Poderia ter sido qualquer time brasileiro, ou qualquer seleção formada depois de 1982. Mas os deuses dos estádios entenderam que não haveria portador mais credenciado que o Santos para o recado aos habitantes do que foi ─ até perder o rumo e a alma ─ o País do Futebol. Em 90 minutos (mais de 70 com a bola nos pés, o restante do tempo preparando-se para retomá-la), o campeão do Mundial de Clubes fez, a rigor, o que fizeram Pelé e seus parceiros de espetáculo na seleção de 1958, na seleção de 1970 e no Santos dos anos 60. “Pelo que ouvi do meu pai, os brasileiros jogavam assim”, disse depois da goleada o técnico Pep Guardiola. O Barcelona é a versão moderna daquele Santos que transformou numa forma de arte a velha e brasileiríssima pelada.
O que se viu na manhã de domingo, a rigor, foi uma sublime pelada regida por 11 craques. E os 4 a 0 em Yokohama (que poderiam ter sido 6, 8, 9 a 0) liquidaram muito mais que um adversário sem chances desde o primeiro segundo. Liquidaram os técnicos medrosos, as táticas retranqueiras, a discurseira defensivista, o cabeça de área, o volante que só desarma, o centroavante de ofício, o chutão do goleiro em direção ao imponderável, o jogo aéreo, o zagueiro que rifa a bola, o carrinho homicida, o atacante que não volta para marcar, os brucutus que trocam golpes de luta-livre na hora do escanteio e outras flores do buquê de cretinices tropicais.
A superioridade de dimensões amazônicas também desmoralizou os cartolas que desprezam as equipes de base para caçar medalhões em fim de carreira, que demitem o técnico depois de cinco derrotas, que desmontam a equipe vencedora depois do título conquistado, que acham que o importante é ganhar, mesmo com um gol de mão aos 47 do segundo tempo. E escancarou os estragos causados pelo sumiço da várzea e seus campos de grama rala por escolinhas que formam jogadores de futebol americano e proíbem a fantasia. Hoje, caso disputasse uma peneira, Garrincha não iria além da primeira ginga: seria expulso a pauladas como as ratazanas grávidas das crônicas de Nelson Rodrigues. E substituído por um volante de contenção.
Depois do que se viu no domingo, o que têm a dizer os devotos do futebol de resultados? Quem ousará recitar que o futebol bonito é incompatível com o sucesso duradouro? Muricy Ramalho vai declamar de novo que quem quer ver espetáculo deve ir ao teatro ou ao circo? Mano Menezes vai continuar murmurando que o Barcelona é de outro planeta? O recado dos deuses do futebol será certamente ignorado por Ricardo Teixeira: se depender do dono da CBF, os calendários assassinos permanecerão intocados e a seleção seguirá desperdiçando o lhe resta de prestígio no papel de cabo eleitoral do chefe. Para Teixeira e seus comparsas, é irrelevante o que se passa nos gramados. Ganhar ou não a Copa é secundário. Eles só pensam em ganhar com a Copa.
Ou os times brasileiros redescobrem o drible, a finta, a tabelinha, a audácia, o improviso, a fome de gol, o prazer de jogar bola, ou vão acabar perseguindo a pontapés títulos sem importância em arenas entregues ao controle de quadrilhas organizadas às quais interessa a vitória a qualquer preço, se possível com a eliminação física dos inimigos. O aparecimento de um Neymar só serve para reafirmar, por contraste, o que se perdeu. O futebol brasileiro tornou-se banal, comum, sem brilho, triste. Cada vez mais parecido com Ricardo Teixeira, vai ficando com cara de fraude.
Augusto Nunes
O que se viu na manhã de domingo, a rigor, foi uma sublime pelada regida por 11 craques. E os 4 a 0 em Yokohama (que poderiam ter sido 6, 8, 9 a 0) liquidaram muito mais que um adversário sem chances desde o primeiro segundo. Liquidaram os técnicos medrosos, as táticas retranqueiras, a discurseira defensivista, o cabeça de área, o volante que só desarma, o centroavante de ofício, o chutão do goleiro em direção ao imponderável, o jogo aéreo, o zagueiro que rifa a bola, o carrinho homicida, o atacante que não volta para marcar, os brucutus que trocam golpes de luta-livre na hora do escanteio e outras flores do buquê de cretinices tropicais.
A superioridade de dimensões amazônicas também desmoralizou os cartolas que desprezam as equipes de base para caçar medalhões em fim de carreira, que demitem o técnico depois de cinco derrotas, que desmontam a equipe vencedora depois do título conquistado, que acham que o importante é ganhar, mesmo com um gol de mão aos 47 do segundo tempo. E escancarou os estragos causados pelo sumiço da várzea e seus campos de grama rala por escolinhas que formam jogadores de futebol americano e proíbem a fantasia. Hoje, caso disputasse uma peneira, Garrincha não iria além da primeira ginga: seria expulso a pauladas como as ratazanas grávidas das crônicas de Nelson Rodrigues. E substituído por um volante de contenção.
Depois do que se viu no domingo, o que têm a dizer os devotos do futebol de resultados? Quem ousará recitar que o futebol bonito é incompatível com o sucesso duradouro? Muricy Ramalho vai declamar de novo que quem quer ver espetáculo deve ir ao teatro ou ao circo? Mano Menezes vai continuar murmurando que o Barcelona é de outro planeta? O recado dos deuses do futebol será certamente ignorado por Ricardo Teixeira: se depender do dono da CBF, os calendários assassinos permanecerão intocados e a seleção seguirá desperdiçando o lhe resta de prestígio no papel de cabo eleitoral do chefe. Para Teixeira e seus comparsas, é irrelevante o que se passa nos gramados. Ganhar ou não a Copa é secundário. Eles só pensam em ganhar com a Copa.
Ou os times brasileiros redescobrem o drible, a finta, a tabelinha, a audácia, o improviso, a fome de gol, o prazer de jogar bola, ou vão acabar perseguindo a pontapés títulos sem importância em arenas entregues ao controle de quadrilhas organizadas às quais interessa a vitória a qualquer preço, se possível com a eliminação física dos inimigos. O aparecimento de um Neymar só serve para reafirmar, por contraste, o que se perdeu. O futebol brasileiro tornou-se banal, comum, sem brilho, triste. Cada vez mais parecido com Ricardo Teixeira, vai ficando com cara de fraude.
Augusto Nunes
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