José Wilson Granjeiro
“O problema é o mau uso do Sisbacen pelos juízes, que se consideram acima do bem e do mal, senhores da vida e da morte, deuses que podem tudo. Não deveria ser assim”
De acordo com a definição disponível no portal do Banco Central na internet, o Sistema de Informações do Banco Central (Sisbacen) é um conjunto de recursos de tecnologia da informação interligados em rede a serviço do Banco Central para a condução de seus processos de trabalho. Entre os usuários do sistema, incluem-se órgãos da administração direta, tanto dos governos federal, estadual, municipal e distrital, como dos demais poderes da União, dos estados, dos municípios e do Distrito Federal; instituições sujeitas à ação reguladora/fiscalizadora do Banco Central do Brasil; entidades vinculadas ao Sistema Financeiro Nacional; e, ainda, pessoas físicas ou jurídicas devidamente autorizadas e credenciadas a utilizar o sistema em busca de determinados recursos ou informações.
Não há dúvida de que o Sisbacen é importante ferramenta de gestão financeira do Estado. Mas não é só: entre os que dela fazem uso no dia a dia, estão também empresários e até a Justiça do nosso país. A criação do Sisbacen constituiu, portanto, notável avanço também para a gestão de negócios e a eficácia do poder Judiciário, graças a um mecanismo que permite aos juízes determinar a penhora on-line de valores relativos a determinados débitos judiciais como garantia de pagamento por parte dos devedores. Em outras palavras, trata-se de retirar das contas bancárias os valores necessários ao ressarcimento de uma dívida e transferi-los ao credor por ordem judicial. Até aí, não merece reparo algum a utilização correta dessa ferramenta pela justiça.
Entretanto, como é comum acontecer no Brasil, as boas intenções de iniciativas como essa acabam desvirtuadas pelo uso incorreto do Sisbacen por parte do próprio Judiciário. O objetivo deste artigo é justamente alertar as autoridades – do governo e dos nossos tribunais – para os graves prejuízos que tal anomalia vem causando aos empreendedores em todos os setores de atividades e, por consequência, à atividade econômica em geral. O que escrevo é reflexo do sentimento generalizado de revolta que percebo entre os colegas empreendedores com quem tenho discutido o assunto. Todos consideramos necessária e urgente uma mudança de postura da justiça sobre o tema.
O fato é que, por meio do Sisbacen, com um simples comando e o uso de uma senha, os juízes podem bloquear todas as contas de uma empresa, para garantir, por exemplo, o pagamento de ação trabalhista transitada em julgado. E os magistrados têm feito isso de forma sistemática e arbitrária, muitas vezes sem nem mesmo terem lido o processo ou considerado os direitos dos empresários, que se veem surpreendidos pela retirada dos recursos de suas contas de uma hora para outra, com graves prejuízos para a normalidade dos negócios. Isso ocorre mesmo quando o réu garante o juízo – depositando o valor questionado para, posteriormente, poder recorrer da decisão – ou quando apresenta bens à penhora como garantia do pagamento.
Os bloqueios atingem todas as contas das empresas, desde que tenham saldo no valor da causa. A medida é executada sem levar em consideração que a empresa tem folha de pessoal, fornecedores e tributos para pagar. O absurdo é que todas as contas são bloqueadas para garantir o pagamento de apenas uma ação e um credor, em detrimento de todo o coletivo. E o que é pior: o bloqueio é imediato, mas o desbloqueio não: o processo, neste caso, é lento, a depender do envio de uma petição ao juiz e da boa vontade do magistrado em despachá-la, já que a situação não está prevista na lei. Enquanto isso, o empresário passa por apuros, pois contava com aquele dinheiro em caixa para honrar seus compromissos. Precisa, então, correr contra o tempo para levantar o dinheiro, negociar faturas vencidas com fornecedores e até adiar ou cancelar gastos já programados na empresa.
Tão grave quanto os prejuízos que as empresas sofrem com esse tipo de ação é o fato de que isso vem ocorrendo à revelia da lei. Sem meias palavras, trata-se de desobediência praticada pelos magistrados, cuja função primordial deveria ser garantir que a lei seja fielmente cumprida. Explico: quando o empresário oferece bens para garantir o pagamento do valor da condenação, mas o credor não aceita a oferta, o juiz deve, por determinação legal, comunicar ao devedor a recusa, para que ele tenha o direito de oferecer outras garantias. O juiz não pode simplesmente bloquear as contas bancárias do empresário. Todavia, a comunicação prevista em lei não ocorre, e o devedor é apenas informado do bloqueio das contas bancárias.
Infelizmente, esse tipo de comportamento da Justiça deixou de ser exceção para virar regra. O que se percebe é que muitos juízes não acompanham as defesas, não seguem os ritos processuais, nem sequer leem os processos. Estão somente buscando o caminho mais fácil para solucionar a demanda. Isso é mais uma agressão ao empresário, como se não bastasse ser tratado pelo governo como sonegador, mau-caráter e desonesto, e não como gerador de empregos e tributos, como alguém que contribui para o progresso das cidades, desenvolvendo a infraestrutura urbana e proporcionando lazer para a população.
Nesse contexto, depreende-se que a Justiça também vê o empresário como um ganancioso, como um cidadão que só quer levar vantagem em tudo. Mas, diferentemente do que o Judiciário parece pensar, a realidade não é bem essa. Hoje, no Brasil, é muito complicado para o empresário tocar negócios, dada a rigorosa legislação trabalhista, a alta carga tributária – uma das maiores do mundo – e a perversa burocracia: os órgãos públicos não têm pessoal sequer para liberar um alvará ou uma licença.
É por isso que muitos jovens brasileiros empreendedores – que, diga-se, são os melhores – não querem mais abrir um negócio. Preferem trabalhar para o governo, como empregados, ou trabalhar lá fora, longe do país, da família e dos costumes de sua Nação. Tudo por conta do engessamento promovido pelas normas brasileiras. Pelo mesmo motivo, muitas empresas não sobrevivem ao primeiro ano de atividades e fecham as portas. De algum tempo para cá, não bastasse tudo isso, há mais esse complicador que é o Sisbacen.
Nas rodas de empresários que frequento, todos têm necessidade de desabafar e ânsia por discutir o assunto. A conclusão é uma só: é preciso rever imediatamente a situação, que gera atrasos na folha de pagamentos e em muitos outros compromissos, para garantir uma única causa, quando ainda se está discutindo a ação e foram oferecidos bens ao juízo em garantia do pagamento. O que se pede é que haja melhor comunicação da justiça. O simples e imediato bloqueio das contas bancárias não pode continuar a ser praticado, sob pena de inviabilizar os negócios e prejudicar não apenas os empresários, mas os empregados, que ficam sem receber salário, com o qual sustentam a família.
O problema é o mau uso do Sisbacen pelos juízes, que se consideram acima do bem e do mal, senhores da vida e da morte, deuses que podem tudo. Não deveria ser assim. Os magistrados têm de fazer valer a lei, a moralidade e a justiça. Não podem agir para beneficiar indevidamente só uma das partes do processo.
* José Wilson Granjeiro – Após passar em oito concursos, decidiu dedicar a vida aos que sonham com uma vaga no serviço público. Bacharel em Administração, professor e palestrante, é autor de 20 livros e preside a Gran Cursos, escola preparatória de concursos que possui dez unidades no Distrito Federal e seis em outras cidades do Brasil. Sua meta é colocar 1 milhão de alunos na administração pública brasileira. Site: www.professorgranjeiro.com Twitter: @JWGranjeiro
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