Os fãs de Che admiram uma imagem que é, e sempre foi, uma fraude.
1.
Che Guevara tem o mais eficaz departamento de relações públicas do mundo. O guerrilheiro argentino e co-fundador da Cuba moderna foi transformado em um ícone moderno, um herói contra-cultural, um rebelde anti-establishment e um ídolo dos pobres. Como James Callaghan disse certa vez: “Uma mentira pode percorrer meio mundo antes que a verdade calce suas botas”.
A verdade sobre Che agora tem suas botas. Ele ajudou a libertar os cubanos do regime repressivo de Batista apenas para escravizá-los em um estado policial totalitário pior que o anterior. Ele era o carrasco chefe a mando de Fidel Castro. Um assassino em massa que, em teoria, poderia ter comandado qualquer número de esquadrões da morte na América Latina, do “Sendeiro Luminoso” peruano, na esquerda política, à “Mão Branca” (grupo paramilitar) da Guatemala, à direita.
“Assim como a Paris jacobina teve Louis Antoine de Saint-Just”, escreveu o historiador francês Pascal Fontaine, “a Havana revolucionária tinha Che Guevara, uma versão latino-americana de Nietcháiev – o terrorista niilista do século XIX que inspirou Dostoievski em Os Demônios. Como Guevara escreveu a um amigo em 1957, “A minha formação ideológica significa que eu sou uma daquelas pessoas que acreditam que a solução para os problemas do mundo se encontra por trás da Cortina de Ferro”. (…) Ele era um grande admirador da Revolução Cultural chinesa. De acordo com Regis Debray, “Foi ele, e não Fidel, que em 1960 inventou o primeiro campo de trabalho corretivo de Cuba”, o que os americanos chamariam de um campo de trabalho escravo e os russos chamavam de gulag.”
Che foi morto na Bolívia pelo exército em 1967, quando tentou derrubar mais um governo e substituí-lo por um Estado comunista.
Eu vi apenas um punhado de cartazes de Fidel Castro em uma viagem recente que fiz a Cuba, e absolutamente nenhum de seu irmão mais novo, Raúl, que agora é presidente de Cuba – mas vi centenas de retratos de Che, como se ele, em vez de um dos Castros, fosse hoje o comandante da ditadura. O culto da personalidade gira inteiramente em torno daquele que já se foi. É conveniente e inteligente. Ele não pode fazer nada de novo para desacreditar a si mesmo e dá à família Castro um falso ar de modéstia.
Minha turnê cubana levou-me ao lugar de descanso final de Che em um mausoléu por trás de um monumento imponente, nos arredores de Santa Clara. Antes que pisasse fora do ônibus, jurei a mim mesmo que não iria discutir com uma única pessoa, cubano ou estrangeiro, no memorial, não tanto por respeito aos mortos – mas porque eu não queria ser “o cara que discute”. Melhor esquecer isso por uma hora e dizer a verdade sobre Che posteriormente por escrito.
Menos de um minuto após eu ter jurado que manteria a calma, um turista americano sentado ao meu lado disse algo extremamente ingênuo. “É incrível, não é? Não temos ninguém na história americana que é amado como os cubanos amam Che”.
Cuba é um Estado policial e Che foi seu co-fundador. Os cubanos “amam” ele da mesma forma que romenos “amaram” Nicolae Ceausescu e alemães orientais “amaram” o arquiteto do Muro de Berlim, Erich Honecker.
Você sabe o que acontece com os cubanos que demonstram abertamente sentir ódio de Che? Eles são presos. Quando Che ainda estava vivo, eles eram executados ou levados para campos de trabalho escravo. Então, sim, todo mundo o “ama”. Está previsto em Lei. Ai daqueles que desobedecem à segurança do Estado.
O espírito humano é uma força poderosa, embora alguns cubanos não compreendam isso. Um milhão e meio deles fugiram para os Estados Unidos para escapar dos instrumentos de repressão de Che Guevara, muitos através do Estreito da Flórida, onde as chances de sobrevivência não são melhores do que duas em cada três. Outros resistiram em seus lares, principalmente durante a década de 1960, época da rebelião global.
“Eles corrompem a moral das jovens”, Castro gritou contra a juventude rebelde na época, “e destroem cartazes de Che! O que eles pensam? Que este é um regime liberal burguês? NÃO! Não há nada de liberal em nós! Somos coletivistas! Somos comunistas! Não haverá Primavera de Praga aqui!”.
Anjo Ciutat aconselhou Che sobre a construção da polícia secreta de Cuba, que ele aprendeu com o chefe de polícia secreta mais sinistro de todos – Lavrenty Beria, chefe da NKVD de Josef Stalin. Quase todas as vítimas de Che eram cubanas. Será que os americanos adoram um regime estrangeiro que matou milhares de pessoas, forçou milhares mais para a escravidão, e levou mais de um milhão para o exílio?
Claro que não.
O memorial é em uma praça do tamanho de um shopping center. Não há árvores ou sombra. É uma enorme armadilha de calor que absorve e reflete a luz do sol tropical escaldante. Uma imponente estátua de Che – com o detalhe de seu braço esquerdo quebrado – está colocada em cima de um pedestal gigantesco. É como se ele fosse um deus. Os degraus que conduzem à estátua são enormes. Senti-me pequeno e baixo em comparação. O Memorial de Thomas Jefferson não tem essas dimensões. A cena toda intimida pelo design.
Perto da parte da frente do memorial há um outdoor com o rosto sorridente do agora morto Hugo Chávez, presunçoso comunista-ditador da Venezuela, apresentado aos cubanos como “o nosso melhor amigo”. Em uma extremidade da praça há outro outdoor, este com uma citação de Fidel Castro: “Eu quero que você seja como Che”.
Eu tenho que perguntar: Será que Fidel quer que os cubanos sejam como o verdadeiro ou o falso Che?
2.
Toda uma prateleira de livros foi escrita sobre Che Guevara. A maioria deles hagiográficos.
Exposing the real Che Guevara, de Humberto Fontova, é uma exceção. É implacavelmente crítico, não só do próprio assassino, mas de seus fãs. Ele gasta centenas de páginas desbancando a mitologia do Estado de Fidel Castro com fontes constantes nas notas de rodapé e entrevistas com testemunhas oculares, mas as próprias palavras de Che são suficientes para condená-lo:
“Um revolucionário deve ser uma fria máquina de matar motivada por puro ódio.”“Nós levaremos a guerra à própria casa dos inimigos imperialistas, aos seus locais de trabalho e de lazer. Nós não podemos jamais lhes dar um minuto de paz ou tranquilidade. Esta é uma guerra completa, até a morte.”“Se os mísseis nucleares houvessem permanecido, nós os teríamos usado contra o próprio coração da América, inclusive Nova York… Marcharemos a trilha da vitória, mesmo que isso custe milhões de vítimas atômicas… Nós precisamos manter o nosso ódio vivo e insuflá-lo ao seu paroxismo.”
Eis aqui mais uma de Fontaine, na França: “Em seu testamento, o graduado na escola do terror enalteceu o ‘ódio extremamente útil que transforma os homens em efetivas, violentas, impiedosas e frias máquinas de matar.’ Ele era dogmático, frio e intolerante, e não havia nele quase nada do tradicionalmente aberto e caloroso temperamento cubano.”
Eu poderia ir mais adiante (e Fontova assim faz por um bom tempo), mas vocês já pegaram a ideia.
Os camaradas e companheiros de Che eram igualmente desapiedados. O venezuelano Ilich Ramírez Sánchez, também conhecido como Carlos o Chacal, foi treinado em um dos campos de guerrilha de Che nos arredores de Havana. Ele concluiu seus estudos transformado em um monstro e se tornou o terrorista mais procurado do planeta. “Bin Laden seguiu uma trilha que eu mesmo abri”, disse ele após os ataques da Al Qaeda contra Nova York e Washington. “Eu acompanhei as notícias sobre os ataques de 11 de setembro nos Estados Unidos sem parar, desde o princípio. Não consigo descrever a maravilhosa sensação de alívio.”
Ele cumpre uma pena de prisão perpétua na França por assassinato.
Mesmo assim, jovens de todo o mundo que se opõem ao sistema têm o rosto de Che nas suas paredes e nas suas camisetas. A maioria deles não sabe de nada real sobre o homem que admiram. Não fazem ideia de que ele foi uma das figuras mais violentamente antiliberais em toda a história do Ocidente. Eles admiram a imagem, que é – e sempre foi – uma fraude.
Fontova cita um exilado cubano que atende pelo apelido de Charlie Bravo e que diz que os fãs de Che no Ocidente precisam de um chute de realidade no traseiro. “Eu adoraria ter visto aqueles manifestantes estudantis da Sorbonne, de Berkeley ou de Berlim, com seus pôsteres ‘maneiros’ do Che, tentando seus discursos ‘antiautoridade’ em Cuba naqueles tempos. Eu adoraria ter visto Che e seus capangas colocando as mãos neles. Eles receberiam uma lição rápida sobre o ‘fascismo’ do qual tanto se queixam – e em primeira mão. Eles logo estariam suando e ofegando por causa do trabalho forçado nos campos de concentração dos Castro e de Che, ou então sendo estocados na bunda por baionetas ‘maneiras’ quando ousassem diminuir o ritmo, e talvez tendo seus dentes despedaçados pela coronha de uma metralhadora ‘maneira’ caso eles adotassem, perante a milícia de Che, a mesma atitude que adotam diante dos guardas do campus.”
Estou aqui confiando firmemente em Fontova porque a maior parte do que se escreveu sobre Che é bobagem. Eu conversei com ele recentemente e lhe perguntei a respeito disso.
“O seu livro a respeito de Che é o único que o desmascara? Eu não consegui achar nenhum outro.”
“Sim”, ele disse. “É o único livro desse tipo. O livro de Jon Lee Anderson é considerado a bíblia sobre Che, mas foi escrito em cooperação com o regime dos Castro enquanto Anderson morava em Cuba. Quando William Shirer escreveu Ascensão e Queda do Terceiro Reich, ele não confiou nos nazistas para obter as informações do seu livro, ainda que muitos deles ainda estivessem por aí em 1957. Ele confiou, primeiramente, nas vítimas e nos inimigos dos nazistas para obter informação. Quando Robert Conquest escreveu O Grande Terror, sobre o stalinismo, ele não confiou em Nikita Khrushchev ou quaisquer outros comunistas soviéticos. Ele confiou em exilados russos e ucranianos. Essa é a maneira normal de se escrever livros sobre regimes totalitários. Mas, quando se trata de Cuba, por algum motivo insano, espera-se que você colabore com o regime totalitário para ser considerado um verdadeiro estudioso.”
“E como foi isso?”, perguntei.
“Eu dediquei meu mais recente livro a esse tema. É sobre a mídia dominante e Fidel Castro. Aqui está uma citação de Fidel Castro em 1955, quando ele estava na prisão em Cuba. Ele disse: ‘A propaganda é vital – o coração de nossa luta. Nós nunca podemos abandonar a propaganda (…) Usar um monte de prestidigitação e sorrisos com todo mundo. Devemos usar a mesma tática que empregamos em nosso julgamento; defender nossos pontos de vista sem provocar polêmica. Haverá muito tempo depois para esmagar as baratas.’
“E aqui temos Che Guevara, em seu próprio diário, em 1958. Ele disse: ‘Para nossa força de guerrilha, muito mais valor tiveram os recrutas da mídia americana para exportar nossa propaganda do que os recrutas camponeses.’ Castro e Guevara cultivavam laços com a mídia estrangeira e com ela mantinham diálogos proveitosos. Eles fizeram disso um objetivo desde o princípio. Eles precisavam exportar sua propaganda e fazer com que não parecesse propaganda.”
E funcionou. Talvez porque o comunismo cubano fosse visto, correta ou incorretamente, como menos severo do que a versão soviética. Talvez porque Che tenha morrido em tenra idade, e então a narrativa estatal oficial do regime cubano acabou petrificada em âmbar. Caso ele houvesse vivido por mais tempo e tivesse cometido mais atrocidades, talvez a verdade sobre ele fosse mais óbvia e bem conhecida.
Não se pode negar o carisma de Che, pelo menos nas fotografias. Nem mesmo um gênio da propaganda como Castro conseguiria convencer os jovens europeus e americanos a idolatrar Pol Pot, Leonid Brezhnev ou seu próprio irmão, Raúl.
Seja qual for a razão para o sucesso dessa ridícula narrativa oficial, os exilados cubanos exasperam-se quando veem seu algoz ser idolatrado por pessoas ingênuas.
“Se os cubanos que vivem nos Estados Unidos impressionam vocês por parecerem passionais demais e até meio malucos, há uma razão”, escreveu Fontova na sua Introdução. “Praticamente todos os dias, ligamos nossas televisões ou saímos à rua para ver a imagem do homem que treinou a polícia secreta para assassinar nossos parentes – milhares de homens, mulheres e crianças. Esse homem cometeu vários desses assassinatos com suas próprias mãos. E, ainda assim, nós o vemos sendo celebrado em toda a parte como a quintessência da humanidade, do progresso e da compaixão.”
3.
Junto à estátua de Che em Santa Clara, há um museu que celebra sua imagem. Ele é retratado como um médico (ainda que não tenha se formado em medicina), uma alma afável que se preocupava com os pobres e oprimidos, e como um bravo líder de guerrilha que ajudou a libertar um povo muito sofrido das garras de um tirano opressor. Eu o acharia incrível caso essas coisas fossem verdadeiras, ou se eu não soubesse mais nada sobre ele além daquilo que lá aprendi.
É isso que os cubanos aprendem sobre ele na escolar. Aqueles que o adoram estão adorando uma mentira, bem como os ocidentais que carregam seu rosto em camisetas.
O mais interessante sobre o museu é o que não está lá. Não encontrei qualquer menção ao fato de Che ter sido o executor-chefe de Fidel, nem qualquer referência à sua construção de campos de trabalho escravo. O regime cubano sabe que o Che real era um ser humano desprezível, e que pessoas civilizadas ficam estarrecidas com vilões como ele. Caso contrário, aqueles fatos importantes sobre sua vida e “carreira” teriam sido incluídos. A verdade é um segredo sujo que o regime quer manter enterrado. Não haveria necessidade de mentir por omissão se a verdade sobre Che fizesse dele um herói.
Cubanos de mais idade – especialmente aqueles que fugiram para os Estados Unidos – sabem a verdadeira história, claro, mas os jovens cubanos, não necessariamente. Não tenho ideia, para falar a verdade, do que eles pensam ou sabem sobre Che. Fiz essa pergunta a um punhado, mas eles não se sentiram dispostos a responder. Quase todo mundo que encontrei reclamava do governo, mas não de Fidel pessoalmente, e especialmente não de Che.
Uma das guias do museu disse algo estranho. “Ele inventou um novo tipo de feriado”, ela disse. “Ele sacrificou tudo por Cuba, e para honrá-lo nós trabalhamos um dia extra em nossos empregos sem receber pagamento.”
Trabalho extra em Cuba, sem ser em troca de pagamento? Mas os cubanos mal são pagos, de qualquer jeito. A maioria deles trabalha para o estado e recebe um salário máximo de vinte dólares por mês. Ou seja, eles já estão trabalhando de graça. Que diferença faz umas duas horas mais?
“É parte de sua filosofia do Novo Homem”, ela adicionou.
O Novo Homem altruísta e coletivista de Che é uma fantasia utópica. Seres humanos só trabalharão longas e árduas horas em troca de nada se forem forçados a tanto – daí o sistema político repressivo de Cuba.
O corpo de Che foi devolvido pela Bolívia em 1997. Ele está em um mausoléu por trás do memorial.
“Você pode entrar lá, mas não pode falar nada”, um guia me alertou. “É uma questão de respeito. Há microfones dentro, e eles estão escutando. Você terá grandes problemas se falar alguma coisa.”
Entrei, me sentindo ligeiramente nervoso a respeito do alerta para permanecer quieto.
O interior é calmo e iluminado por velas. Parece e dá a impressão de um santuário. Tirar fotos é estritamente proibida. As paredes são constituídas de pedras. Elas são a prova de som. Não escuto nada vindo de fora. o ar é frio e seco. A própria atmosfera inspira silêncio. Eu me sentiria um tolo se abrisse a boca.
Uma policial sentava numa cadeira, ao fundo. Ela parecia severa, como se fosse me dar um soco se eu me comportasse mal.
Ela se levantou, marchou até mim e soltou um som estremecedor.
“Aqui!”, ela disse.
O quê? Ela está falando? Por que ela está falando aqui dentro?
Ela apontou para o muro no centro do recinto onde Che está sepultado. Eu estava olhando o cenário como um todo, mas ela me queria olhando lá e em nenhum outro lugar, como se eu tivesse insultado Che ao dar atenção para outras coisas.
Acenei um silencioso agradecimento, olhei o nome de Che gravado em uma pedra e custei a acreditar que os restos de uma pessoa infame estavam a poucos centímetros de mim.
Não fiquei lá por muito tempo. A policial me deixou desconfortável, especialmente por gritar comigo depois de ter me dito para ficar calado. Então deixei o local e voltei para o quente e húmido mundo externo, que quase nunca esfria durante o dia.
Adiante na rua existe um pequeno parque construído em volta de um trem descarrilhado. Durante a revolução, Che e seus homens supostamente forçaram esse trem para fora dos trilhos colocando diante de seu caminho um buldôzer. Cruzando a rua na saída do parque, existe um grande letreiro com os dizeres, “Nosso Socialismo é Irrevogável!”.
Quem eles estão tentando convencer? Turistas? Moradores locais? Capitalistas à toa como eu?
Mais provavelmente, todas as alternativas acima. De qualquer forma, a defensiva do regime está à mostra. Você não vê os governos de Estados Unidos, Canadá, Bélgica ou Suíça gritando “Nossa Democracia é Irrevogável!”, pela óbvia razão de que nem mesmo pessoas malucas pensam que ela é revogável.
La Cabanã é a antiga fortaleza militar espanhola localizada acima do lado oriental do porto de Havana. Che a transformou numa prisão. Fontova a chama de Lubyanka caribenha. Milhares de homens e garotos foram executados contra seus muros por esquadrões de fuzilamento.
“Para se mandar homens para um esquadrão de fuzilamento, é desnecessário prova judicial”, Che famosamente disse. “Esses procedimentos são um arcaico detalhe burguês.”
Ao contrário dos esquadrões convencionais, onde todos os rifles, menos um, têm carregamento vazio, Che se certificou de que todo executor no esquadrão atirasse balas letais.
“Assim que [Castro e Guevara] tomaram o poder”, escreve Fontaine, “eles começaram a conduzir execuções em massa dentro das duas principais prisões, La Cabaña e Santa Clara (…). Nas palavras de Jeannine Verdes-Laroux, ‘A forma dos julgamentos, e os procedimentos pelos quais eles eram conduzidos, era de grande relevância. A natureza totalitária do regime já estava escrita desde o início’.”
É difícil se chegar a um número exato na contagem de cadáveres, mas o próprio Che confessou ter ordenado milhares de execuções em La Cabaña apenas durante seu primeiro ano. Aqueles que conseguiram sobreviver dizem que ele mesmo dava o tiro fatal na têmpora das vítimas com sua pistola.
Prisões são locais desagradáveis em qualquer lugar do planeta. É o objetivo delas. Mas as prisões de Che eram tão brutais e desumanizadoras quanto as versões soviéticas que inspiravam o modelo cubano.
O escritor cubano Reinaldo Arenas, interpretado pelo magnífico Javier Bardem no filme Before Night Falls, passou períodos desagradáveis nos calabouços de Fidel e Che. Artistas tendem a ser antiautoritários, e estados policiais naturalmente os temem e abominam, então Arenas foi arrastado para a prisão. Um memorável pedaço de diálogo do filme resume o processo do sistema cubano em oito palavras:
“Você está preso.”
“Por quê?”
“Porque estou dizendo.”
Arenas, em seu livro de mesmo nome, escreve sobre as condições no interior do cárcere. “Era um lugar sufocante, sem banheiro. Gays não eram tratados como seres humanos, eles eram tratados como bestas. Eles eram os últimos a serem levados para as refeições, de modo que os víamos passando, e o mais insignificante acidente era uma desculpa para serem espancados impiedosamente.”
E ele escreve sobre como o sistema prisional acabou com seu colega de letras Heberto Padilla. “[Ele] foi trancafiado numa cela, intimidado e espancado. Trinta dias depois ele emergiu daquela cela uma ruína humana. A noite em que [ele] fez sua confissão foi inesquecível. Aquele homem cheio de vida, que tinha escrito uma poesia belíssima, se desculpou por tudo que tinha feito, toda sua obra, culpando a si mesmo, classificando-se de covarde desprezível e traidor. Ele disse que durante sua detenção no sistema de segurança do estado ele finalmente entendeu a beleza da Revolução (…). Padilla não apenas retirou tudo que tinha dito em sua obra, mas denunciou publicamente seus amigos e mesmo sua esposa.”
Hoje, La Cabaña é uma atração turística. Pode-se ver através do porto o horizonte da Havana Velha restaurada. O forte é em si bem preservado e esteticamente agradável. Ainda assim, ele mente por omissão da mesma forma que o museu no memorial dedicado a Che.
Não vi ou ouvi em La Cabaña qualquer menção sobre as milhares de pessoas que o regime matou, apesar de muitas terem sido mortas contra um de seus próprios muros. Não pude sequer encontrar esse muro. Ele não está identificado. O sangue e os miolos já se foram há muito tempo.
Um dia – talvez não em breve, mas algum dia – isso vai mudar. O mito do Che amável, benevolente e compassivo vai enfim entrar em esquecimento, porque um governo democrático em Havana não irá mentir, seja com omissão ou comissão, sobre o homem que co-fundou a última ditadura de Cuba. Quando esse dia chegar, os turistas que visitam a ilha irão finalmente aprender algo verdadeiro.
* texto publicado no blog do autor, e no Amálgama com sua autorização.
tradução: Daniel Lopes, Dowglas Lima e Rafael Bán Jacobsen.
tradução: Daniel Lopes, Dowglas Lima e Rafael Bán Jacobsen.
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