Celso Arnaldo Araújo
Denunciados por flagrantes delitos, através de um rosário de testemunhos sólidos, evidências robustas e rastros pegajosos, autoridades do primeiro escalão costumam encher o peito para soltar o berro falsamente indignado e carregado de perdigotos que, pelo volume, ganham a densidade da baba bovina e elástica dos boçais de Nelson Rodrigues:
─ E as provas? Onde estão as provas?
Os ladravazes de dinheiro público, dinheiro nosso, clamam pelo implausível. A roubalheira deixa um rastilho de imundícies, patifarias, malandragens, subtrações – mas, com exceções que podem ser imputadas à distração dos perpetradores, não produz notas promissórias assinadas e registradas em cartório, confissões de própria voz ou imagens que teriam sua autenticidade atestada pelo sempre disponível perito Ricardo Molina.
Bem, isso até hoje. A Folha acaba de atender ao apelo dos larápios. Revela, com documentos oficiais, uma transferência de 5.000 reais da conta de um lobista de indústria farmacêutica para a conta de Agnelo Queiroz, em 2008, quando o atual governador de Brasilia (ex-PCdoB e hoje PT) era diretor da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, a versão brasileira da FDA norte-americana.
Sim, Agnelo, que logo em seguida iria bater um bolão no Ministério do Esporte, preparando o campo para Orlando Silva, também foi colocado um dia para tomar conta de remédios – nenhum deles, por sinal, eficaz contra o vírus Corruptus brasiliae.
Não há território da administração pública que seja inóspito a um petista – ainda mais com o DNA do PCdoB. Eles se adaptam a todos os ambientes e esquemas, neutralizando sistemas de vigilância sanitária e financeira. Gente como Agnelo é capaz de tirar proveito até como gerente dos restaurantes Bom Prato, onde um PF custa 1 real. Imagine-se seu raio de ação, agora, como governador do DF.
Mas o Agnelo que nos interessa agora é o vigilante diretor da Vigilância, guardião da saúde dos brasileiros. A descarga de cinco mil reais se deu, por curiosíssima coincidência, horas antes de a indústria representada pelo lobista, a União Química, receber uma certidão de “nihil obstat” da Anvisa. Sem ela, estaria impedida de participar de licitações para fornecimento de medicamentos à rede pública e até de registrar novos medicamentos.
A liberação foi automática, como as transferências eletrônicas: caiu o dinheiro, saiu o certificado. A liberação dependia exclusivamente de Agnelo. E aqui nem cabe discutir se a decisão foi baseada em critérios técnicos.
Mas, espere. Uma merreca dessas remunera uma decisão que influi diretamente no futuro de uma grande empresa? Agnelo é barateiro ou é barato? Na verdade, como confirmou a VEJA Daniel Almeida Tavares, o lobista, os cinco mil eram apenas uma parcela do acerto de cinquentinha feito com Agnelo. Isto é: o subornador não nega o suborno. E o subornado?
Coloque-se no lugar de Agnelo Queiroz, pintando e bordando como governador da capital do país, mas envolvido até a glote nas escandalosas tabelinhas do Ministério do Esporte. Você está sendo ameaçado de impeachment como governador e, de repente, surge não apenas uma prova, mas um atestado de corrupção de seu caráter chancelado pelo Banco Central. Os cinco mil não foram para a conta de laranjas – mas do espremedor em pessoa, com seu nome de batismo e de inscrição no TER, sem nenhuma reserva, nenhum receio. Como contestar a mulher nua encontrada languidamente em sua cama? É preciso tentar alguma saída.
Não sei quanto tempo teve Agnelo entre a revelação cabal do malfeito e a providência de uma explicação. Se foram minutos ou horas, se foi improvisada ou estudada, foi a pior possível: uma emenda mais canalha que o soneto da corrupção. Um ladrão comum não ousaria uma desculpa desse teor.
Diz a Folha:
“O governador do Distrito Federal, Agnelo Queiroz (PT), admitiu ontem que recebeu em sua conta pessoal R$ 5.000 de um lobista quando trabalhava como diretor da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, em 2008 (…) Em nota divulgada ontem, Agnelo voltou a rejeitar a versão do lobista de que recebeu dinheiro de propina e disse que os R$ 5.000 representavam o pagamento de um empréstimo que ele havia feito para Tavares. O governador admitiu à Folha que o empréstimo foi feito informalmente, sem documento ou contrato que comprove a transação. E disse que emprestou o dinheiro ao lobista em espécie, portanto não teria como comprovar sua versão”. E ele, valente, batendo no peito com a mesma empáfia dos ministros na véspera da queda:
“É mais uma tentativa desesperada da oposição de construir algo que relacione o governador a qualquer irregularidade (…) (o depósito) foi a devolução de quantia concedida em empréstimo à referida pessoa. Associar esse depósito a origem irregular é tentativa criminosa de acusação vazia”.
A desculpa de Agnelo não vale um fio de sua barba. Além da ladroagem desenfreada, essa gente não tem limites em seu cinismo sórdido. Ele acha que alguém, fora os asseclas da base aliada, comprará a história de que um dia levou cinco mil reais, em dinheiro vivo, para socorrer um lobista em apuros que mal conhecia – e justamente quem representava uma causa milionária que dependia de decisão de governo, no caso dele, para uma solução que seria efetivamente dada. Por essa versão, os cinco mil que apareceram em sua conta apenas retornaram ao local onde já pertenciam antes do empréstimo.
Ou seja: havia, sim, uma mulher nua em sua cama. Mas já era sua e nua antes de chegar à cama.
Agnelo Queiroz tem tudo para ser o novo ídolo dos milicianos.
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