O jornalista Paulo Francis costumava dizer que “país nenhum tem 10% de pessoas inteligentes”. Certamente ele não tinha pesquisa para apoiar sua afirmação. Porém ele era um homem culto e gostava de polemizar. Primeiro, cabe perguntar: o que é “ser inteligente”? De forma geral, uma pessoa é inteligente quando é portadora de quatro qualidades: a) domínio da linguagem; b) raciocínio lógico; c) pensamento analítico; d) capacidade de pensar e argumentar com ideias complexas. Há outras respostas, mas fiquemos com essa, por enquanto.
O famoso psicólogo Howard Gardner afirma que não há definição única de “pessoa inteligente”, já que existem, pelo menos, oito inteligências. Li uma interessante reportagem escrita para o jornal Financial Times, sobre o jogador Lionel Messi, do Barcelona. Para quem não sabe, o argentino Messi tem apenas 23 anos e é considerado um genial jogador de futebol, uma raridade só comparável a Pelé e Maradona.
A reportagem sobre Messi diz que ele é completamente alheio a quase tudo, não se interessa pelo mundo, nada sabe sobre o futebol e suas informações; ele nem mesmo se lembra dos nomes dos outros jogadores. É uma pessoa de boa índole, que não se mete em brigas, não gosta de dar entrevistas nem fazer análises sobre os jogos. Seu único interesse é entrar em campo e jogar. Embora seja um gênio da inteligência física exigida pela prática do futebol, Messi é considerado, por muitos, ignorante em qualquer coisa que não exija uma bola nos pés. Pelo conceito geral de inteligência, ele é medíocre. Para Gardner, ele tem alta inteligência física.
Polêmicas à parte, se país algum tem 10% de pessoas inteligentes, como se explica o elevado padrão de bem-estar dos países desenvolvidos? Será que a Dinamarca, sem miséria nem pobreza, não teria mais que 10% de inteligentes? Ou seja, para um país se desenvolver é preciso que sua população seja inteligente?
Há quem afirme que uma nação pode eliminar a pobreza e superar o atraso mesmo que sua população seja, na maioria, medíocre (no sentido de pessoa comum, sem grandes talentos). Por essa tese, uma das vantagens do sistema econômico moderno é que ele não precisa de pessoas inteligentes para funcionar bem e ter elevada produtividade. Apenas a educação básica seria suficiente para todos terem bom padrão de vida, mesmo que 90% não sejam mais que medíocres. E por quê?
A resposta seria que o sistema é inteligente, dispensando as pessoas de sê-lo. Os defensores dessa tese afirmam que a humanidade inventou três coisas que permitem elevada produtividade (que é a produção total dividida pela quantidade de horas trabalhadas pela população): a máquina inteligente (o robô sapiens), a tecnologia e a especialização. Quando olhamos um produto sofisticado (o avião, por exemplo), podemos pensar que aquilo seja fabricado por um bando de gênios. Ledo engano! Do total de trabalhadores envolvidos na cadeia produtiva de um avião, há os físicos e os engenheiros geniais, mas a maioria é composta de operários comuns e nada brilhantes (medíocres, no sentido de “médios”).
As máquinas altamente sofisticadas, as tecnologias modernas e a divisão do trabalho levam o trabalhador comum a executar exaustivamente poucas operações, nas quais ele se especializa pela repetição, sem exigência de inteligência, ou seja, sem a necessidade de raciocínio complexo.
Juntando a tecnologia industrial com a tecnologia gerencial e fazendo o processo produtivo funcionar com métodos e processos sistematizados, a produção e a produtividade crescem substancialmente, a ponto de permitir que uma nação de medíocres tenha prosperidade material suficiente para eliminar a pobreza e o desconforto de toda a população.
Saber que uma sociedade pode oferecer bom padrão de bem-estar a todos sem exigir mais que 10% de pessoas inteligentes é uma tese fantástica. Nesse sistema, o trabalhador medíocre teria boa remuneração que resultaria da alta produtividade do trabalho. Quando um único motorista de trator executa o trabalho de arar a terra que antes exigia 500 operários de enxada, a produtividade de seu trabalho (propiciada pela máquina e pela tecnologia) torna-se altíssima. Logo, seu salário tende a crescer, ainda que ele não precise ter mais intelecto do que o requerido para manejar um trator.
Assim, a divisão do trabalho, a especialização pela repetição, a tecnologia e a máquina sofisticada seriam capazes de levar, em termos de sistema, àquilo que os teóricos da administração dizem ser, no campo da gestão, a essência da liderança: “o genial não é tirar resultados extraordinários de pessoas extraordinárias; o genial é tirar resultados extraordinários de pessoas comuns”.
*José Pio Martins, economista, é reitor da Universidade Positivo.
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