José Pio Martins
A responsabilidade pessoal tem alguma ligação com a teoria que os economistas chamam de “risco moral”
Imagine que você está passando pela calçada e um mendigo estende a mão, pedindo uma esmola. A seu lado, caminha um filósofo, e você resolve consultá-lo: “Se eu deixar o coração e a religião de lado, devo dar a esmola ou não?”. O filósofo talvez lhe diria que sua decisão depende de sua crença doutrinária sobre liberdade e responsabilidade individual.
Conforme sua convicção, você será definido como um conservador ou um coletivista, e é em função disso que deve decidir se saca a carteira ou não. Quando um coletivista vê um mendigo pedindo esmola, a tendência é ele dar o dinheiro e não fazer perguntas porque, para ele, a miséria é culpa da sociedade e do modelo econômico. Já um conservador perguntaria: “Como esse homem ficou assim?” ou “Por que é minha responsabilidade, e não dele, pagar por seu jantar?”.
Os conservadores acreditam na doutrina da responsabilidade pessoal, segundo a qual todos devem ser chamados à consciência e assumir a responsabilidade por suas escolhas. Para um conservador, a pessoa que joga sobre o governo a obrigação de sustentá-la tira as coisas do domínio da responsabilidade pessoal e as transfere para os outros (o governo somos todos nós), e a certeza de que a sociedade prestará socorro acaba incentivando as pessoas a se comportarem mal.
Um conservador admite a ação do governo para reduzir as desigualdades, desde que isso seja feito por meio de políticas públicas de caráter coletivo, como a educação, a saúde, o fomento do emprego e a proteção aos deficientes e incapazes. O conservadorismo crê que a tentativa de ajudar quem não quer e não se esforça é inútil e um desperdício de recursos.
O exemplo do mendigo pode não ser bom, pois é possível demonstrar que a sociedade tem sua dose de culpa, ao não educá-lo nem lhe dar trabalho. Admitamos, porém, que o mendigo seja alguém vindo da classe média, que se tornou usuário de drogas e fica nas ruas pedindo esmolas. A pergunta é: “A sociedade deve arcar com os custos de tratar e sustentar alguém que escolheu se drogar e viver pelas ruas?”.
A responsabilidade pessoal tem alguma ligação com a teoria que os economistas chamam de “risco moral”, cujas origens remontam ao ramo de seguros. A tese é que a proteção contra o “azar” leva as pessoas a sofrerem com mais frequência os efeitos do “azar”. Um exemplo: por causa da proteção, os donos de veículos com seguro total contra roubo tendem a se preocupar menos em trancar as portas e levar as chaves.
Os economistas (que gostam de expressões robustas) chamam isso de “externalizar os custos de seu comportamento”, tema sobre o qual há vastos estudos, que são levados em conta na formulação de políticas públicas. Há alguns anos, na Alemanha, houve intenso debate sobre o seguro-desemprego, que os conservadores diziam ter se tornado um incentivo para que os desempregados ficassem em casa, em vez de levantar cedo e correr atrás de um emprego.
Outro ponto é o seguinte: imagine uma mulher de rua, pobre e com duas crianças no colo que, indagada porque teve filhos, justifica falando da beleza de ser mãe. Um coletivista diria que a miséria dela e das crianças é culpa da sociedade, logo, o governo (isso é, nós) deve protegê-las. Um conservador diria: “Mas, se é assim, não teria a sociedade o direito de regular o comportamento dessa mulher? Talvez proibindo-a de ter filhos ou limitando o número de filhos como fizeram Cuba e China?”.
Os conservadores afirmam que ao direito de escolha deve corresponder a responsabilidade individual; ou seja, a obrigação de o indivíduo arcar com as consequências de seus atos livremente praticados. Isso nos remete a duas questões: a) qual é a real dimensão do risco moral? b) quanto da miséria é culpa do indivíduo e quanto é culpa da sociedade?
No plano individual, geralmente sacamos a carteira por pena, solidariedade ou ética cristã. No caso das políticas públicas, todavia, as soluções devem se pautar sobretudo por eficiência. A razão é simples: a caridade individual salva uma vida, mas só a eficiência salva milhões.
A respeito dessa questão, a prefeitura de Curitiba desenvolveu ampla campanha e colocou placas nas ruas dizendo para não dar esmolas nos semáforos, mas doar ao fundo municipal. Só que, diante de uma criança maltrapilha que bate na janela de seu carro e a orientação da prefeitura, fica o dilema: “O que fazer?”.
José Pio Martins, economista, é reitor da Universidade Positivo.
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