sábado, 29 de fevereiro de 2020

O Águia de Haia e o Pavão de Tatuí

*Por Augusto Nunes

Cem anos depois de Rui Barbosa, o Brasil tem de consolar-se com Celso de Mello


O doutor Celso de Mello não se considera gente como a gente. Primeiro, porque não é apenas um ministro do Supremo Tribunal Federal. É O DECANO, título conferido ao mais antigo integrante do time da toga. Soa bem. Sobretudo, rima com o subdialeto falado por Celso de Mello: juridiquês castiço. Trata-se de um filhote disforme do português que torna majestoso o mais mambembe botequim.
Em homenagem aos viventes comuns, o decano às vezes solta um "Supremo Tribunal Federal". Em momentos especialmente generosos, até se permite um "STF". Mas o que Celso de Mello saboreia com prazer afrodisíaco são três expressões sinônimas: "Pretório Excelso", "Colenda Corte e "Egrégio Tribunal". Pretório era a denominação de um tipo de fortificação romana. Excelso quer dizer "sublime". "Colendo" significa "respeitável, venerando". E egrégio quer dizer "insigne, nobre, eminente".
Aliás, o afetivo “eminente" precede os nomes dos colegas de STF ou juristas que menciona em seus votos de dimensões sempre amazônicas. Uma sumidade dessas não poderia deixar de emitir seu parecer no assombroso besteirol gerado pelo vídeo que Jair Bolsonaro soltou num grupo de WhatsApp.
A conclamação para o ato contra o STF e o Congresso, decidiu nosso Rui Barbosa em compota, “revela a face sombria de um presidente (...) que demonstra uma visão indigna de quem não está à altura do cargo que exerce e cujo ato de inequívoca hostilidade aos demais Poderes da República traduz gesto de ominoso despreço e de inaceitável degradação do princípio democrático".
No fim do ano, a aposentadoria compulsória devolverá Celso de Mello à cidade paulista onde nasceu. Mas não precisa dizer mais nada para justificar o cognome que conquistou com palavrórios desse calibre: cem anos depois do Águia de Haia, o Brasil tem de conformar-se com o Pavão de Tatuí.

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2020

Nunca permita que o calem

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2020

Governo serve para governar, não para ser dono de imóveis

O que são R$ 18 milhões nas contas públicas do Brasil? Nada. O que são duas casas (“mansões”, no dialeto burocrático-imobiliário do governo federal) para uma máquina estatal que tem tantos imóveis, mas tantos, que ninguém é capaz de dizer com certeza quantos são, mesmo entre os funcionários pagos para saber essas coisas? Nada, mais uma vez.

Só que esses dois nadas, no Brasil como ele é há 500 anos, podem ser muito – não em volume, mas em significado. Foi essa a soma que o governo acaba de colocar para dentro do seu cofre com a venda de duas ex-residências oficiais em Brasília. Se continuar assim e – obviamente – se acelerar o ritmo das vendas de seus imóveis, não só na Capital mas no resto do país, ainda vai acabar fazendo dinheiro.

Muito mais que isso, o governo tem durante os próximos anos a chance de mostrar que é possível, sim, fazer o que é certo. A União, como se sabe, é a maior proprietária de imóveis do Brasil. Tem algum sentido uma coisa dessas? Governo existe para governar, não para ser dono de casas, prédios e terrenos.

O absurdo fica maior ainda quando se constata a quantidade de gente que não tem onde morar de um lado e, de outro, as fábulas que o erário público paga de aluguel para abrigar suas repartições, empresas estatais e sabe Deus o que mais. Tudo o que for vendido – qualquer coisa – e tiver o seu valor transferido em dinheiro para o Tesouro Nacional está valendo. É esse o caminho. E como todos os caminhos, começa pelo primeiro passo.

Fora o seguinte: uma das “mansões” vendidas em Brasília serviu de moradia, paga por você, para gigantes da nossa vida pública como Antonio Palocci, Gleisi Hoffmann e até, vejam só, Dilma Rousseff, quando era ministra de alguma coisa. Só isso já vale o negócio.

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