícia, promotor e juiz, aqui dentro, são o Renan e a sua turma”. Não é nenhuma surpresa, por sinal, que o senador que foge da lei há 30 anos tenha se tornado um grande estadista aos olhos da mídia brasileira de hoje; é claro, ele se reinventou como marechal de campo da esquerda nacional, líder da oposição ao presidente da República e apóstolo intransigente da guerra ao “negacionismo”. É tratado, em consequência, como um gigante da nossa política. Suas declarações aparecem em todas as primeiras páginas, nos telejornais e nos programas de rádio. Seu passado, que está presente nos autos, foi “cancelado” do noticiário, como se diz hoje. Ele não fez nada de errado, nunca. É a estrela da CPI, dos editoriais e do “campo progressista”. Aboliu-se uma realidade; foi construída outra em seu lugar. Eis aí a política do Brasil, mais uma vez. É assim que funciona.

J.R. Guzzo