As reações dos sacerdotes, devotos e simpatizantes da seita lulopetista confirmam o parecer do chefe supremo: para quem sonha com a reeleição da presidente, a aliança entre Marina Silva e Eduardo Campos foi um soco no fígado. E todos os golpeados continuam grogues, atestaram nesta quarta-feira a mudez de Lula e o falatório de Dilma Rousseff.
Ele completou quatro dias de silêncio sobre a manobra que alojou a Rede Sustentabilidade num espaçoso anexo do PSB. Ela tentou driblar perguntas sobre o tema com respostas que jamais serão decifradas ─ mesmo se algum dia o dilmês for promovido a idioma oficial do país.
No sábado, logo depois de atingida pelo contragolpe de Marina Silva, a presidente enxergou “um ato de vingança” no que foi apenas um acordo político. Ontem, instada por jornalistas a confirmar ou desmentir o diagnóstico, foi mais longe do que nunca na arte de não dizer coisa com coisa. Por que evitava comentários sobre o tema? “Estou na fase dos grandes beijos, fase de beijos com o Brasil”, sorriu.
A contagem dos pitos infligidos diariamente a subordinados mostra que a zangada vocacional continua a mesma. Não ficou menos carrancuda nem mais tolerante. Confusa de nascença, está apenas mais atarantada do que nunca com a brusca mudança na paisagem da sucessão presidencial. E a perplexidade da chefe não será desfeita por cabos eleitorais igualmente atônitos, preveniu nesta quarta-feira a performance de Paulo Bernardo.
“Ela acrescenta para ele, mas se você for pensar, se ela for vice, no Brasil ninguém vota por causa do vice”, decolou o ministro das Comunicações. “Precisamos saber quem vai ser o candidato, porque hoje, nos jornais, ela tá falando claramente que pode ser candidata. Temos de observar isso com tranquilidade: vai ser o Eduardo com a Marina de vice, ou vai ser a Marina com o Eduardo de vice, ou vai ser um dos dois candidatos sem o outro como vice?” Tradução: pode ser isto e pode ser aquilo, mas também pode não ser nada.
Com o endosso de colunistas estatizados e blogueiros de aluguel, outros pregadores tentam animar o rebanho com a tese tão verossímil quanto cronograma do PAC: só Dilma saiu ganhando com a união de dois presidenciáveis que foram ministros do governo Lula. Tal tapeação se ampara em três fantasias de deixar ruborizadas as arquibancadas da Marquês de Sapucaí.
Primeira: em vez de três concorrentes, a presidente vai enfrentar apenas dois. Segunda: todos os simpatizantes de Eduardo Campos que não simpatizam com Marina Silva vão virar eleitores de Dilma, que também será apoiada por todos os simpatizantes de Marina Silva que não simpatizam com Eduardo Campos. Terceira: o surgimento de outra opção reduziu o PSDB a partido nanico e afastou do páreo Aécio Neves.
Só a ilusão eleitoral é pior que a ilusão amorosa, ensinava o deputado Thales Ramalho. Apaixonados se apegam a possibilidades inexistentes, candidatos compram por qualquer preço até nuvens ─ desde que sejam azuis. Dilma, por exemplo, tem comprado previsões que assassinam a sensatez e submetem a lógica a selvagens sessões de tortura para provar que o acordo entre Marina e Eduardo Campos era o que faltava para assegurar-lhe o segundo mandato com um ano de antecedência.
E já no primeiro turno, aposta o inevitável Ciro Gomes, baseado numa amalucada releitura das pesquisas eleitorais. Nas mais recentes, a segunda colocada Marina Silva se manteve nas imediações dos 17% e Eduardo Campos flutuou em torno de 6%. Pelas contas de Ciro, os dois perderam tudo. “São dois zeros”, descobriu o secretário da Saúde do Ceará, que também vê em Aécio Neves “um nada”. Se Ciro não estiver delirando, Dilma ganhará a eleição com 100% dos votos válidos.
Conversa de 171, grita a feroz ofensiva das milícias governistas em ação na internet. Se os oficiais graduados tivessem ficado tão felizes com o casamento da Rede com o PSB, a tropa não trataria os noivos com tamanha virulência. Combatentes a serviço do PT já rebaixaram Marina Silva a “neodireitista”, “comparsa de ruralistas” e “oportunista ressentida”, fora o resto. Eduardo Campos se tornou “um traidor das causas populares” e “o neto que não soube honrar a herança do avô Miguel Arraes”. A onda de cólera escancara a epidemia de medo e insegurança decorrentes da descoberta de que a hegemonia da seita pode estar a um ano do fim.
O PT nunca soube o que é vencer no primeiro turno, seja qual for o número de concorrentes. Desde 2002, a seita força a polarização com o PSDB para dividir o Brasil em duas nações ─ “nós e eles” ─ e, favorecida pela tibieza do adversário principal, culpar os tucanos por todos os problemas do país e assumir a paternidade de acertos alheios. A fórmula que mistura maniqueísmo e torpezas de todos os tipos é a única que a companheirada conhece.
Se o prazo de validade não estiver vencido, poderia ter alguma utilidade caso fosse Aécio o único inimigo a destruir. Mas não produzirá efeito algum se aplicada à dupla acampada no PSB. Até recentemente, Marina e Campos eram adulados pelos comandantes do PT. Será difícil condená-los sumariamente à danação eterna. É compreensível que o partido do mensalão não saiba o que fazer.
O problema é que quem não sabe o que deve fazer acaba fazendo o que não deve. Principalmente depois de um soco no fígado.
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